Milhares de pessoas protestaram na quinta-feira (7) – data da derrubada da ditadura Duvalier há 33 anos – na capital do Haiti e nas principais cidades do país contra a corrupção desenfreada, os apagões e a carestia, e exigiram a renúncia do presidente Jovenel Moise.
“Nós não queremos mais esse presidente”, bradaram os manifestantes por todo o Haiti. Nos confrontos, duas pessoas morreram e as autoridades asseveram que há 14 policiais feridos a pedradas.
Em Porto Príncipe, a tropa de choque lançou gás lacrimogêneo e chegou a atirar para o alto na tentativa de intimidar a multidão. Vários veículos foram incinerados.
A acelerada desvalorização da moeda nacional, o gourde, decorrente de medidas do Federal Reserve que também afetam outros países, acarreta a alta dos produtos básicos, que no essencial são importados. Nos últimos anos, a inflação tem sido maior que 15%.
Os repetidos apagões no fornecimento de eletricidade, denunciados no protesto, são consequência da falta de combustível desde que a crise na vizinha Venezuela inviabilizou a venda de petróleo sob condições mais favoráveis.
Com o agravamento da crise, estão de volta as notícias de haitianos que morrem afogados ao tentarem chegar aos EUA em barcos frágeis, como os 28 da semana passada. Também muitos buscaram asilo no Brasil, por seu papel na operação de paz da ONU.
No ano passado já haviam ocorrido manifestações pela renúncia do presidente Moise, mas foi o relatório da semana passada de auditoria do Tribunal de Contas da União, sobre a malversação de recursos emprestados pela Venezuela, dentro do programa da PetroCaribe, nos últimos dez anos, o estopim das novas manifestações.
Esses empréstimos – que totalizam US$ 2 bilhões -, concedidos em condições mais favoráveis, tinham como objetivo financiar o desenvolvimento econômico e social, mas, como registrou a Rádio France Info, o TCU haitiano identificou “violações e suspeitas graves de fraude e favoritismo”.
Iniciativa do governo Chávez, com a PetroCaribe os países da região passaram a receber petróleo venezuelano a preços mais baratos, e podendo pagar parte a crédito e usar recursos para o desenvolvimento. Os governos instalados após a derrubada, em 2004, do presidente legítimo, Jean-Bertrand Aristide, tinham outros planos, como agora revela o TCU do país.
São “contratos sem detalhes sobre as obras e às vezes sem prazos, projetos cujos orçamentos duplicam ou triplicam sem justificativa, violações quase permanentes de leis de contratos públicos, invocando abusivamente a lei de emergência aprovada após o terremoto de 2010″.
Entre os acusados, estão o atual presidente, Moise, todos os seis ex-primeiros-ministros desde a derrubada de Aristide, e mais nove ex-ministros e ex-altos funcionários.
Mas a bronca maior do povo é com o presidente Moise, aquele que se elegeu dizendo que ia “botar comida na mesa do pobre”. Seu quinhão na roubalheira resulta de que era o executivo da Agritans, que recebeu mais de 36 milhões de gourdes em 2015 para dois projetos referentes à construção de um trecho de estrada, até agora inacabado.
O curioso é que a Agritans não é uma construtora, mas uma produtora de bananas: é daí que vem o alcunha de “Banana Man” (Homem Banana), como Moise é conhecido. O TCU denunciou que há dúvida sobre se uma parcela foi paga em gourdes ou em dólares (o que implicaria em monstruoso superfaturamento).
O presidente da Ordem dos Advogados, Stanley Gaston, advertiu que dificilmente haverá punição para os fraudadores. “As personalidades implicadas têm grandes meios financeiros e poderão contratar escritórios de advocacia haitianos e estrangeiros, e os procedimentos serão infinitos”.
Percepção que também está nas ruas, e que gera mais indignação.
O jornal Haiti Liberté ironizou o anúncio do primeiro-ministro do governo Moise, Jean-Henry Céant, de que o Estado haitiano acaba de registrar queixa contra os malversadores dos fundos do PetroCaribe, como a “primeira vítima” da fraude, e que estará “sempre” com aqueles que cobram justiça. “Nesse sentido, podemos concluir que o Estado haitiano apresentou queixa contra o atual presidente, Jovenel Moise?”, indaga o jornal.