Ahed Tamimi, de 16 anos foi condenada, dia 21 de março, a 8 meses de prisão por um tribunal militar (da ocupação israelense sobre a Palestina) depois de enfrentar com seus punhos um dos soldados da tropa de Israel que invadiu o quintal de sua casa. Seu pai, Bassem, escreveu a carta, da qual seguem os principais trechos, onde diz do seu sofrimento pela filha e mulher presas, mas destaca também o orgulho e a admiração pelo gesto de Ahed, agora símbolo de mais uma geração de palestinos que se apresta a enfrentar a ocupação e libertar a Palestina.
Esta noite, como todas as noites desde que dezenas de soldados invadiram nossa casa no meio da noite, minha esposa Nariman, minha filha de 16 anos, Ahed e seu primo, Nur, passarão atrás das grades. Ainda que seja a primeira prisão de Ahed, ela não é uma estranha às suas prisões. Minha filha passou toda sua vida sob a pesada sombra da prisão israelense – dos meus longos encarceramentos durante sua infância, às repetidas detenções de sua mãe, irmão e amigos, até a aberta-encoberta presença de seus soldados em nossas vidas. Portanto, sua própria prisão só era uma questão de tempo. Uma inevitável tragédia esperando para acontecer.
Em uma viagem à África do Sul, projetamos para uma plateia um vídeo documentando a luta de nosso vilarejo, Nabi Saleh, contra a dominação imposta por Israel. Quando as luzes se acenderam, Ahed levantou-se para agradecer às pessoas pelo apoio. Quando ela percebeu que alguns membros do público tinham lágrimas em seus olhos, lhes disse: “Podemos ser vítimas do regime israelense, mas estamos muito orgulhosos de nossa escolha de lutar por nossa causa, apesar do sabido custo. Sabíamos onde esse caminho nos levaria, mas nossa identidade como um povo e como indivíduos está implantada na luta e extrai sua inspiração dela. Além da opressão e da opressão diárias dos prisioneiros, dos feridos e dos mortos, também conhecemos o tremendo poder que advém de pertencer a um movimento de resistência; a dedicação, o amor, os pequenos momentos sublimes que provêm da escolha de destruir os muros invisíveis da passividade.
“Não quero ser percebida como uma vítima, e não concederei aos atos deles o poder de definir quem eu sou e o que serei. Eu escolho decidir por conta própria como vocês me verão. Não queremos que vocês nos apoiem por causa de algumas lágrimas fotogênicas, mas porque escolhemos a luta e nossa luta é justa. Esta é a única forma para podermos parar de chorar um dia.”
Meses depois daquele evento, quando ela desafiou os soldados, que estavam armados até os dentes, não foi uma fúria repentina pelos graves ferimentos sofridos pouco antes por seu primo de 15 anos, Mohammed Tamimi, o que a motivou. Nem foi a provocação daqueles soldados entrando em nossa casa. Não. Aqueles soldados, ou outros que são idênticos em suas ações e em seu papel, eram hóspedes indesejados e não convidados em nossa casa desde que Ahed nasceu. Não. Ela os confrontou porque esta é a nossa forma, porque a liberdade não é dada como caridade, e porque apesar do pesado preço, estamos dispostos a pagar.
Minha filha só tem 16 anos de idade. Ahed é uma representante de uma geração de pessoas, de jovens lutadores pela liberdade. Essa geração precisa lutar em duas frentes. Por um lado, ela tem o dever, é claro, de continuar desafiando e lutando contra o colonialismo israelense em que nasceu, até o dia em que ele acabe. Por outro, precisa enfrentar corajosamente a estagnação política e a degeneração que se espalhou entre nós. Essa geração precisa se tornar o sangue novo que irá reviver nossa revolução. Ahed é uma de muitas jovens que nos próximos anos irá liderar a resistência à dominação israelense. Ela não está interessada no destaque que está recebendo agora por causa de sua prisão, mas em mudança genuína. Ela está enviando uma mensagem: para sobreviver, precisamos encarar sinceramente nossas franquezas e vencer nossos medos.
Nessa situação, meu maior dever – e da minha geração – é o de apoiá-la e lhe dar passagem; contermo-nos e não tentar corromper e aprisionar essa jovem geração na velha cultura e ideologias sob as quais crescemos.
Ahed, nenhum pai ou mãe deseja que sua filha passe seus dias em uma cela de prisão. No entanto, Ahed, ninguém tem mais orgulho de você do que eu. Você e sua geração são suficientemente corajosas, enfim, para vencer. Suas ações e coragem me enchem de admiração e trazem lágrimas aos meus olhos. Mas, de acordo com o seu pedido, estas não são lágrimas de tristeza ou remorso mas, antes de mais nada, lágrimas de luta.
BASSEM TAMIMI