
A ministra da Ciência e Tecnologia, Luciana Santos, afirmou que o conceito de modelo sustentável para a região Amazônica, defendido pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, é uma responsabilidade de toda a sociedade e que demanda ações integradas entre diversos órgãos de governo.
“E esse conceito de modelo sustentável para a região Amazônica, alinhado às políticas de combate ao desmatamento, queimadas, mitigação e adaptações ás mudanças climáticas e proteção dos povos originários, é um desafio transversal. Exige a integração de diversos órgãos de governo”, disse Luciana durante o Seminário Desenvolvimento Sustentável na Amazônia.
O propósito do encontro foi discutir o posicionamento do Brasil a ser adotado na Cúpula da Amazônia, a ser realizada em agosto deste ano, em Belém (PA), que contará com os presidentes dos oito países integrantes da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OCTA). O evento, promovido pelo Itamaraty, aconteceu em Brasília, entre os dias 16 e 18 de maio.
Segundo Luciana, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento e Inovação (MCTI) tem implementado uma série de ações para aprimoramento científico e tecnológico da região Amazônica “capazes de trazer a desejada melhoria da qualidade de vida de sua população, a geração renda, riqueza e de desenvolvimento local, inclusive sustentável”.
“No MCTI a gente criou a Subsecretaria de Ciência e Tecnologia para a Amazônia para exatamente refletir a nossa preocupação em criar as condições para alavancar os principais programas de ações voltadas à região e fortalecer o trabalho das nossas unidades de pesquisa, vinculadas ao Ministério”, explicou a ministra.
CBERS E MONITORAMENTO
Luciana destacou o acordo com a China, firmado durante a visita do presidente Lula ao país asiático em abril último, para desenvolvimento conjunto de um novo satélite de sensoriamento remoto, no âmbito do programa CBERS, que “vai revolucionar o monitoramento dos biomas brasileiros”.
“Esse novo satélite [..] possui uma tecnologia inovadora, que é o radar de abertura sintética, que vai revolucionar o monitoramento dos biomas brasileiros, em especial o da Amazônia. O maior benefício do CBERS é a geração de dados em qualquer situação climática através de nuvens, que é fundamental para a precisão de dados fornecidos pelo Inpe”, explicou.
A ministra também citou o potencial econômico que representa o bioma amazônico, que abriga, segundo ela, aproximadamente um terço da biodiversidade mundial, entre espécies da fauna e flora e uma biodiversidade microbiana “incalculável que desperta grande interesse”.
“Essa megabiodiversidade possui potencial genético que desperta grande interesse por produtos com alto valor econômico e constitui a maior possibilidade de gerar riquezas e inclusão social sem destruir a floresta, envolvendo às comunidades que nela habitam”, defendeu.
“Entendemos que a estratégia para desenvolver a Amazônia deve incluir a geração de conhecimento e a geração de ferramentas para a difusão de tecnologias para o setor produtivo e para a sociedade, fortalecendo a base técnico-científica para alcançar a verdadeira estrutura produtiva regional”, continuou Luciana.
INPE
Durante o encontro, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), propôs cooperação entre instituições dos países que integram a região amazônica para ampliar o monitoramento da região, especialmente com foco no combate ao desmatamento. A proposta foi apresentada pelo coordenador do Programa de Monitoramento da Amazônia e demais Biomas do Inpe, Cláudio de Almeida, sobre combate e prevenção do desmatamento e o manejo e conservação sustentáveis da floresta.
“O Inpe tem experiência de mais de 35 anos de monitoramento da Amazônia. Ao longo desse período, desenvolvemos tecnologia e criamos ferramentas para ter o monitoramento adequado. É essa experiência que trazemos para compartilhar com os países da Amazônia, se for desejo deles de prover capacitação e transferir tecnologia de modo que toda a região amazônica possa ser monitorada de maneira similar e com a mesma eficiência que o Inpe vem fazendo”, expressou Almeida.
O Inpe é responsável pela série histórica de dados sobre o monitoramento da Amazônia em território brasileiro. Cerca de 60% do bioma Amazônia fica no Brasil, uma área de 4,2 milhões de km2. A série é considerada uma das mais longevas sobre monitoramento de florestas tropicais e utilizada para subsidiar o governo em diversos compromissos assumidos pelo País, junto à comunidade nacional e internacional, como os dados sobre emissões de gases de efeito estufa oriundas do desmatamento.
Ele destacou ainda que o Inpe dispõe de parceria de longa data com a OTCA e por meio da qual capacitou técnicos de todos os países da região da bacia amazônica no processo de monitoramento para utilizar as ferramentas. O coordenador destacou ainda que, desde 2004, o órgão mantém política de dados abertos e de transferência de tecnologia. “Ao pensar em monitoramento, precisamos pensar em transparência e em capacidade para transferir para outros países”, concluiu.
SITUAÇÃO DE ALERTA
Já a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, defendeu que a base de referência da Cúpula da Amazônia, seja o que chamou de “ponto de não retorno”, ou seja, limiar crítico a partir do qual as mudanças climáticas deixam de ser reversíveis. Segundo ela, esse termo dará maior amplitude à política comum para o desenvolvimento sustentável, a ser construída durante o encontro.
“Para pensar a Amazônia, temos como base de referência a questão do ponto de não retorno. Não podemos ultrapassar 20% de destruição da Amazônia sob pena de ela entrar em ponto de não retorno. Isso seria apenas um enunciado genérico, mas esse painel estabeleceria as bases para o que seria uma ação conjunta, onde poderemos tomar emprestado os termos da Convenção do Clima”, disse a ministra em alusão ao termo que foi criado tendo como referência o planeta em sua totalidade, e não especificamente a Amazônia.
De acordo com a ministra, a reunião de chefes de Estado da OTCA (Organização do Tratado de Cooperação Amazônica) quebrará uma lógica muito comum a eventos desse tipo, pois “com raras exceções conseguimos dar sequência aos necessários desdobramentos”, justificou.
“Geralmente a gente faz um evento que reúne presidentes, e todos apresentam ideias, sugestões e propostas. Mas com raras exceções conseguimos dar sequência aos necessários desdobramentos. Precisamos quebrar essa lógica e trabalhar com a lógica dos encaminhamentos, e dar um novo estamento para esses momentos grandiloquentes”, acrescentou.
Com isso, Marina pretende alertar que os países amazônicos estarão embaixo de um “guarda-chuva” com princípio de responsabilidades comuns, porém diferenciadas, em que cada um vai dar a sua contribuição para evitar que a Amazônia entre em ponto no qual a situação fique irreversível.
“Não podemos ultrapassar um 1,5ºC de aumento da temperatura da Terra, nem ultrapassar 20% de destruição da Amazônia, sob pena de ela entrar em ponto de não retorno. Do mesmo jeito que, em 1992, mais de 170 países se reuniram [durante a ECO 92, no Rio de Janeiro] para evitar o ponto de não retorno em relação ao clima, os oito presidentes da República podem se reunir agora para evitar o ponto de não retorno em relação à destruição da Floresta Amazônica”, explicou.
“Quando a gente coopera cientificamente, culturalmente e politicamente, é mais fácil fazer negócio. O problema é que a gente se atém aos negócios e não cria uma base de relação onde as pessoas de países vizinhos possam vir cada vez mais para nossas universidades, e nós irmos para as universidades deles e criarmos um pensamento de região”, justificou a ministra.
“O Brasil reúne expertise fantástica de monitoramento de floresta. E temos um fundo que pode financiar ampliação desse sistema de monitoramento para além das nossas fronteiras, que é o Fundo da Amazônia”, acrescentou.
O destino do Brasil, segundo Marina Silva, é “ser um país mega florestal que vai manter os serviços ecossistêmicos do planeta, porque seremos capazes de transitar de uma economia de alto carbono para uma economia de baixo carbono”, acredita.
“Em vez de exportar carbono, vamos exportar produtos que não sejam carbono intensivo. A China não vai exportar tecnologia para fazer a transição ecológica do planeta e ficar importando agricultura de alto carbono”, defendeu a titular do Meio Ambiente.
“Por isso que a nossa agricultura tem de ser de baixo carbono e a nossa energia tem de ser limpa, produzindo hidrogênio verde. Esse talvez seja o grande termo de referência para uma cúpula dos povos amazônicos em pleno século 21”, completou Marina Silva.
NOVA POLÍTICA PARA A REGIÃO
O ministro do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira, que também participou do seminário, disse que, antes de tudo, o Brasil tem de “alterar radicalmente o modelo que vem do governo militar para a Amazônia”, segundo o qual era necessário integrar a região para não entregá-la, seguindo a lógica errônea de que cortar árvores seria virtude para um modelo de ocupação.
“Depois veio o tema das commodities, que avançam sobre a Amazônia. Na minha opinião, temos de criar uma economia, ali, em que a Amazônia e as árvores de pé sejam mais rentáveis para os habitantes da Amazônia. Essa é a virtude de um novo ciclo”, defendeu Teixeira.
O ministro defendeu a adoção de quatro políticas para a região: reflorestamento produtivo; exploração da sociobiodiversidade; compra, pelo governo, de produtos ali produzidos de forma sustentável, via Programa de Aquisição de Alimentos (PAA); e rearranjo fundiário.
O coordenador-executivo da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), Kleber Karipuna, presente ao encontro, afirmou que as terras demarcadas têm potencial de produção sustentável e de preservação da floresta.
“A demarcação das terras não só efetiva o direito constitucional garantido aos povos indígenas sobre o seu território, como agrega potencial valor a toda história, cultura, e produção dos povos. Temos debate antigo sobre desenvolvimento sustentável”, afirmou Karipuna.
O ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, afirmou que a reunião entre presidentes da OTCA será “decisivo” para demonstrar o compromisso em aprofundar a cooperação entre os países da região.
“Não se cogita mais debater futuro da Amazônia sem os amazônidas, incluindo povos indígenas e tradicionais”, declarou Vieira.
JOSI SOUSA