O Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) abriu nova fase na investigação do caso Queiroz/Flávio Bolsonaro.
Nessa fase, o foco é a origem do dinheiro que o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) detectou na conta de Fabrício Queiroz, lotado na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro como motorista do então deputado estadual Flávio Bolsonaro (PSL).
Os investigadores pedirão a quebra de sigilos fiscais e bancários do ex-motorista e do atual senador Flávio Bolsonaro. A informação foi divulgada no domingo (05/05) por Lauro Jardim, de “O Globo”.
O MPRJ já enviou ofícios com pedido de informações para lugares onde, comprovadamente, Fabrício Queiroz efetuou despesas. A pergunta do MP é “quem pagou” por elas.
Por exemplo, Queiroz foi internado no Hospital Albert Einstein, em São Paulo, no dia 30 de dezembro, e lá foi operado para a retirada de um tumor no intestino, no primeiro dia do ano.
O suposto motorista permaneceu internado até o dia 8 de janeiro em um dos hospitais mais caros de São Paulo.
Nesse tempo, foi atendido pelo cirurgião Wladimir Alfer Júnior, pesquisador de urologia pela Harvard Medical School e doutor pela Universidade de São Paulo, e também pelo gastroenterologista Pedro Custódio de Melo Borges, que cuidou do ex-jogador Sócrates, logo antes do falecimento do ídolo do Corinthians, em 2010. Ambos cobram R$ 700 só pela consulta.
Para embasar o pedido, o MP argumenta com o fato de que, até agora, não foram encontradas evidências de que a movimentação atípica de R$ 7 milhões na conta de Queiroz entre 2014 e 2016 se deve à compra e venda de carros e outros negócios informais, como disse Queiroz.
Em entrevista ao SBT, no final do ano passado, o ex-motorista de Flávio Bolsonaro afirmou que era “um cara de negócios” e que comprava e revendia carros. “Eu faço dinheiro“, disse Queiroz. “Eu faço, assim, eu compro, revendo, compro, revendo. Compro carro, revendo carro. Eu sempre fui assim. Sempre. Eu gosto muito de comprar carro em seguradora. Na minha época, lá atrás, comprava um carrinho, mandava arrumar, vendia. Tenho segurança”, disse ele.
O Ministério Público do Rio só localizou, em nome de Queiroz, dois carros antigos. Um Ford Del Rey Belina marrom, modelo 1985-86, e um Voyage preto, modelo 2009-10. Não há registro de outros automóveis – ou, mesmo, foram identificadas outras transações.
O Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) havia detectado uma primeira movimentação de R$ 1,2 milhão em sua conta, entre 2016 e 2017, e, mais tarde, divulgou um total de R$ 7 milhões movimentados por Queiroz entre os anos de 2014 e 2017.
O MP considera que os rendimentos de Queiroz, que é aposentado da PMRJ e recebia um salário de R$ 10 mil no gabinete do filho de Bolsonaro, não explica o montante movimentado por ele. “Os rendimentos não batem com a movimentação detectada”, diz o MPRJ.
Em depoimento, realizado por escrito em fevereiro, Queiroz havia alegado duas versões.
A primeira foram os supostos “negócios” de compra e venda de automóveis.
A outra foi a de que pegava parte dos salários de outros funcionários do gabinete e gerenciava esses valores, para, supostamente, contratar mais pessoas que trabalhariam fora da Assembleia Legislativa do Rio, quando Flávio era deputado.
Segundo Queiroz, Flávio Bolsonaro não sabia de nada.
Ele fazia isso por iniciativa própria – mas sem nenhum interesse próprio.
O MP já tinha intimado, em dezembro do ano passado, todos os oito assessores que fizeram repasses na conta de Queiroz. Mas, até o momento, apenas um deles prestou depoimento.
O único dos funcionários, que depositaram na conta de Queiroz, que se apresentou para falar foi Agostinho Moraes. (Leia aqui)
Moraes negou que devolvesse parte do salário. Disse que entregava R$ 4 mil por mês a Queiroz para fazer um “investimento” , nas supostas compras e vendas de carros, que o motorista – e amigo de Bolsonaro (pai) desde os tempos do Exército – faria.
A testemunha não apresentou documento que comprovasse a sua declaração. Os investigadores não viram veracidade em sua narrativa.
Duas frentes, nas áreas cível e criminal, investigam, no MP do Rio, os negócios de Queiroz.
A investigação civil, sobre prática de improbidade administrativa, está a cargo das Promotorias de Justiça de Tutela Coletiva de Cidadania.
A criminal, por crime de lavagem e outras práticas, é conduzida pelo Grupo de Atuação Especializada no Combate à Corrupção (GAECC).
O MP não encontrou evidências de que a movimentação atípica na conta de Queiroz se deve à compra e venda de carros e outros negócios informais, como alega ele.
A outra linha de investigação do MPRJ é a relação de Queiroz com o miliciano Adriano Magalhães, o capitão Adriano, chefe do Escritório do Crime, que se encontra foragido.
Raimunda Veras Magalhães e Danielle Mendonça da Costa da Nóbrega, respectivamente mãe e mulher do miliciano, foram funcionárias do gabinete de Flávio Bolsonaro.
Adriano Magalhães da Nóbrega é um assassino por encomenda, fundador e chefe do celerado “Escritório do Crime”, onde também atuava o major da PM Ronald Paulo Alves Pereira, preso na Operação “Os Intocáveis”, e Ronnie Lessa, assassino da vereadora Marielle Franco e de seu motorista, Anderson Gomes.
Lessa, autor dos disparos que tiraram a vida de Marielle e Anderson, preso no dia 12 de março, residia no mesmo condomínio de Jair Bolsonaro, na Barra da Tijuca – e sua filha namorou um dos filhos de Bolsonaro, Jair Renan.
O objetivo dos investigadores é apurar a ligação, envolvendo lavagem de dinheiro, entre o ex-motorista de Flávio Bolsonaro, o Escritório do Crime e a cúpula da milícia de Rio das Pedras.
No caso do major Ronald Paulo Alves Pereira – homenageado por Flávio Bolsonaro em 2004, com uma moção de louvor da Assembleia Legislativa – a polícia do Rio aponta que, além de membro do Escritório do Crime, ele seria chefe da milícia de Muzema, agora notória pelos prédios que desabaram no último dia 12 de abril.
Fabrício Queiroz e Adriano da Nóbrega, o chefe do Escritório do Crime, serviram juntos no 18º Batalhão, de Jacarepaguá, Zona Oeste do Rio de Janeiro.
A relação de Queiroz com Nóbrega é tão íntima que foi reconhecida por seu advogado, na nota em que tenta isentar Flávio Bolsonaro por ter nomeado a mãe e a mulher do criminoso para seu gabinete, assim como pela concessão da medalha Tiradentes – a mais alta do Estado do Rio de Janeiro – a Adriano da Nóbrega. Disse o advogado:
“Queiroz é ex-policial militar e conheceu o sr. Adriano na época em que ambos trabalhavam no 18º Batalhão da Polícia Militar e, após a nomeação dele como assessor do ex-deputado estadual, solicitou ao gabinete moção para o sr. Adriano, bem como a nomeação dele para trabalhar no referido gabinete… Ademais, vale frisar que o sr. Fabrício solicitou a nomeação da esposa e mãe do sr. Adriano para exercerem atividade de assessoria no gabinete em que trabalhava…” (v. Bolsonaro e as milícias).
Queiroz não tem sido localizado, e Débora Melo de Queiroz, sua ex-mulher, informou ao MP que ele teria se mudado para Curicica, bairro que, aliás, é bastante próximo à Taquara, onde ele mantinha sua residência, antes que o Coaf revelasse suas movimentações financeiras. Tanto Taquara quanto Curicica são partes do antigo bairro de Jacarepaguá.
A outra versão – sempre existe mais de uma, no caso de Queiroz e dos Bolsonaros – é que Queiroz estaria em São Paulo.
Flávio Bolsonaro, além de ter prestado homenagem ao foragido Adriano Magalhães da Nóbrega, com a medalha Tiradentes, montou também um outro esquema, envolvendo Valdenice de Oliveira Meliga, irmã de dois milicianos, Alan e Alex Rodrigues Oliveira, presos em agosto do ano passado, na operação “Quarto Elemento”, do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) e do Ministério Público do Rio de Janeiro.
Segundo reportagem de revista IstoÉ, Valdenice assinou cheques de despesas da campanha em nome de Flávio Bolsonaro (PSL).
Dona de uma empresa de eventos, a Me Liga Produções e Eventos, Valdenice recebeu procuração de Flávio Bolsonaro para assinar os cheques.
Um desses cheques, assinados por ela, no valor de R$ 5 mil, é destinado à empresa Alê Soluções e Eventos Ltda, que pertence a Alessandra Cristina Ferreira de Oliveira, que é funcionária do gabinete de Flávio na Assembleia Legislativa do Estado (Alerj), com um salário de R$ 5,1 mil.
As explicações dadas até agora por Flávio Bolsonaro, sobre suas movimentações financeiras e os depósitos feitos pelo motorista em sua conta, estão longe de convencer as autoridades que investigam o episódio.
Pelo contrário, elas só abrem mais suspeitas de que pode ter sido montado no gabinete um esquema de lavagem de dinheiro – e o motorista era um intermediário.
Por isso, o MP deverá pedir a quebra dos sigilos do senador e de Queiroz.
A movimentação financeira de Queiroz era sincronizada – ou seja, apresentam uma estranha regularidade em seus depósitos e saques. Essa ‘sincronia’ é típica de contas de passagem, cujo real destinatário do valor creditado não é o seu titular.
O Coaf suspeita que esses movimentos, envolvendo vários saques e depósitos de pequeno valor, fazem parte de um esquema de lavagem de dinheiro.
O problema, portanto, é: que dinheiro sujo Queiroz estava lavando? Pois o conjunto das movimentações não é explicado apenas pelos desvios dos salários de funcionários do gabinete de Flávio Bolsonaro.
Num dos episódios, por exemplo, Queiroz fez três saques de R$ 5.000 cada um, totalizando R$ 15 mil; o movimento foi seguido de cinco depósitos em dinheiro vivo feitos em sua conta entre os dias 15 e 17 de fevereiro de 2017, que totalizaram R$ 15,3 mil.
Os maiores saques feitos em 2016 por Fabrício Queiroz foram precedidos, geralmente na véspera, de depósito de valores de mesmo patamar.
S.C.
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