
Jogo eletrônico com conteúdo racista levanta preocupações e discussões sobre regulação no ambiente digital
O Ministério Público de São Paulo (MP-SP) instaurou uma investigação para apurar um aplicativo chamado “Simulador de Escravidão” que estava disponível na Play Store, a loja virtual do Google. O jogo eletrônico, produzido pela empresa MagnusGames, permitia que os usuários assumissem o papel de proprietários de escravos, com a opção de fazer lucro, impedir fugas e rebeliões ou lutar pela liberdade e chegar à abolição.
O conteúdo do jogo gerou indignação, pois além de glorificar a escravidão, também apresentava comentários racistas em suas avaliações. Comentários como “acho que faltava mais opções de tortura” e expressões de ódio foram registrados, o que chamou a atenção das autoridades e levou à instauração da investigação.
O MP-SP expediu um ofício ao Google, responsável pela Play Store, solicitando informações específicas sobre o jogo e exigindo esclarecimentos sobre a disponibilização do aplicativo na plataforma. O prazo dado ao Google para responder é de uma semana, e a Promotoria do caso decidirá se irá instaurar um Procedimento Investigatório Criminal (PIC).
A promotora Maria Fernanda Pinto destacou que a disponibilização do aplicativo na plataforma evidencia uma falha do Google. Ela ressaltou a gravidade dos comentários racistas e afirmou que o conteúdo do jogo, disfarçado de entretenimento, é ainda pior.
“O que chama atenção são as pessoas que baixaram e comentaram [o jogo], com aspectos muito reprováveis de um racismo muito escancarado e comentários indefiníveis em termos de gravidade e horror, que ferem qualquer parâmetro de civilização. Esse tipo de coisa travestido de entretenimento é ainda pior”, avaliou a promotora.
Além da investigação criminal, o Google também pode ser responsabilizado pelos danos sociais causados pelo jogo. A associação civil Educafro Brasil já entrou com uma ação civil pública contra a empresa, pedindo uma indenização no valor de R$ 100 milhões.
Para a promotora Maria Fernanda Pinto, no entanto, não há dúvidas de que houve falha por parte do Google. “A falha da plataforma evidentemente teve porque o aplicativo foi para o ar”, disse à GloboNews.
O Grupo Especial de Combate aos Crimes Raciais e de Intolerância (Gecradi) do MP-SP instaurou uma Notícia de Fato sobre o aplicativo, apontando a existência de mais de mil downloads e comentários de discurso de ódio na plataforma do Google. O Gecradi solicitou à empresa informações detalhadas sobre o jogo, incluindo a data e horário de disponibilização, além de ter acesso ao e-mail cadastrado pelo responsável.
O desenvolvedor do aplicativo também será investigado, com a equipe especializada do MP-SP buscando informações sobre a empresa na Malásia, responsável pela criação e disponibilização do jogo. Caso a empresa esteja sediada no exterior, as relações diplomáticas entre Brasil e o país em questão serão consideradas.
O caso gerou discussões sobre a regulação no ambiente digital e a urgência de medidas para combater conteúdos racistas e prejudiciais. O deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP), relator do Projeto de Lei de Combate às Fake News, denunciou o jogo e ressaltou a importância da regulação das plataformas digitais como forma de combater a barbárie e preservar a civilização.
Em discurso no plenário, Orlando falou que “o jogo macabro prevê que uma pessoa brinque como se fosse um senhor de escravos. É algo inacreditável em um país em que o racismo é crime, um país que viveu as chagas da escravidão”.
O parlamentar, que é o relator do PL de Combate às Fake News, afirmou que “a própria existência de algo tão bizarro à disposição nas plataformas mostra a urgência de regulação do ambiente digital”.
“O PL 2630 é um passo nesse sentido ao regular parte desse ecossistema, que é mais amplo. A regulação das plataformas digitais é um imperativo da civilização contra a barbárie”, continuou.
É fundamental que casos como esse estimulem ações que promovam uma maior responsabilidade e fiscalização por parte das empresas de tecnologia, para garantir que conteúdos ofensivos e prejudiciais não sejam disseminados e contribuam para a perpetuação de discursos de ódio e discriminação.
“Neste simulador de escravidão, existem 3 tipos de escravos: trabalhadores, gladiadores e escravos de prazer. Compre e venda-os. Cada escravo é adequado para um determinado negócio. Treine seus escravos para aumentar seu nível de maestria e renda”, dizia a descrição do jogo na Google Play.