Quatro dos ministros do Superior Tribunal Militar (STM) votaram, na quarta-feira (08/05), pela concessão de habeas corpus para soltar os assassinos do músico Evaldo Rosa e do catador Luciano Macedo, ocorrido em Guadalupe, no Rio de Janeiro, no dia 7 de abril (v. O capitão do mato e o crime de Guadalupe).
Somente a ministra Maria Elizabeth Guimarães Teixeira Rocha, até agora, votou contra a concessão do habeas corpus.
O julgamento foi suspenso por um “pedido de vista” do ministro José Barroso Filho.
Os atiradores de Guadalupe estão presos por decisão da juíza Mariana Queiroz Aquino Campos, da 1ª Auditoria Militar do Rio de Janeiro (v. Fuzilaria e assassinato em Guadalupe: decretada prisão preventiva de 9 militares).
249 TIROS
Na quarta-feira, a ministra Maria Elizabeth Guimarães Teixeira Rocha, ex-presidente do STM – a única mulher, até hoje, a exercer esse cargo – proferiu um voto memorável, examinando o conjunto de provas obtidas até agora, inclusive as perícias:
“Vossas excelências conhecem minha posição nesta corte. Eu sou garantista e defendo que a prisão em segunda instância não me parece mais adequada. Sempre me coloquei contra ela. Eu defendo a inconstitucionalidade dela, mas, nesse caso, não são apenas as regras de engajamento que foram violadas”, disse a ministra.
“Muito mais que isso”, continuou, “os postulados da prisão preventiva estão presentes. Não se está a condenar prematuramente os flagranteados, porque a Constituição os considera inocentes, mas verificar se outros valores de igual relevância devam ser acautelados em preservação da ordem pública.
“Está se tratando de uma denunciação por crime de duplo homicídio, e não por mera inobservância de lei, regulamento ou instrução, fato gravíssimo que tirou a vida de dois cidadãos inocentes, pais de família.
“Trata-se de caso em que é visível a gravidade concreta e os riscos que a concessão da liberdade trariam, não só à ordem pública, mas à instrução processual”.
A ministra relembrou a história do caso, desde que alguns militares dispararam, sem qualquer tentativa de saber quem vinha dentro dele, 249 tiros contra o carro de Evaldo Rosa, que conduzia a sua família a um chá de bebê.
83 balas atingiram o carro, que conduzia, além de Evaldo, sua esposa, Luciana Nogueira; seu filho de sete anos, Davi; seu sogro, Sérgio Araújo; e uma amiga da família, Michelle Neves.
Luciano Macedo, que tentou ajudar os ocupantes do carro, foi assassinado com três balas nas costas.
Evaldo Rosa foi atingido por nove balas de fuzil, todas elas nas costas (v. Músico morto por militares foi alvejado por 9 tiros de fuzil, aponta laudo).
O sogro de Evaldo foi ferido, em meio à chuva de balas, também por trás.
“Nenhuma das vítimas foi ouvida”, lembrou a ministra Maria Elizabeth Guimarães Teixeira Rocha, “o que levou as autoridades judiciárias a capitular os fatos como mera infração do Código Penal Militar.
“Só após a repercussão midiática dos fatos, do pronunciamento de pessoas que presenciaram a ação, e filmaram parte dela, é que foram ouvidas pelo próprio Ministério Público as vítimas sobreviventes, sendo alterada substancialmente a versão inicial dos militares, que se revelou inverídica, comprometendo a credibilidade do próprio comando militar que a apresentou à sociedade em um primeiro momento, para desmenti-la depois”.
A ministra frisou, ainda, que a versão de que houvera, pela manhã, uma troca de tiros com traficantes, não foi comprovada, ao contrário do que disseram os militares presos.
Foi, disse a ministra no STM, “um esquema engendrado para escamotear a verdade”.
“O excesso e ausência dos meios moderados é evidente. A vítima, confundida com um criminoso sem camisa, estaria de costas. Como podem ter aberto fogo, sem verificar se ela estava armada ou que apresentaria outros riscos?”
O excesso foi tão grande, disse a ministra, que, além do carro de Evaldo, de seus ocupantes e de Luciano Macedo, as balas atingiram um bar, uma oficina mecânica e três veículos.
“Injustificável 83 balas de fuzil quando [o carro] já estava parado e não disparara contra a guarnição”.
“Os acusados não estavam no exercício da garantia da lei e da ordem”, apontou a ministra Maria Elizabeth. “Só poderiam ter atuado se o quartel ou eles próprios tivessem sido ameaçados, o que não ocorreu. Investirem eles no papel de polícia, sem respaldo legal e patrimonial, é ilegal, inconstitucional”.
Por essas razões, disse a ministra, ela votava pela manutenção da prisão:
“Enorme repercussão e revolta social, sendo necessária a manutenção da prisão, tamanha leviandade com que foram disparados tantos projéteis de fuzil na direção de moradores e transeuntes desarmados e desprotegidos. Não se está aqui a dar uma resposta à mídia, mas à tranquilidade da comunidade. Disparos a esmo atingiram muros e gradis e não apenas dois inocentes que acabaram fulminados. A prisão cautelar é decretada com a finalidade de evitar que o agente solto continue a delinquir.”
PRESUNÇÕES
Antes da suspensão do julgamento, votaram pela concessão do habeas corpus e soltura dos assassinos os seguintes ministros:
– o ministro Lúcio Mário de Barros Góes, relator, que argumentou que “não emergem sobre os documentos evidências que levem a crer que a hierarquia e as disciplina militares ficarão ameaçados ou atingidos no caso de os pacientes serem postos em liberdade”;
– o ministro Francisco Joseli Parente Camelo, segundo o qual “cabe aos magistrados a frieza necessária para o enfrentamento dos fatos (…) ao contrário estaríamos antecipando a pena em execução provisória. Estaríamos ferindo de morte a presunção de inocência”;
– o ministro Artur Vidigal de Oliveira, que perguntou: “Cabe a quem decretou a prisão dizer o motivo do que está decretando. Quais foram as normas de engajamento quebradas, se não se apurou?”. E concluiu: “Inaceitável a manutenção dos pacientes no cárcere por tempo indeterminado”.
Com todo respeito ao magistrado, nós pensávamos que inaceitável fosse um pelotão do Exército abrir fogo contra uma família de brasileiros (aliás, duas, pois Luciano Macedo também tinha família). E, se isso não é uma quebra das “regras de engajamento”, o ministro tem uma ideia bastante esquisita sobre as Forças Armadas.
Talvez estejamos errados – mas, nesse caso, Caxias, que jamais tolerou tais crimes, também estava. Portanto, estamos em boa companhia.
– além desses, votou pela soltura o ministro Marco Antônio de Farias.
PARA QUÊ?
Respondendo ao ministro Artur Vidigal de Oliveira, que se manifestou pela análise apenas da decisão de decretar a prisão preventiva, sem levar em consideração as perícias, depoimentos e provas posteriores a essa decisão, a ministra Maria Elizabeth Guimarães Teixeira Rocha lembrou:
“As vítimas só foram ouvidas depois, porque os militares mentiram para o Comando. Os militares mentiram para o comando e venderam a informação de que foram atacados. Atiraram lateralmente e por trás em um carro que vislumbraram a 320 metros de distância. Inventaram, disseram que tinham sido atacados por traficantes, o que não é verdade”.
E, apontou ela, na viatura que conduzia os militares, “não há uma bala”.
“Então, para que existe a prisão preventiva? Os réus mentiram, os réus forjaram um esquema mentiroso, comprometeram o comando, comprometeram as Forças Armadas. Isso já é um indício de que podem comprometer o curso processual da investigação. Atiraram por baixo, pelas costas e a esmo sem se preocupar com os civis inocentes. Então para que existir a prisão preventiva na nossa legislação? Não há denúncia ainda porque estão esperando juntar todos os laudos. Os réus mentiram, os acusados mentiram”.
DEFESA PELA ACUSAÇÃO
Estranhamente, o vice-procurador-geral de Justiça Militar, Roberto Coutinho, a quem caberia a acusação, fez um discurso a favor da soltura dos assassinos de Evaldo e Luciano:
“Toda a evidência verifica-se uma decisão judicial [a prisão], no mínimo, de fundamentação insuficiente. Não pode a histórica Justiça Militar ceder ao repentino clamor da opinião pública e ao seu efeito midiático. Qual foi o fato delituoso? Quem atirou em direção aos passageiros do veículo? Alguém não atirou, embora pudesse? Algum militar deu somente tiro de advertência?”.
Um dos militares presentes em Guadalupe, o soldado Leonardo Delfino Costa, recusou-se a atirar contra o carro de Evaldo Rosa. Ou o procurador não sabe disso ou tirou alguma decorrência que não entendemos. Ou o problema está em quem não atirou?
Mas, continuou o procurador:
“Não estamos falando aqui de criminosos sem ocupação, sem endereço definido e que provavelmente voltarão a delinquir. Falamos aqui de militares do Exército brasileiro. Um tenente de 25 anos, os outros militares na faixa de 20 e 21 anos de idade. Além disso, nem de longe se pode verificar ameaça à hierarquia e à disciplina.”
Exceto se a ordem que eles receberam foi a de assassinar uma família inocente – o que não é verdade – o procurador não tem razão quanto à disciplina e à hierarquia. É óbvio que elas foram quebradas – e não há garantia de que não sejam quebradas outra vez.
O fato de serem membros do Exército, pelo contrário, significa mais responsabilidade – e não menos.
Além disso, segundo o procurador, se a prisão dos assassinos de Evaldo for mantida, “colegas de farda dos investigados, por puro efeito midiático, ficariam inseguros em seus misteres, temerosos em suas decisões e desamparados no cumprimento de ordens futuras, mormente nesse momento especial do Rio de Janeiro onde vivemos uma verdadeira guerra urbana, onde se privilegia a notícia e, posteriormente, se constata o que de fato ocorreu”.
Também não é verdade. O mister dos militares não inclui matar inocentes que estão passando pela rua. Portanto, nenhum militar poderá se sentir inseguro se a prisão dos que atiraram em Guadalupe for mantida. Pelo contrário, os militares se sentirão aliviados, porque essa pecha não pode ser atribuída a eles em geral.
E, como conclusão:
“A Procuradoria Geral de Justiça Militar propugna que os pacientes respondam à investigação e ao processo em liberdade. Nesta fase prepondera a presunção de inocência, princípio basilar que proíbe a antecipação de pena.”
Em suma, em vez de acusar, o procurador preferiu defender o que nem os réus estão defendendo – sua presunção de inocência, após 249 tiros sobre um carro, contra uma família de trabalhadores honrados, indo a um chá de bebê, além do assassinato de outro trabalhador, que heroicamente tentou ajudar a família que era alvo da fuzilaria.
Até agora, aliás, o Ministério Público Militar não apresentou denúncia dos acusados.
Foi o próprio ministro Vidigal – apesar de sua posição ser a mesma do procurador – que chamou atenção para o fato:
“Em muito já está ultrapassado o prazo para oferecimento de denúncia. Mais de 30 dias e não se tem ação penal, não se tem denúncia apresentada. O artigo 79 diz que a denúncia deve ser oferecida no prazo cinco dias e em 15 dias se o acusado estiver solto”.
C.L.
Veja o julgamento de quarta-feira no Superior Tribunal Militar:
Na real
Tem general procurando tirar a responsabilidade.
Nas forças armadas existem regras, Ordem do Dia, Regulamento interno RISG etc
O procurador prevaricou?
Os ministros não tem exigir?
Pode haver algum prejuízo ao processo?