Milton Ribeiro se nega a comparecer para dizer porque pediram propina em ouro e em bíblias com a sua cara. Escândalo derruba conversa fiada de que não há corrupção no governo. “Mito” mandou pastores para cobrar propina no Ministério da Educação
O ex-ministro da Educação Milton Ribeiro informou, por meio de nota do Ministério da Educação (MEC), na quarta-feira (30) à Comissão de Educação do Senado que não participará da audiência para explicar o escândalo de corrupção em sua pasta, prevista para esta quinta-feira (31).
ROUBALHEIRA NO GOVERNO
Ribeiro caiu do cargo de ministro na segunda-feira (28) com a vinda à tona da roubalheira em sua pasta. O pedido de exoneração foi entregue ao governo depois que um áudio revelou que Bolsonaro havia pedido a ele que entregasse a decisão de liberação de verbas nas mãos de pastores ligados ao Planalto que não eram funcionários do governo.
Ouça o áudio onde o ministro diz que foi Bolsonaro quem deu a ordem
Um verdadeiro mar de corrupção foi detectado no Ministério da Educação, assim como tinha sido detectado também no Ministério da Saúde, no escândalo da compra da vacina Covaxin. A Ministra Rosa Weber, inclusive, acaba de decidir pela continuidade das investigações deste escândalo das vacinas ode se estava exigindo o pagamento de propina de um dólar por dose para autorizar a compra.
Milton Ribeiro está fugindo de prestar esclarecimentos sobre esses fatos porque eles não têm explicação. O áudio é claríssimo. Ele diz textualmente que foi Bolsonaro quem ordenou que atuasse em conluio com os pastores.
Os pastores propineiros ligados a Bolsonaro eram Gilmar Santos, de São Luís (MA), que comanda o Ministério Cristo Para Todos, uma das várias ramificações dentro da Assembleia de Deus, em Goiânia. O pastor já pregou na Ásia, na Europa, na África e na América do Norte, dirige o Instituto Teológico Cristo para Todos (ITCT) e preside a Convenção Nacional de Igrejas e Ministros das Assembleias de Deus no Brasil (Conimadb). O outro é Arilton Moura. Ele preside o Conselho Político da Conimadb.
E, para piorar a situação de Bolsonaro e do ministro, dez prefeitos denunciaram que os pastores estavam exigido propina para liberar as verbas. O prefeito de Luis Domingues (MA), Giberto Braga (PSDB), denunciou que um dos pastores ligados a Jair Bolsonaro, Gilmar Santos, pediu um quilo de ouro em propina para liberar os recursos demandados pelo município. Ele disse que o pastor pediu ouro, o valor de R$ 300 mil, porque sua região é uma região de mineração.
PASTORES DE BOLSONARO COBRAVAM PROPINA
“Então, o negócio estava tão normal lá que ele não pediu segredo, ele falou no meio de todo mundo. Inclusive tinha outros prefeitos do Pará. Ele disse: ‘Olha, para esse daqui eu já mandei tantos milhões’. Os prefeitos ficavam todos calados, não diziam nem que sim, nem que não’”, continuou Braga. “E assim mesmo eu permaneci calado. Também não aceitei a proposta. Deixamos as demandas na mão dele e ele deu a conta pra gente. Os que transferissem os R$ 15 mil, ele ia protocolar”, concluiu.
Em nota divulgada na quinta-feira (24), o prefeito Gilberto Braga reforçou a denúncia. “A respeito das notícias envolvendo seu nome em diversos veículos de comunicação, o prefeito de Luís Domingues, estado do Maranhão, Gilberto Braga, vem a público dizer que confirma o teor das declarações dadas ao jornalista Breno Pires, de ‘O Estadão’”, disse a nota.
Kelton Pinheiro (Cidadania), prefeito da cidade de Bonfinópolis, disse que, apesar de precisar de uma escola nova, se negou a aceitar a proposta de pagamento de propina feita pelo pastor Arilton Moura. O prefeito afirmou que, por intermédio do pastor Gilmar, conseguiu ser recebido pelo ministro da Educação numa reunião com vários prefeitos. Assim como Gilberto Braga, Kelton disse que os prefeitos foram almoçar e que, nesse momento, o pastor Arilton, que também estava no encontro, fez o pedido de propina.
Segundo Kelton, o pastor disse: “‘Papo reto aqui. Eu tenho recurso para conseguir com você lá no ministério, mas eu preciso que você coloque na minha conta hoje R$ 15 mil. É hoje. E porque você está com o pastor Gilmar aqui, senão, pros outros, foi até mais’. Achei muito estranho, não tinha interesse”.
“Olha, eu precisava muito da construção de uma escola nova. Tem uma escola lá que é de placas de muro, escola antiga, que a gente precisava substituir lá no município. Então ele disse: ‘Olha, tudo bem, eu consigo isso para você, mas eu quero que você me dê hoje R$ 15 mil aqui na minha mão. Hoje, uma transferência, que você faça isso hoje’”, relatou o prefeito.
VOCÊ COMPRA MIL BÍBLIAS E EU LIBERO A VERBA
Kelton Pinheiro contou ao Estadão que Arilton Moura também propôs ainda uma contribuição para a igreja. “Se você quiser contribuir com a minha igreja, que eu estou construindo, faz uma oferta para mim, uma oferta para a igreja. Você vai comprar mil bíblias, no valor de R$ 50, e você vai distribuir essas bíblias lá na sua cidade. Esse recurso eu quero usar para a construção da igreja”, disse o pastor, segundo o prefeito. “Fazendo isso, você vai me ajudar também a conseguir um recurso para você no Ministério.”
Kelton prosseguiu: “ele sentou do meu lado, em um dos lados da mesa e falou: ‘olha prefeito, eu vou ser direto com você. Tem lá um recurso para liberar com ministro, mas eu preciso de R$15 mil hoje’”, afirmou Arilton Moura, segundo o prefeito. “O discurso dele que ainda me deixou mais chateado foi: ‘eu preciso desse pagamento hoje, porque vocês políticos não têm palavra, vocês não cumprem com o que prometem. Depois eu coloco o recurso para você lá e você nem me paga’.”
Também ao jornal “O Globo”, o prefeito José Manoel de Souza (PP), da cidade paulista de Boa Esperança do Sul, relatou outro pedido de propina de R$ 40 mil por parte de Arilton, para liberar verba para construção de escolas profissionalizantes no município. Ele disse que foi levado a um restaurante de um hotel em Brasília depois de um evento no MEC em 2021.
Lá, o pastor Arilton Moura perguntou se ele teria interesse em ter uma escola profissionalizante na cidade. “Eu disse que tinha outras demandas, como creche, terceirização de ônibus”. O prefeito conta que o pastor então complementou dizendo que, se ele quisesse, poderia ter a escola na hora. “Ele disse: Eu falo lá, já faz um ofício, mas você tem que fazer um depósito de R$ 40 mil para ajudar a igreja”. Souza afirma que se levantou e disse que não faria esse tipo de negócio. A cidade de Boa Esperança, segundo ele, não teve qualquer ajuda do MEC em seus projetos.
PROPINAS E VOTOS PARA ALIADOS DO PLANALTO
Um outro prefeito que não quis ser identificado relatou ter participado de uma reunião do ministro com representantes de municípios em 11 de março de 2021. Segundo a agenda oficial do ministério, prefeitos, secretários e assessores de pelo menos 22 cidades, a maioria de Goiás, participaram da reunião. Também constam entre os presentes os pastores Gilmar Santos e Arilton Moura, além de assessores do MEC e representantes do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE).
O prefeito revelou que foi convidado para a reunião em uma ligação feita de um telefone do ministério por uma mulher ligada aos pastores chamada Nely. Nely é a mesma mulher que o procurou durante a reunião para, segundo ele, propor um contrato para operar como facilitadora da liberação de verbas. Ele diz que proposta semelhante foi feita a outros presentes, e que Nely possuía um apanhado de demandas pontuais dos convidados da reunião, já feitas anteriormente.