Ministros do presidente Hugo Chávez, acadêmicos, organizações políticas, dirigentes sindicais e sociais que conformam a Plataforma Cidadã em Defesa da Constituição da Venezuela (PCDC) divulgaram em Caracas, dia 17, uma carta solicitando reunião com o presidente Nicolas Maduro. Os integrantes da Plataforma esclareceram as razões de tornar pública a carta.
“A Plataforma Cidadã em Defesa da Constituição vem expressando sua profunda preocupação pela escalada de violência que está ameaçando o país com uma guerra civil ou uma invasão militar por parte do governo imperial de Donald Trump. É difícil imaginar um assunto de maior ‘transcendência nacional’ que uma crise na qual o Estado está fracionado e existem ameaças reais de uma guerra civil e uma invasão armada estrangeira”, assinala a nota introdutória.
“Nos reunimos com o Deputado Juan Guaidó enquanto presidente da Assembleia Nacional e não como presidente da República, como divulgou-se nos meios de comunicação, com a finalidade de dar-lhe a conhecer nossos argumentos. Da mesma forma, temos estado tentando reunir-nos com o presidente Maduro há semanas. Temos-lhe solicitado audiência por canais informais. Como não houve resposta, decidimos dirigir-lhe formalmente uma carta solicitando a audiência. Esta comunicação foi levada por três dias sucessivos ao Palácio de Miraflores e, de forma reiterada, o pessoal responsável por receber a correspondência dirigida ao presidente da República, ao ver quem eram os assinantes da comunicação, negou-se a recebê-la”, frisa a nota. Afirmam que, por estas razões, decidiram fazer pública a comunicação da qual, a seguir, publicamos trechos.
CARTA
Carta da Plataforma Cidadã em Defesa da Constituição ao presidente Nicolás Maduro
Os que subscrevemos, membros da Plataforma Cidadã em Defesa da Constituição (PCDC), desejamos através da presente missiva solicitar-lhe formalmente, com a urgência que considere conveniente, uma reunião para dialogar acerca da situação muito grave que nosso país vive, e as possíveis vias para conseguir uma solução nos marcos constitucionaia, democráticos e soberanos que conduzam a uma saída em função dos máximos interesses da República e do povo venezuelano.
Como deve ter conhecimento, uma representação dos que formamos parte da PCDC, na terça-feira, 05, do presente mês, atendeu um convite que nos formulou a Direção da Assembleia Nacional. Na referida reunião, realizamos uma caracterização da profunda e complexa crise que está dizimando as condições de vida digna do povo venezuelano e diante da gravidade dos fatos, lhe colocamos o que, ao nosso modo de ver, poderia ser uma solução constitucional e democrática para a crise que nos esmaga. Temos denominado essa saída: A Rota da Paz e da Mudança, definida por um processo de negociação sustentado em um diálogo entre os dois poderes em pugna (Governo Nacional e Assembleia Nacional), que com a nomeação de um novo Conselho Nacional Eleitoral consensual, e através da ativação de um Referendo Consultivo, o Povo Venezuelano como Soberano e portador do Poder Originário decida se está de acordo ou não em relegitimar os poderes públicos.
Realizamos esta proposta da Rota da Paz e da Mudança sustentada na avaliação que fazemos do momento político atual que apresenta nosso país, e que igualmente expressamos à Direção da AN onde reiteramos, assim como ao Senhor e ao país inteiro o seguinte:
CRISE
É incontestável que a crise política venezuelana entra em uma nova fase a partir de 23 de janeiro, quando se produz a auto-proclamação do deputado Juan Guaidó como suposto “presidente interino” e começa a perfilar-se a formação de um Estado paralelo, que não é mais do que outra expressão da sistemática e continuada violação da nossa Carta Magna, onde inegavelmente existem enormes responsabilidades por parte dos atores políticos em pugna. Por um lado, seu Governo e pelo outro os partidos de oposição aglutinados na Assembleia Nacional. O fato concreto é que, como bem o temos denunciado publicamente, a criação de um governo paralelo responde à estratégia que vem adiantando o governo dos Estados Unidos para recuperar a hegemonia perdida no que qualifica como seu “quintal traseiro”… e assim por freio na América Latina aos seus oponentes econômicos como China e Rússia.
A questão é que dita estratégia não teria podido avançar ou ter êxito se em nosso país tivesse se mantido e respeitado o valor do exercício democrático, participativo e protagónico do povo, como eixo da transformação socioeconômica e da transformação política. Como também, se não se houvesse produzido o fracasso de uma gestão governamental que, lamentavelmente, tem conduzido o povo venezuelano a ter que suportar, injustamente, os embates de uma crise da qual não é responsável. Referimo-nos a que o país tem sofrido um importante revés nas grandes conquistas que no âmbito social tinha obtido o processo bolivariano. Hoje temos que, de acordo com a última pesquisa ENCOVI[1], para o ano 2018, 48% dos lares venezuelanos são pobres. Isso só para mencionar alguns dados das múltiples variáveis que mostram as precárias condições de vida do povo venezuelano e que, como é obvio, vulneram os direitos humanos que formam parte do mandato constitucional. Falamos de temas como a hiperinflação, a destruição do poder aquisitivo dos trabalhadores e suas famílias, a escassez de alimentos, medicamentos, a aparição de doenças erradicadas em nosso país como, por exemplo, a malária, a deterioração incomensurável dos serviços públicos como: transporte, água potável, gás doméstico, eletricidade, telefonia fixa e móvel, aceso a internet, etc.
ÊXODO
Um tema que também merece atenção, e que sem dúvidas é expressão da profunda crise social e econômica que afeta o país, é o referido à importante e significativa migração de venezuelanos estimada, segundo a ACNUR[2], em 3 milhões de pessoas que em busca de melhores condições de vida para eles e sua família, já que nosso país não as pode garantir, tiveram que abandonar filhos, pais, trabalhos, estudos, aprofundando o drama social ao produzir-se uma fragmentação das famílias venezuelanas, evento que, obviamente, para a Venezuela se converte em um fenômeno social histórico excepcional em toda nossa vida republicana.
Como síntese, temos que esta dramática situação inegavelmente veio gerando um rechaço acumulado do povo venezuelano à vossa gestão, criando as condições subjetivas e objetivas para facilitar a execução da estratégia desestabilizadora dos EUA e o Grupo de Lima, apoiando-se nesse descontentamento popular. Isso explica as mobilizações massivas que se efetuaram no dia 23 de janeiro, em cujo contexto se produziu a referida auto – proclamação, à margem da Constituição, do Deputado Juan Guaidó como suposto “Presidente interino da República”, apresentando-se como uma esperança do cambio político para sair da crise. Nestas circunstâncias, tem se implantado um cenário de confrontação em que, por um lado, a Assembleia Nacional encabeçada por Juan Guaidó, assumindo a rota da guerra pilotada pelo governo de Trump e seus aliados, impulsiona a seqüência: “cesse à usurpação – governo de transição – eleições livres”; e pelo outro, seu Governo se mantém entrincheirado no poder, também à margem da Constituição.
É obvio que este processo de confrontação, cedo ou tarde, terminará em um dialogo e em uma negociação. O que não desejamos os venezuelanos é que esta ocorra após a perda inútil de milhares de vidas humanas, da destruição da infraestrutura nacional e a perda da integridade territorial. Chamamos sua atenção para que, em uma situação como essa, perderíamos a República e os que se beneficiariam disso, como sempre o tem feito, seriam as grandes potências estrangeiras e seus interesses corporativos.
Firmam: Héctor Navarro, Ana Elisa Osorio, Gustavo Márquez, Oly Millán, Santiago Arconada, Juan García, Edgardo Lander, Esteban Emilio Mosony e Gonzalo Gómez
[1]. Encuesta Nacional de Condiciones de Vida 2018 (ENCOVI). http://elucabista.com/wp-content/uploads/2018/11/RESULTADOS-PRELIMINARES-ENCOVI-2018-30-nov.pdf
[2]. https://www.acnur.org/noticias/press/2018/11/5be443b54/la-cifra-de-personas-refugiadas-e-inmigrantes-venezolanas-alcanza-los-3.html