A jornalista Maria do Rosário Caetano assistiu a “Missão em Moscou”, de Michael Curtiz (1943), um filme realizado com a consultoria de Jay Leyda (discípulo de Sergei Eisenstein), e prestou à “Hora do Povo” o depoimento que se segue:
“Tenho acompanhado, na Netflix, três séries documentais sobre a Segunda Guerra Mundial (tema que é paixão de Luiz Zanin Oricchio, crítico de cinema e meu companheiro, e tornou-se minha, em especial por causa da “Batalha de Stalingrado” e do “Cerco de Leningrado”).
Dia desses, por acaso, assisti a um filme húngaro (na mesma Netflix) – nada a ver diretamente com o tema da Segunda Guerra Mundial – chamado “Filmando Casablanca” (no original “Curtiz”).
O título brasileiro é enganador. O que o filme faz mesmo é acompanhar a vida do judeu húngaro Mihaly Kertesz, que, ao migrar para os EUA, transformou-se em Michael Curtiz (1988-1962). E o faz no começo da década de 1940, quando Curtiz filmava “Casablanca”. O foco de “Filmando Casablanca” recai sobre seus “modos autoritários” de direção, seus “erros” na pronúncia da língua inglesa (que causavam muitos problemas em seus sets), seu priapismo, suas relações familiares complicadíssimas (em especial com a filha).
Prolífico (mais de 100 filmes o tiveram como diretor, desde o final da fase muda, na Hungria, passando por alguns países da Europa Ocidental, e desaguando nos EUA), ele era um workaholic alucinado, daqueles – garante o filme “Curtiz” – que dormiam no estúdio para não perder tempo deslocando-se para casa. Também, pudera, chegava a dirigir três longas por ano.
No Dicionário de Filmes de Jean Tullard, “descobri” que Michael Curtiz fizera um filme chamado “Missão em Moscou”, no qual “apareciam Stalin, Churchill e Roosevelt”.
Assisti a esse filme e fiquei espantada. Se a URSS tivesse encomendado a um de seus cineastas um longa-metragem que mostrasse seus progressos materiais e artísticos com tanta simpatia e eficiência – creio – não teria obtido resultado tão positivo.
“Missão em Moscou” mostra, ao longo de 124 minutos, o progresso da URSS aliada (ou seja, o país aliado da Inglaterra e EUA, três principais protagonistas da guerra que derrotou o eixo Alemanha-Japão-Itália). E o faz pelo olhar do empresário (que Roosevelt transformou em embaixador dos EUA na URSS) Joseph Edward Davies (interpretado por Walter Huston, pai de John). Ele serviu aos EUA, no país dos sovietes, de 1936 a 1938. Seus diários do período foram transformados no livro “Missão em Moscou”, publicado em 1941. Foi esse livro a base do roteiro do filme de Michael Curtiz, produzido pela Warner.
No prólogo, o próprio embaixador apresenta o filme. E agradece aos Irmãos Warner por transformá-lo em um longa-metragem, feito no calor da hora (1942/43). E lançado em plena Guerra.
A URSS do período filmado (1936-38) é vista como um país que cresce, que constrói fábricas e represas, que abre espaço para as mulheres nas mais diversas funções (de condutora de locomotiva a paraquedista) e que produz artefatos industriais e bélicos que podem ser transferidos, em situações de guerra, para outras regiões do território (os Urais, por exemplo).
O embaixador repete a todo instante que é a favor do “Capitalismo e do individualismo”, ou seja, anti-socialista e coletivista. Mas derrama charme em reuniões de trabalho, visita usinas, represas e hospitais, participa de festas maravilhosas e faz visitas à família de uma bela paraquedista. Sempre acompanhado da linda esposa e da filha idem. Até Madame Molotov é vista como uma simpática russa que cuida de uma perfumaria, pois “a beleza das mulheres é importante”.
O progresso soviético é mostrado com vastíssimo material documental, que deve ter sido filmado por gente do naipe de Roman Karmen e centenas de cinegrafistas que sempre registraram a vida do país dos sovietes. Jay Leyda (1910-1988), o estadunidense que foi discípulo de Eisenstein e viveu na URSS de 1934 a 1937 (autor do livro “Kino – História do Filme Russo e Soviético”, Londres, 1960, inédito no Brasil), foi consultor do filme (no começo dos anos 1940).
Os trotskistas vão detestar uma das sequências mais complicadas de “Missão em Moscou”. Pelo ponto de vista do Embaixador Davies, os “expurgos de Moscou” são mostrados como julgamento de sabotadores que vinham destruindo complexos fabris soviéticos. O julgamento de tais “sabotadores, dirigidos de longe, por Trotski”, são feitos em público, com dezenas de embaixadores estrangeiros na plateia do tribunal (incluindo Joseph Edward Davies, mais diplomatas alemães, japoneses, etc).
Se há um povo mostrado com “sutil” desconfiança (sorrateiro, insinuante), no filme de Curtiz, esse é o japonês. Os chineses, que sofriam guerra de invasão de seu território comandada pelo Japão, são vistos em hospitais soviéticos, que os recebem como vítimas do invasor.
Vi que há, na internet, farto material (até dissertação de mestrado, de autoria brasileira) sobre “Missão em Moscou”. E que o filme de Michael Curtiz, finda a Segunda Grande Guerra (ou Guerra Patriótica, como a chamam os russos), caiu nas garras do Comitê de Ações Anti-Comunista, comandado pelo direitista Senador McCarthy. Quero ler o livro do Embaixador Davies e saber se Jay Leyda escreveu algo sobre esse trabalho curtiziano (talvez não tenha escrito, pois integrou a equipe como consultor, o que poderia parece anti-ético).
Registro aqui uma observação sobre a maestria do cineasta húngaro-estadunidense: no começo do filme, quando Roosevelt convoca o rico empresário Davies para servir aos EUA na URSS e este diz “mas eu não sou diplomata”, o que vemos? O ator Walter Huston em primeiro plano e Roosevelt de costas. No campo de visão de “Davies” , há uma grande foto do presidente dos EUA, colocada em sua mesa de trabalho. Como representar um presidente ultra-conhecido com um sósia? Para evitar tal risco (de cair no ridículo), Curtiz buscou uma excelente solução cinematográfica (a da foto). Já Stálin ganha um sósia, digamos, meia-bomba. E, na parte final do filme, Roosevelt, que morreria na fase final da Segunda Guerra, será visto em cena. Não ele, mas sim um ator-sósia, muito parecido (só que em planos médios ou distantes).
“Missão em Moscou” é filme que nos serve como rico material de análise. E nos mostra como uma aliança político-bélica pode facilitar a construção de imagem positiva do país que foi (e ainda é) o maior rival dos EUA (embora, em nossos dias, a China começa a ocupar esse lugar)”.
UM FILME EXCELENTE, QUE RETRATA A REALIDADE SOVIÉTICA, MAS COM INTENÇÕES DE JUSTIFICAR A ALIANÇA DOS ESTADOS UNIDOS COM ELA NA GUERRA. O LIVRO É TAMBÉM MUITO BOM. É O OUTRO LADO VERDADEIRO DA MOEDA, NARRADO POR UM CARA INSUSPEITO, MAS HONESTO EM SUAS NARRATIVAS.
ESTUDEI ISTO DURANTE UNS 7 ANOS, LENDO TUDO QUE ENCONTREI, PRÓ E CONTRA, MAIS CONTRA DO QUE PRÓ, MUITOS LIVROS DE ÉPOCA – E AÍ ESTÁ A IMPORTÂNCIA. E TAMBÉM ATUAIS, COMO O LIVRO DO MONTEFIORE, UMA CÓPIA DE UM LIVRO DA DÉCADA DE 60, EM SUA ESSÊNCIA. SE IVESSE QUE INDICAR O MELHOR, DIRIA SER “STALIN” DE ISAAC DEUTSCHER, ESCRITO NA ÉPOCA. MAIS UM DOS “ANTISTALINSITAS” QUE NUNCA CONSEGUE DIFAMAR STALIN, PORLQUE HSTO HISTÓRCIAMENTE É IMPOSSÍVEL, DADA A ENVERGADURA DE SUA OBRA.