O vídeo disparado por Bolsonaro no “Whatsapp”, convocando um ato, no próximo dia 15, contra o Congresso e contra o Supremo, é uma das coisas mais nojentas que já apareceram por aqui – com certeza, a mais nojenta que um indivíduo que ocupa a Presidência da República já expeliu.
Bolsonaro já fizera um acordo, com os presidentes da Câmara e do Senado, pelo qual o seu veto ao “orçamento impositivo” seria derrubado apenas parcialmente (v. HP 23/02/2020, Bolsonaristas chamam manifestação para coagir o Congresso Nacional).
Portanto, todo esse charivari sobre “chantagem”, a partir do sr. Augusto Heleno, é mentiroso.
A manifestação do dia 15 não é contra qualquer “chantagem” ao governo por parte do Congresso ou do Supremo Tribunal Federal (STF) – tanto não é, que Bolsonaro já havia efetivado o acordo com os presidentes das duas Casas do Congresso.
Portanto, esse problema não existia.
Além disso, é óbvio que a função do Congresso não é homologar qualquer coisa que venha do Poder Executivo. Poderia, se a maioria regimental quisesse, derrubar inteiramente o veto de Bolsonaro. Mas, nesse caso, inclusive, já se chegara a um acordo.
A manifestação, portanto, é uma manifestação contra a democracia – e Bolsonaro rapidamente a ela aderiu, pois este sempre foi o seu programa no governo: instalar uma ditadura obscurantista, perto da qual a anterior pareceria a Era das Luzes da nossa História.
Mas não é somente isso que torna o vídeo de Bolsonaro repugnante. Antes de tudo, o nojo vem do conteúdo nazista. Vamos transcrever na íntegra:
“Ele foi chamado a lutar por nós. Ele comprou a briga por nós. Ele desafiou os poderosos por nós. Ele quase morreu por nós. Ele está enfrentando a esquerda corrupta e sanguinária por nós. Ele sofre calúnias e mentiras por fazer o melhor para nós. Ele é a nossa única esperança de dias cada vez melhores. Ele precisa de nosso apoio nas ruas. Dia 15.3 vamos mostrar a força da família brasileira. Vamos mostrar que apoiamos Bolsonaro e rejeitamos os inimigos do Brasil. Somos sim capazes, e temos um presidente trabalhador, incansável, cristão, patriota, capaz, justo, incorruptível. Dia 15/03, todos nas ruas apoiando Bolsonaro.”
Quem são os “poderosos” e os “inimigos do Brasil” com quem Bolsonaro se chocou?
O Congresso. O Supremo Tribunal Federal – aquele que seu filho prometeu fechar com “um soldado e um cabo”. A Constituição, que está sob a guarda do STF.
Vejamos o trecho acima, disparado no “Whatsapp” por Bolsonaro. Se alguém escarafunchar um pouco, é capaz de aparecer algo semelhante entre os badulaques apreendidos pelo Exército Vermelho em 1945, na chancelaria do Führer, em Berlim.
Pois, o que está acima é um “heil Bolsonaro”.
Um “heil Bolsonaro” disparado pelo próprio Bolsonaro no “Whatsapp”. Hitler era um pouco menos ridículo.
Na quarta-feira, diante do escândalo que isso causou, Bolsonaro declarou que “no Whatsapp tenho algumas poucas dezenas de amigos onde, de forma reservada, trocamos mensagens de cunho pessoal”.
Mas isso apenas expõe, mais uma vez, a sua covardia.
LÚMPEN
O general Carlos Alberto dos Santos Cruz, um dos mais ilustres oficiais das nossas Forças Armadas, tem toda razão em suas mensagens, onde classifica a tentativa de usar o Exército na convocação da manifestação contra o Congresso (e, portanto, contra as demais instituições democráticas) de “IRRESPONSABILIDADE” e “MONTAGEM IRRESPONSÁVEL” – as maiúsculas são do general Santos Cruz.
Na convocação, além das imagens de generais, está: “Vamos às ruas em massa. Os generais aguardam as ordens do povo”.
Que povo?
Não é o povo que Bolsonaro está convocando para dar um golpe na democracia, até porque seria um contrassenso, pois o povo é a vítima, o alvo, de qualquer golpe contra a democracia.
Não é o povo que o fascismo usa contra a democracia, mas a ralé, o esgoto da sociedade, na tentativa de substituir o poder constitucional pelo poder de uma quadrilha – ou, às vezes, de várias quadrilhas em conluio.
O fascismo é o regime do lúmpen – ainda que, quando consegue o seu objetivo, logo o lúmpen “de cima” passa a faca no lúmpen “de baixo”. Mas nem por isso (vide a Alemanha depois da “noite das facas longas”, em que Hitler eliminou Röhm e seu entorno) deixa de ser lúmpen. Pelo contrário. É mais lúmpen ainda – no limite, como aconteceu na mesma Alemanha, esse lumpesinato destrói o próprio país.
Em termos de hoje, podemos dizer, sem nenhuma dúvida, que o fascismo é o regime das “milícias” (o que eram os “camisas negras” de Mussolini ou os “camisas pardas” de Hitler?).
Portanto, o significado de “vamos às ruas em massa. Os generais aguardam as ordens do povo” é que os generais e as Forças Armadas devem estar submetidas às milícias de Bolsonaro.
A palavra “milícias”, como o país sabe, não é, aqui, uma imagem literária.
Trata-se daquelas milícias de que Bolsonaro & família, há muito, são os representantes políticos – ou coisa pior (v. Bolsonaro e as milícias).
Trata-se daquelas milícias que, através de Fabrício Queiroz, efetivamente gerenciavam o gabinete de Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj).
Quem era (ou quem é) Fabrício Queiroz?
Um serviçal de Bolsonaro desde a época em que ambos serviram na mesma unidade do Exército, depois parceiro de Adriano Magalhães da Nóbrega, o chefe do Escritório do Crime – até mesmo um assassinato em conjunto os dois praticaram, além da nomeação da mãe e da ex-mulher de Adriano para receberem pelo gabinete do filho de Bolsonaro (com a passagem de uma parte para o esquema).
Adriano da Nóbrega foi homenageado duas vezes, inclusive quando estava preso por assassinato, por Flávio Bolsonaro.
Mas agora sabemos a origem dessa homenagem: “Para que não haja dúvida. Eu determinei”, disse Bolsonaro, na mesma entrevista em que fez a apologia do chefe do Escritório do Crime (“Ele foi condenado em primeira instância e absolvida em segunda. Não tem nenhuma sentença transitada em julgado condenando o capitão Adriano por nada. Sem querer defendê-lo. Desconheço a vida pregressa dele. Naquele ano, era herói da Polícia Militar”).
E somente de passagem nos referiremos a que um dos membros do Escritório do Crime, o assassino de Marielle Franco e Anderson Gomes, era vizinho, morava no mesmo condomínio e na mesma rua, de Bolsonaro. Como disse um conhecido cômico: “Só falta ser coincidência”.
É a essa malta que Bolsonaro quer submeter o país, até porque é a sua malta. Para isso, precisa passar por cima – de preferência, destruir – o Congresso, o Supremo, as demais instituições democráticas, inclusive, submeter o Exército e as demais Forças Armadas a esses bandidos.
O grande Ulysses Guimarães, sobre isso, foi bastante exato:
“Conhecemos o caminho maldito: rasgar a Constituição, trancar as portas do Parlamento, garrotear a liberdade, mandar os patriotas para a cadeia, o exílio, o cemitério.”
“Quando, após tantos anos de lutas e sacrifícios, promulgamos o estatuto do homem, da liberdade e da democracia, bradamos por imposição de sua honra: temos ódio à ditadura. Ódio e nojo.”
“Traidor da Constituição é traidor da Pátria”.
CARLOS LOPES