A maioria entre R$ 91 e R$ 9 mil. A esse conjunto foi atribuído valor total de R$ 444 mil, segundo documento fornecido pela Presidência da República em resposta a pedido via LAI (Lei de Acesso à Informação)
Dos 19 mil itens recebidos como presidente da República, o ex-chefe do Executivo, Jair Bolsonaro (PL), entregou à União apenas 55 presentes recebidos de autoridades estrangeiras durante o período que esteve à frente do governo.
Foram 19.470 presentes durante seu mandato de quatro anos, segundo uma lista elaborada pela Presidência da República, atendendo a pedidos da imprensa via Lei de Acesso à Informação e divulgada pelo jornal Folha de S.Paulo. Já uma lista organizada pelo então Gabinete Adjunto de Documentação Histórica da Presidência da República, que o jornal O Globo diz ter tido acesso, aponta que foram 9.158 itens recebidos por Bolsonaro durante os quatro anos de mandato.
A maioria (87%) avaliada em menos de R$ 9 mil. Os demais itens ele teria desviado.
Por estes dados pode-se imaginar o que foi o governo Bolsonaro. Ele não governou o País. Ele se locupletou na e da Presidência da República.
Bolsonaro, portanto, transferiu ao patrimônio público parcela mínima do que ganhou. Deixou de fora, por exemplo, as joias oferecidas pela Arábia Saudita e que o colocaram na mira da PF (Polícia Federal). A defesa argumenta que ele tinha respaldo legal para ficar com os artigos de luxo. O que não é verdade e todos, agora, sabem disso.
Nos 4 anos em que esteve à frente do governo do País, o ex-presidente acumulou cerca de 19 mil itens oferecidos por empresas, populares, autoridades nacionais e do exterior. Recebeu de joias avaliadas em milhões de reais a livros e alimentos, segundo os registros oficiais.
Entre os 55 objetos transferidos à União há esculturas, quadros, porcelanas e até camisa do time de futebol D.C. United emoldurada em quadro, presente de Donald Trump em 2020.
PEÇA DE MAIOR PREÇO ESTIMADO
A área do Planalto encarregada dos acervos presidenciais atribuiu a 48 itens valores entre R$ 91,40 (pintura enviada pela Grécia) e R$ 8.981,12 (escultura de cavalo oferecida pela Índia).
A peça de maior preço estimado (R$ 130.650) é escultura em metal representando a alvéola-amarela, ave nacional do Catar, oferecida a Bolsonaro em 2019 pelo emir daquele país, o xeque Tamim bin Hamad Al Thani. A obra é assinada pela artista britânica Solange Azagury-Partridge.
Consta também na lista relógio de mesa (R$ 97.890,83) confeccionado em prata e com partes banhadas a ouro. O artigo foi também presente de Al Thani, em 2021.
Completa o trio mais bem avaliado, maquete em mármore do templo Taj Mahal (R$ 59.469,20), recebida por Bolsonaro, em 2020 do então presidente indiano Ram Nath Kovind.
LEVOU ÀS ESCONDIDAS
Investigadores envolvidos no caso das joias destacam a similaridade entre objetos entregues ao patrimônio público e peças levadas pelo ex-presidente ao término do mandato.
O inquérito da PF apontou, por exemplo, que um dos conjuntos de presentes tirados do País para ser vendido era composto de duas esculturas — barco dourado, sem identificação de procedência, e palmeira dourada, recebida em 2021 por ocasião da participação de Bolsonaro em encontro empresarial da Câmara de Comércio Árabe-Brasileira, no Bahrein.
RELATÓRIOS SEM DETALHES DE VALORES
Não há estimativa do quanto vale todo o acervo pessoal de Bolsonaro, que inclui, entre outros, relógios, facas, gravatas, bonés, camisas de futebol, munição e armas. A Presidência produziu relatórios sobre todo o conjunto de 19 mil itens, mas não detalhou valores.
O acervo pessoal foi retirado dos palácios da Alvorada e do Planalto em caminhões de mudança durante o mês de dezembro. Parte foi levada para galpão em Brasília, localizado em área de propriedade do ex-piloto de Fórmula 1, Nelson Piquet, simpatizante de Bolsonaro.
Na última segunda-feira (5), o Ministério Público do TCU — Ministério Público de Contas — protocolou representação para que a Corte de Contas promova levantamento de todos os presentes e itens recebidos pelo ex-presidente, “por ocasião das visitas oficiais ou viagens de Estado ao exterior, ou das visitas oficiais ou viagens de Estado de chefes de Estado e de governo estrangeiros ao Brasil”.
Assinada pelo procurador Lucas Rocha Furtado, a representação pede também que seja determinada a devolução dos presentes que atendam essa condição, além do encaminhando do documento para a PGR (Procuradoria-Geral da República), para as providências cabíveis.
BURLA DA LEI
A defesa do “mito” entende que os artigos de luxo, como as jóias, pertencem a ele e que tinha amparo legal para dispor desses presentes como bem entendesse. Sustenta essa linha de argumentação com base em lei e decreto presidencial que definiram regras sobre o assunto.
A Lei 8.394/91, do governo Fernando Collor, trata da preservação, organização e proteção dos acervos documentais privados dos presidentes da República.
De acordo com esta, os documentos que constituem o acervo presidencial privado são, na sua origem, de propriedade do presidente, “inclusive para fins de herança, doação ou venda”.
A norma diz que a União terá direito de preferência em eventual venda e que os artigos também “não poderão ser alienados para o exterior sem manifestação expressa da União”.
Com base nessas duas normas, os advogados do ex-presidente dizem que ele tinha o direito de vender as joias recebidas de autoridades sauditas. Eles ainda atribuíram a “equívoco” ou “desinformação” por parte da assessoria da Presidência da República a falta de comunicação prévia sobre a intenção do ex-mandatário de levar os objetos para os Estados Unidos e vendê-los.
BALIZAS MAIS RÍGIDAS A PARTIR DE 2016
A defesa ignora julgamento do TCU (Acórdão 2.255/16) que definiu balizas mais rígidas sobre recebimento e posse de presentes pelos mandatários.
“Imagine-se a situação de um chefe de governo presentear o presidente da República do Brasil com uma grande esmeralda de valor inestimável, ou um quadro valioso. Não é razoável pretender que (…) possam incorporar-se ao patrimônio privado do presidente da República, uma vez que ele os recebe nesta pública qualidade”, escreveu o ministro Walton Alencar, relator do caso.
Alencar destacou o fato de que o dinheiro para bancar presentes dados a autoridades estrangeiras sai dos cofres públicos. Portanto, em contrapartida, os presentes recebidos também devem ser públicos, “à exceção de itens de uso pessoal ou de caráter personalíssimo”.
O TCU afirmou que deveriam permanecer “como bens públicos”, sob a guarda da Presidência, “todos os demais presentes — incluídas as obras de arte e os objetos tridimensionais”.
M. V.