O governo Federal foi obrigado, nesta segunda-feira, 19, a suspender oficialmente a discussão sobre a reforma da Previdência. Sem os 308 votos necessários para aprová-la, depois da imensa pressão popular, com duas greves gerais e mais uma a caminho, e ainda quebrando recordes de impopularidade, o anúncio do engavetamento deu crédito à intervenção de segurança no Rio de Janeiro.
Embora seja um fato de que em casos de estado de sítio – como é o cenário de intervenção no Rio – qualquer Proposta de Emenda à Constituição (PEC), inclusive nas comissões temáticas, deve ser suspensa, porque assim manda a própria Constituição, é forçoso reconhecer que as tentativas de Temer, Meirelles e sua trupe de aprovar o ataque à Previdência vinham sofrendo derrota atrás de derrota.
O projeto foi parido ainda em 2016, tendo sido enviado ao Congresso Nacional no dia 5 de dezembro. Nesta versão, a PEC estipulava que seriam necessários 49 anos de contribuição ao INSS para a aposentadoria integral, com mínimo de 25 anos de contribuição para ter acesso ao benefício (com cortes), fim da diferença entre regimes público e privado, bem como rural e urbano, além da cereja do bolo: homens e mulheres precisariam ter, no mínimo, 65 anos para adquirir direito a se aposentar.
O absurdo foi tão grande que em pouco tempo o movimento popular dos trabalhadores e diversas parcelas da sociedade construíram algumas das maiores mobilizações populares da história do país. Houve a greve geral em 15 de março, a Greve Geral de 28 de Abril, a maior já realizada no Brasil, e o Ocupa Brasília, em que mais de 200 mil trabalhadores tomaram as ruas da capital federal em 24 de maio. O movimento vinha sendo organizado pelas centrais sindicais em conjunto com movimentos dos servidores públicos, e entidades como a Cobrapol (Confederação Brasileira de Trabalhadores Policiais Civis), a Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho) e a COBAP (Confederação Brasileira de Aposentados, Pensionistas e Idosos).
“No dia 30 de Junho foi a mesma coisa, paralisamos de novo o Brasil. Apesar da sabotagem de alguns setores do movimento sindical”, relembra o presidente da CGTB, Ubiraci Oliveira. “Se não fosse por isso teríamos barrado também a reforma trabalhista. Mas estamos impedindo na Prática que ela se viabilize, os trabalhadores estão se mobilizando nas campanhas salariais para impedir que ela se torne realidade. Agora derrubamos a reforma da Previdência!”, completou o dirigente.
ALTERAÇÕES
Frente às mobilizações dos trabalhadores contra a PEC da Previdência, além da rejeição geral por parte de toda a população, o governo começou a alterar os pontos de suporte da reforma até o formato em que se encontrava agora: o aumento de idade (65 anos para os homens e 62 anos para as mulheres) e do tempo de contribuição (40 anos para ter acesso a aposentadoria integral).
Em mais uma desesperada tentativa de convencer à população de que a reforma era inevitável, que sem ela o país quebraria em alguns anos, o governo gastou mais de R$ 100 milhões em propagandas mentirosas, que propagavam os dados alterados de Meirelles e seus capangas, e ainda botava a culpa para o suposto déficit da previdência nos funcionários públicos, dizendo que o corte dos benefícios “acabaria com privilégios”.
A mentira foi tanta que a Justiça suspendeu a veiculação da propaganda. A Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Anfip) apresentou uma ação denunciando que as peças não eram de cunho educativo, como manda a Constituição, e apresentavam mensagem “inverídica” sobre as mudanças nas regras de aposentadoria. Ao analisar o caso, a juíza Rosimayre concordou com a entidade, destacando que, na propaganda, o governo promove “desqualificação de parte dos cidadãos brasileiros”, em referência aos servidores públicos.
CPI
A situação é ainda mais absurda porque durante todo o ano esteve em tramitação, graças à ação da Cobap, a CPI da Previdência. A comissão realizou 31 audiências públicas e ouviu 140 depoimentos: autoridades, dirigentes de entidades, empresários, membros do Ministério Público e da Justiça do Trabalho, deputados, auditores, especialistas e professores. E concluiu, em outubro de 2017, que não há déficit e os dados propagados pelo governo são errados e imprecisos. “Permitir que essa reforma aconteça é contra a possibilidade de os nossos filhos poderem se aposentar”, afirmou o presidente da CPI, o senador Paulo Paim (PT-RS).
Para além do déficit, a CPI revelou que o governo é cúmplice das empresas devedoras da Previdência, sem cobrar valores devidos, perdoando dívidas e permitindo parcelamentos a perder de vista. Além disso, os recursos previdenciários sofreram significativas apropriações por parte da União, com a criação da DRU (Desvinculação de Receitas da União) que redirecionou parte significativa dos recursos próprios da previdência para outros fins – notadamente o pagamento de juros.
Com tantas e absurdas mentiras, além dos mais sólidos argumentos por parte dos setores que defendiam a previdência pública, nenhum deputado que votasse essa reforma teria qualquer chance de se reeleger sequer a síndico de prédio. Restou agora ao governo sair de fininho e arrumar um pretexto para sua derrota.
ANA CAMPOS