Marchas apoiadas por 196 entidades nacionais e internacionais derrotaram a tentativa de fraude, quanto ao resultado do primeiro turno, que visava excluir o segundo colocado, oposicionista Bernardo Arévalo, que agora disputará com Sandra no dia 20 de agosto
Neste artigo, o jornalista argentino Mariano Vázquez faz uma avaliação sobre o segundo turno das eleições presidenciais da Guatemala, marcada para o próximo 20 de agosto, condenando as armações da “coalizão mafiosa” que tenta continuar à frente do governo, “acionando a maquinaria suja” para ignorar os resultados do primeiro turno e afastar o oposicionista Bernardo Arévalo, candidato do Movimento Semilla (Semente) da disputa. O colaborador do HP resgata os governos revolucionários do pai de Bernardo, Juan José Arévalo, e de Jacobo Arbenz, “que iniciaram uma série de reformas políticas e sociais inéditas no país”, como a reforma agrária, a nacionalização dos recursos naturais e a ampliação dos direitos trabalhistas, e denuncia os que se dobram à “obscena presença dos Estados Unidos e seu braço imperial, as corporações bananeiras – especialmente a United Fruit Company – que saquearam o país, esvaziaram-no de seus recursos e impuseram governos autoritários”. Defendendo a retomada do caminho do desenvolvimento pelas forças nacionais, Mariano esclarece as razões da campanha suja contra Arévalo, que “se intensificou na imprensa atrelada ao regime de corrupção”.
LWS
MARIANO VÁZQUEZ
Enfrentando pacto de corruptos
Em 25 de junho, foram realizadas eleições gerais na Guatemala. Na décima disputa desde a recuperação da democracia, em 1985, o espanto congelou o sangue da coalizão mafiosa que se apropriou autoritariamente – com honrosas exceções – do aparato do Estado há 38 anos. O “Vamos”, partido de direita do presidente Alejandro Giammattei, ficou de fora do segundo turno: obteve apenas 10% dos votos, 28 pontos a menos que nas eleições anteriores. E as surpresas não pararam por aí:
1) A abstenção chegou a 41%.
2) O primeiro lugar foi para os votos nulos e brancos. 1.353.138 (24,3%) guatemaltecos escolheram esta opção entre os sete postulantes.
3) Em seguida, Sandra Torres, esposa do ex-presidente Álvaro Colom, pela coalizão de centro-direita UNE. Obteve 888.924 (21%), 20 pontos a menos do que há quatro anos.
4) O segundo lugar foi para o novo Movimento Semilla (Semente), de centro-esquerda, de Bernardo Arévalo, fundado em 2017 com foco na luta contra a corrupção. Chegou a 653.486 votos (15,5%) e conquistou o direito de participar do segundo turno em 20 de agosto.
Mas o “Pacto Corrupto”, como o público chama a classe política, jurídica, empresarial, militar e midiática, acionou a maquinaria suja para ignorar os resultados, tirar Semilla do segundo turno e fazer com que o governista Vamos ocupasse o seu lugar.
O primeiro passo de uma tentativa de golpe eleitoral ocorreu no dia 1º de julho, quando o Tribunal Constitucional ordenou a suspensão provisória dos resultados. A tentativa recebeu a resposta pública nas ruas e a advertência de missões diplomáticas e organismos internacionais. As Nações Unidas e a Organização dos Estados Americanos (OEA) pediram respeito à vontade popular, o fim do assédio ao órgão eleitoral e a separação dos poderes.
Dois dias depois, 196 organizações nacionais e internacionais pediram “respeito à integridade do processo eleitoral e à vontade dos cidadãos da Guatemala”. Denunciaram que “o Estado iniciou processos para criminalizar técnicos de Justiça independentes, jornalistas e defensores de direitos humanos; e no qual foi impedida a participação de candidaturas presidenciais com potencial para disputar o poder, resulta preocupante observar mensagens que ameaçam o uso indevido do sistema penal contra os membros das Juntas Eleitorais”.
Em 13 de julho, data em que o Tribunal Supremo Eleitoral (TSE) da Guatemala deveria oficializar os resultados de 25 de junho, a Polícia invadiu a sede junto com funcionários do Ministério Público para anunciar que havia obtido a suspensão do Movimento Semilla por ordem judicial, sob acusações de falsificação de assinaturas em sua criação em 2017 e de suposta lavagem de dinheiro. A campanha suja contra Arévalo se intensificou na imprensa atrelada ao regime de corrupção.
Em 19 de julho, a OEA acusou os perdedores de colocar “em risco a estabilidade democrática do país” por meio de uma “judicialização extrema” das eleições “para ignorar a vontade popular”. “A Missão considera que o abuso de instrumentos legais por parte de atores insatisfeitos com os resultados introduziu um alto grau de incerteza no processo eleitoral e pôs em risco a estabilidade democrática do país”.
Paralelamente, Arévalo pediu à OEA uma forte presença da Missão de Observação Eleitoral para o segundo turno devido à possibilidade de fraude e denunciou a “perseguição e criminalização de filiados e membros do partido político Movimento Semilla, que é realizada com fins de intimidação”.
“A história da Guatemala registra a obscena presença dos EUA e seu braço imperial, as corporações bananeiras – especialmente a United Fruit Company – que saquearam o país, esvaziaram-no de seus recursos e impuseram governos autoritários”
A história da Guatemala registra acontecimentos marcantes: a obscena presença dos Estados Unidos e seu braço imperial, as corporações bananeiras – especialmente a United Fruit Company – que saquearam o país, esvaziaram-no de seus recursos e impuseram governos autoritários. E sua contrapartida: os governos revolucionários de Juan José Arévalo (1945-1951) e Jacobo Arbenz (1951-1954), que iniciaram uma série de reformas políticas e sociais inéditas no país: reforma agrária, nacionalização dos recursos naturais, ampliação dos direitos trabalhistas, seguridade social, educação, política externa soberana, busca pela unidade dos Estados centro-americanos.
Em 18 de junho de 1954, após anos de conspiração, aviões mercenários estadunidenses metralharam e bombardearam cidades. O golpe planejado pela CIA, o Departamento de Estado e a United Fruit Company se torna realidade. Desde aquela data até 1985, ditaduras sanguinárias instalaram o terror e produziram violações sistemáticas dos direitos humanos, incluindo o genocídio planificado de comunidades nativas. A Comissão para o Esclarecimento Histórico, criada em 1994, estabeleceu que cerca de 200 mil pessoas foram assassinadas nessas três décadas.
Bernardo Arévalo é nada mais nada menos que o filho de Juan José Arévalo, para muitos analistas o primeiro presidente guatemalteco eleito de forma transparente. Após o golpe de 1954, a família teve que se exilar: por isso Bernardo nasceu no Uruguai em 1958.
Em 1963, Arévalo voltou clandestinamente à Guatemala para ser candidato à presidência. Um golpe militar preventivo organizado por uma máfia impediu que esse líder popular chegasse novamente à primeira magistratura. Hoje, os herdeiros daquela quadrilha pretendem repetir aquela manobra com seu filho. As semanas que faltam para o segundo turno serão cruciais para saber se a Guatemala continua refém do corrupto Pacto ou conquista o direito de ser um país livre.