Em seminário no Clube de Engenharia, Ildo Sauer afirma que “nos encontramos hoje talvez entre um dos períodos mais críticos da história brasileira”. “Tenho esperança de que podemos mudar, e vamos mudar fazendo o diagnóstico do que aconteceu, e construir alternativas”, destacou o professor da USP
O tradicional e combativo Clube de Engenharia convidou o professor Ildo Sauer, professor titular do Instituto de Energia da USP, ex-diretor da Petrobrás e uma das maiores autoridades brasileiras em energia, para dissecar, no Seminário “A crise dos combustíveis e da eletricidade: Soberania e desenvolvimento nacional”, as causas da crise energética brasileira, tanto na eletricidade quanto nos combustíveis derivados do petróleo. Ele falou também das consequências para o país da insistência do governo Bolsonaro em privatizar a Eletrobrás.
Apesar de Ildo Sauer caracterizar a crise dos dois setores, energia Elétrica e Petróleo, como uma só crise do setor energético brasileiro, para efeito apenas de sistematização, a Hora do Povo publica hoje a primeira parte da palestra, sobre a crise no setor elétrico e, na sequência, publicaremos a segunda parte onde Ildo destrincha os problemas causados pelo desmonte da Petrobrás pelo governo Bolsonaro.
“Estamos vivendo tempos muito difíceis”, disse o professor, ao iniciar sua palestra. “O tema que eu propus em complemento ao convite foi tratar da crise atual dos combustíveis, da eletricidade – isto é, da energia, o tema correto é energia porque é difícil separar as vertentes pelos vieses tecnológicos da produção – e a soberania e desenvolvimento nacional”, afirmou Ildo, ao iniciar sua apresentação.
Segundo ele, “o debate é recente, e a crise que estamos vivendo me parece que transcende em muito a esfera técnica, a esfera da natureza e a esfera dos recursos humanos. Ela se situa na esfera da organização social e política do país e, particularmente, na organização da indústria de energia como um todo no Brasil”. Ildo faz uma introdução descrevendo os aspectos históricos da conquista energética da Humanidade. Confira a apresentação desta primeira parte da palestra.
Modelo elétrico brasileiro está completamente errado e deficiente
ILDO SAUER
Os permanentes problemas com a ameaça de desabastecimento do setor elétrico, que é uma indústria de rede – que tem que ter condições de atender a sua demanda -, e o renovado debate atual sobre a questão dos preços dos combustíveis, são questões muito antigas. Elas não são recentes. Elas são uma construção histórica. Nas quais, entre as idas e vindas, avanços e retrocessos, nos encontramos hoje, talvez, entre um dos períodos mais críticos da história brasileira. Para enfrentar esse problema, propus um roteiro para este debate que é bastante amplo, no qual eu vou primeiro fazer um breve preâmbulo para tratar da apropriação social da energia, evolução humana, produção e desenvolvimento.
O que é que tem a ver com a história da Humanidade a apropriação da energia? Nós, desde que nos tornamos nossos ancestrais, só sobrevivemos porque fomos capazes de capturar aleatoriamente o que é energia natural, propiciada essencialmente pela fotossíntese nos permitia. Esse é o maior período da história humana. A nossa existência como vida social, em grupos, foi garantida pela energia. Isso não é reconhecido na academia, pelo menos na profundidade e dimensão que deveríamos.
“A nossa existência como vida social, em grupos, foi garantida pela energia. Isso não é reconhecido na academia, pelo menos na profundidade e dimensão que deveríamos”
A revolução agrícola nos libertou da aleatoriedade da fotossíntese – organizando-a, selecionando animais, plantas-, direcionando o esforço humano para a produção, que teve enorme impacto. Mesmo assim, em cerca de 12 mil anos de revolução agrícola, nós passamos de cerca de 20, 30 milhões de habitantes do planeta para 700 milhões. O grande impacto na transformação da vida humana no planeta, em todos os sentidos positivos e com suas consequências, veio exatamente da capacidade de nos apropriarmos da energia, não só de fluxo, que vem através especialmente do sol, parcialmente também da energia geotérmica gravitacional, mas o sol que nos proporciona a fotossíntese, o ciclo hidrológico, a movimentação das massas eólicas e tudo mais que garantiu nossa existência até aqui.
E o primeiro grande assalto aos estoques de energia acumulada ao longo de bilhões de anos foi ao carvão, através da combustão, do motor a combustão, da máquina a vapor. Passamos de 700 milhões de habitantes em 150 anos, até 1900, para 1,7 bilhão de habitantes, 1 bilhão de aumento em 150 anos.
Com o avanço da Ciência, da Tecnologia, da Termodinâmica, do Eletromagnetismo, da Química, da Biologia, no traspassar o Século 19 para o Século 20 uma nova estrutura da apropriação social da energia veio junto com o sistema capitalista de produção, já encetado junto com a revolução industrial. Então, nos últimos 100 anos, que é a era da eletricidade, a era do petróleo, passamos de 1,7 bilhão para 6,7 bilhões de habitantes na virada do milênio, agora pouco mais de 7 bilhões de habitantes. Portanto, este preâmbulo é para demonstrar claramente o quanto a apropriação social da energia, sua organização na estrutura produtiva, permitiu incrementar extraordinariamente a produção do trabalho humano.
Eu só citei os números da população, mas a apropriação e a transformação da natureza, também foram destaques. Junto com isto vieram, além das consequências, hoje muito debatidas no campo de equilíbrio ambiental, as questões sociais, a distribuição, a questão da equidade. Se produzimos essa extraordinária capacidade de crescimento de infraestrutura, ao mesmo tempo nunca neste planeta há e houve tanta gente miserável, passando fome. Então, aumentamos extraordinariamente as disparidades. E é nesse contexto, inicial, que nós temos que compreender a transição no Brasil.
Nós éramos um país essencialmente agrícola até os anos 30, quando passamos a nos apropriar diretamente da segunda fase da revolução industrial. A vertente elétrica, eletromagnetismos, geração, transmissão e distribuição. São vários modelos, e, em seguida, a compreensão imediata do quantas vantagens nos trouxe a flexibilidade que o motor a combustão interna, inicialmente feito de biocombustível (óleo de amendoim e etanol), em seguida a partir de 1910, 1920 com a hegemonia e predominância do petróleo, passou a ser com derivados de petróleo. Não por uma determinação pessoal, mas por uma condição tecnológica, natural e econômica. A produtividade do trabalho humano para arrancar petróleo na natureza era muito maior do que a aplicada em outros segmentos.
É nessa estrutura que o Brasil adentrou nos anos 30. Permanecemos nela, inclusive durante a ditadura militar. Neste campo estratégico econômico, há uma certa coerência com o neokeynesianismo. A grande mudança estrutural passou a existir a partir do final dos anos 80, início dos anos 90, Consenso de Washington, reestruturação liberal, resposta à crise capitalista internacional e suas consequências, que aqui (no Brasil) só foi implementada a partir de 95, no governo FHC efetivamente, ainda que Collor tenha tentado.
Daí passamos de uma transição da hegemonia da esfera da produção, da organização social da produção, onde a energia, a vertente de petróleo, a vertente elétrica, cumprem um papel essencial, para a hegemonia da esfera da apropriação financeira dos excedentes.
“Passamos de uma transição, da hegemonia, da esfera da produção, da organização social da produção, onde a energia, a vertente de petróleo, a vertente elétrica, cumprem um papel essencial para a hegemonia da esfera da apropriação financeira dos excedentes”
O sistema capitalista comercial, que encetou o mercantilismo no capitalismo industrial em 1700, a partir dos anos 80 e 90, no mundo inteiro e particularmente no Brasil, passou a ser hegemonizado pela esfera da sucção de excedente econômico pelos mecanismos financeiros. E é isto que marca o grande ataque que está se consumando, hoje e agora, sobre as grandes construções históricas do povo brasileiro, o sistema Eletrobrás, o sistema Petrobrás, ao lado dos outros que não vou mencionar aqui. BNDES, Telebrás e por aí a fora. E tem suas consequências.
Portanto, a gênese e a permanência da crise no setor energético é fruto destas disputas sobre a organização da produção, da estrutura industrial e da apropriação do excedente econômico na produção e nos preços dos combustíveis e da eletricidade. Essa é a essência da mensagem que eu deixo aqui neste debate.
E aqui, só para provocar. Éramos um país essencialmente agrícola, até 1940, movido a lenha. A entrada do petróleo e da eletricidade, nas suas várias vertentes transformou o Brasil. A transformação urbana industrial brasileira está baseada essencialmente na penetração do petróleo e seus derivados, da energia elétrica, essencialmente hidráulica por um longo período, produtos da cana, etc.
Feito este preâmbulo, eu pretendo transmitir a mensagem síntese do problema no setor energético brasileiro, que é composto, essencialmente pelos combustíveis -motor ainda de combustão interna, em transmissão para mobilidade elétrica, movido substancialmente a derivados de petróleo e gás, ainda que os biocombustíveis estejam aí – e a eletricidade.
Todos os recursos estão disponíveis para garantir o abastecimento e alavancar o desenvolvimento econômico-social do país. Todos os necessários: os recursos naturais, a capacidade tecnológica e os recursos humanos. Então, a pergunta é: por que estamos em crise? Por que o problema dos preços? Por que os problemas das tarifas? Por que ameaça, que desde os anos 95, 2001 com o racionamento, a crise de 2015 e a crise do ano passado, nos ronda e há ameaça de racionamento permanente?
A crise está no modelo de organização e gestão desses segmentos e na sua metamorfose, a transição que foi imposta, e que tem fracassado. Ela está vinculada também ao modelo político-social. A estrutura política, que organiza nossa sociedade – que muitas vezes mais desorganiza do que organiza.
Tudo que eu falarei a seguir não está vinculado à falta de capacidade humana, tecnológica, de recursos humanos, de recursos industriais, de recursos naturais para eletricidade, e, mercê do esforço feito de 2003 em diante na Petrobrás, consolidando uma trajetória anterior ao Pré-Sal – que é fruto de uma concertada estruturação estratégica e geopolítica, que foi implementada com base na capacitação construída ao longo das cinco décadas até então da existência da própria Petrobrás. Essa história, algo semelhante se passou com a Eletrobrás, mais conflituosa ainda nos seus primórdios e no seu apogeu.
A Petrobrás e a Eletrobrás foram os baluartes e veículos coordenadores da organização da produção energética, subsidiando ela a produtividade econômica, a urbanização e a industrialização do país. Então, temos no setor elétrico uma ameaça de desabastecimento, explosão de custos e tarifas – custos desnecessários – e o debate sobre a privatização da Eletrobrás. E em combustíveis, sobre os preços e as controvérsias, temos um debate sobre fatos, reações, mitos, conflitos e disputas, que estão na base muito mais do que a essência da estrutura de recursos naturais, tecnológicos, econômicos e capacidade de organizar a produção.
“A Petrobrás e a Eletrobrás foram os baluartes e veículos coordenadores da organização da produção energética, subsidiando ela a produtividade econômica, a urbanização e industrialização do país”
Essas são as mensagens que eu pretendo traduzir. Vou tentar tranquilizá-los com o meu pessimismo otimista. Estamos muito mal, mas temos tudo para mudar, depende de nós. Sobre os escombros do que está sendo hoje entregue à sociedade nestas duas crises, que na verdade é uma crise só, está a esperança de que podemos mudar e vamos mudar, fazendo o diagnóstico do que aconteceu e está acontecendo, e dali construir alternativas. E o Clube de Engenharia certamente tem um papel extraordinário na mobilização da opinião pública, na conquista dos corações e das mentes do Brasil, para difundir propostas, promover o debate, admitindo o contraditório, para construir trajetórias e para mobilizar a população pelos seus próprios interesses.
O modelo de liberalização do Fernando Henrique que levou ao racionamento de 2001/2002, a promessa de reforma de 2003, que foi metamorfoseada nos debate em Brasília entre 2003 e 2004, quando ela foi editada, manteve substancialmente uma grande parte dos problemas da liberalização. Eu radico nisso parte dos problemas que nós vivemos hoje.
De maneira, que nós vivemos num modelo complexo. Havia um modelo alternativo que seria mais coordenado, sem excluir capitais privados, mas abrindo, mantendo a hegemonia pública. Os capitais privados, a produção e o capitais estatais tinham que ser alocados da maneira mais eficiente possível, para minimizar os custos e proporcionar à sociedade a garantia do abastecimento com as trajetórias de menor custo. Tudo isso com a abertura à participação dos recursos emergentes – energia solar, fotovoltaica, eficiência energética etc.. Ao mesmo tempo era necessário garantir a coordenação pública. Mas não foi o que aconteceu. O que foi estruturado foi o “modelo FHC”.
De 2000 e pouco para cá, quando se consolidou a reforma de FHC, iniciada em 95, com prioridade nas termelétricas – que só foram construídas no início dos anos 2009 – tudo se transformou em um enorme ônus para a Petrobrás. Todos sabem do prejuízo de mais de um bilhão e meio de dólares, que teria sido ocasionado, principalmente, por três contratos de termoelétricas, da Macaé Merchant, Eletrobolt e da Termoceará. Fora as outras todas, os contratos de gás que foram feitos. Houve uma tentativa de reestruturação insuficiente. Quando essas térmicas passam a operar, efetivamente, são chamadas a entrar numa transição de modelo que era predominantemente de 85% a 95% da produção nacional de energia anual era eletricidade das hidrelétricas, começam a entrar as térmicas com um modelo de contratação que nos trouxe até aqui.
“Quando essas térmicas passam a operar efetivamente, são chamadas a entrar numa transição de modelo que era predominantemente, de 85% a 95% da produção nacional de energia anual era eletricidade das hidrelétricas, começam a entrar as térmicas com um modelo de contratação que nos trouxe até aqui”
Se nós sabemos hoje que o custo da energia fotovoltaica, da energia eólica e das boas hidráulicas está em torno de R$ 140 o MWh. Nós operamos e geramos energia, de 2012 para cá, nos últimos 10 anos, uma quantidade relativamente pequena, com custos acima de 200 reais o MWh. Só que custou muito gerar 441000 MWh em 10 anos, cerca de 40 TWh, o Brasil consome 600 TWh por ano. Custou R$ 220 bilhões. Mais que o dobro da outra opção (energias renováveis).
Por isto é que eu costumo dizer que nós queimamos nestes últimos 10 anos, fruto dos modelos que levaram a construção desse portfólio, desse conjunto de estoque usinas, acima de R$ 200 bilhões, desnecessariamente, como fruto deste modelo.
O grande choque contraditório é este. Por que que geramos tanta termoeletricidade a custos tão elevados, se há esse potencial hidráulico toda aqui? Temos cerca de 250.000 MWh, dos quais pouco mais de 100 TWh já foram desenvolvidos. Os remanescentes têm dificuldades sociais e ambientais em alguns casos, mas o potencial eólico do Brasil é muito subestimado. No mínimo ele é três vezes maior do que o hidráulico.
E a fotovoltaica, com os parâmetros técnicos da fotovoltaica hoje no Brasil, nós precisaríamos um quadrado de 54×54 Km para gerar 600 TWh. Se colocássemos painéis em cima do Lago de Itaipu, esses painéis produziriam cerca de 46% da energia que é consumida no Brasil. Itaipu em média produz por ano 90 TWh. Itaipu com essa placas produziria 279 TWh, que é 46% do consumo nacional
É claro, ninguém fala que dá para se fazer fotovoltaica. É verdade também que se despreza a capacidade que o sistema hidráulico brasileiro tem, ao contrário de outros países do mundo que estão investindo muito de armazenagem de energia, as nossas hidrelétricas têm um grande patrimônio, um grande valor, exatamente porque elas estocam cerca de 200 TWh, um terço do consumo anual quando cheias. E isto permite exatamente inserir as ditas intermitentes (fotovoltaicas e eólicas). Fora os outros recursos da biomassa, do biogás e outras coisas mais.
Então esse é o potencial energético que eu quero citar. Apesar disso tudo, nós apenas investimos em termelétricas. E o modelo atual, mesmo a privatização que propõem à Eletrobrás, parte do que será arrecadado vai ser queimado com a obrigação dos acionistas investirem em termelétricas a gás onde não há gás nem gasodutos.
Querem continuar esse desastre econômico que foi posto, e é importante citar, que destes 200 e poucos bilhões que virão da tarifa vermelha, bandeira vermelha, parte disto foi obtido com empréstimo que será pago pelas gerações futuras. Porque consumiu-se essa energia nos últimos anos e vai-se pagar nos próximos anos.
O modelo elétrico está completamente errado e está deficiente. Segundo o IBGE, a população brasileira deverá chegar a 230 milhões em 2045 aproximadamente. Atualmente nós produzimos 600 TWh e consumimos 500 TWh, se quisermos chegar ao padrão europeu, precisaríamos chegar a 1.100 TWh, que seria o dobro do atual. Para isso, o potencial das hídricas, que eu citei, dá 1.100 TWh, da eólica, no mínimo 2.300 TWh. A voltaica, não vou dizer que é infinita, mas quase. E o custo delas, como mostrarei, é muito inferior ao das térmicas, que de 1995 para cá, mais precisamente, depois de 2012, quando foram ligadas permanentemente, só fizeram encarecer as tarifas. De maneira que essa é uma tragédia brasileira. Temos recursos e temos um fracasso do modelo adotado.
Por que que nós contratamos tantas termelétricas se há um leilão de contratação que diz como se contrata? Porque, na hora do leilão, comparasse o custo de uma fotovoltaica, do maior de uma hidráulica, que só tem custo de capital, com termelétricas sem o combustível proporcional. Na hora do leilão, estima-se que elas vão operar poucas horas por ano, depois elas operam como em 2010, 11, 12 até 2015, e o ano passado, continuamente. Daí vem aquele custo de mais de 200 bilhões, desnecessários, fruto do modelo que está atrapalhando o desenvolvimento e impondo ônus à sociedade, fora a permanente ameaça, traduzida com ameaça que vem da natureza, mas não vem da natureza. Nós conhecemos como se comporta a hidrologia, a eologia e o sol.
A imprensa diz que a culpa é da natureza, mas a natureza não tem culpa. Ela não se comportou diferentemente do que tinha se comportado antes. Por mais que o ano passado tenha sido tão crítico como os anos de 1954 e 1955. A desgraça está na mudança da hegemonia das hidráulicas, dando lugar à hegemonia da térmicas. Até 2010 a energia hidráulica que poderia ser complementada com a eólica e a fotovoltaica, passou a ser complementada com carvão, com gás natural, com óleo combustível e diesel.
“A imprensa diz que a culpa é da natureza, mas a natureza não tem culpa. Ela não se comportou diferentemente do que tinha se comportado antes. Por mais que o ano passado tenha sido tão critico como os anos de 1954 e 1955”
O mercado livre que foi criado é outra desgraça. Alguns poucos, uns 600 consumidores, consomem um quarto da energia e pagam muito abaixo do custo. Nos leilões compara-se o custo de produção das fotovoltaicas, custam cerca de 20 dólares o MWh, da solar, 35 dólares, da hidráulica, 58 dólares com as térmicas pelo custo de produção mais o combustível. Só que dizem que vão usar por poucos dias as termelétricas. Só que isso não é verdade. E o combustível da maior parte delas, custa acima de 200 reais. Elas nunca deveriam existir. Então esse é o problema. Por isso nós geramos essa conta que eu citei antes. Até novembro do ano passado, R$ 230 bilhões foram gastos para produzir 440 TWh em dez anos, quando nós consumimos cerca de 600 TWh por ano.
Esse discurso da hidrologia, virou um discurso público de culpar a natureza por algo que é culpa dos homens e do modelo. Não é da natureza. Basta organizar um portfólio de usina hidráulicas valorizando o reservatório, valorizando a energia acumulada para permitir, o que contrários da Europa e EUA, inserir as fotovoltaicas e as eólicas de maneira equilibrada sustentável e com custos muito inferiores, com uma cadeia produtiva muito mais vinculada à indústria e à mão de obra brasileira.
Quando alguém prefere gastar 200 bilhões de reais em térmicas que lançam gases de efeito estufa na atmosfera quando temos outras alternativas melhores e mais baratas, algo está profundamente errado. A culpa não é do clima como eles dizem. A ciência desmente isso assim como nós desmentimos em 2001 quando FHC tentou vender essa ideia naquele apagão que houve no final de seu governo. Não foi culpa de São Pedro naquela época e não é agora.
Se nós tivéssemos construído de 2011/12 para cá, cerca de 20.000 MWh de usinas eólicas ou 50.000 MWh de usinas fotovoltaicas, teríamos gasto menos de R$ 100 bilhões e essas usinas operariam por cerca de 20, 30, 40 anos. Esta que é a tragédia. Isto tudo é fruto de um modelo, da ausência de considerar as possibilidades e sucumbir às pressões dos grupos de interesse que querem impedir, com essas térmicas, de se organizar um modelo deste, fator custo e benefício que legitima e legaliza este acinte, esta verdadeira extorsão de dinheiro da população brasileira sem necessidade. Esse dinheiro foi queimado, ele não volta mais. Continua na próxima edição
ANTÔNIO ROSA E SÉRGIO CRUZ