Múmias saídas de sarcófagos resolveram bafejar que o passado imperial, agrário e escravista era o melhor dos mundos. Para esses açoitadores de negros, com sua prepotência, a vida naquela época, realmente, era muito boa.
O defensor desses disparates, é nada menos que o filhote de monarca, Luiz Philippe de Orleans e Bragança, herdeiro do trono, eleito deputado federal por São Paulo. Navegando na marola fascista, ele achou que tem espaço para sair das catacumbas e criticar, na Folha de São Paulo desta terça-feira (16), os ventos do Renascimento e todos os “progressistas” contemporâneos com sua “busca aflita por justiça social”.
Ele não está falando de progressistas de períodos recentes, criticando esse ou aquele avanço obtido no final do século XX ou início deste século. Ele está falando no geral de “mandos e desmandos” das leis. Ele é um advogado da barbárie, da lei das selvas, das trevas. “O aprendizado para todos é que os avanços da sociedade se devem mais em função das ações da própria sociedade, e não pelos mandos e desmandos da legislação”, reclama o monarquista. Ou seja, cada um por si e nada de poder público, nada de civilização e de direitos sociais.
Onde já se viu aprovar uma lei como a Lei Áurea, por exemplo? Onde já se viu leis protegendo direitos sociais? É o fim do mundo!
Para o nobre, os direitos individuais, de preferência os dele, têm que estar acima de qualquer outra coisa. “No Brasil de hoje, vemos como o direito de classes, agindo acima dos direitos individuais, exacerba a insegurança jurídica, não cria estabilidade social e termina por não proteger as minorias que visa favorecer”, reclama. A “segurança jurídica” dele deve estar nos pelourinhos e a estabilidade, nas lápides dos cemitérios. Produziu um livro dizendo que a desgraça do Brasil são os direitos sociais.
Por falar em direito individual, o monarca acha que é um absurdo, por exemplo, definir em lei coisas como o fim da escravidão, décimo terceiro e o valor do salário mínimo. Isso seria um sacrilégio. Um “arbítrio dos progressistas”. Mas, certamente, ele não abre mão da lei que definiu o laudêmio.
Lei para salário não pode, mas o laudêmiozinho todo mês é sagrado. Para os que não sabem, laudêmio é uma mordomia vitalícia recebida pelos parasitas da família real. Essa excrescência sobreviveu à República. Sem fazer nada, sem produzir um parafuso sequer, eles recebem mensalmente só por terem parentesco, mesmo distante, com D. Pedro e a família real.
Esse dinheiro que vai para o bolso dos descendentes da decrépita monarquia, vem de impostos cobrados da população na cidade de Petrópolis, na região serrana do Rio de Janeiro. A Companhia Imobiliária de Petrópolis (CIP), empresa da família real que administra o laudêmio, estima que a média dos recursos recebidos por cada “nobre” seria de cerca de R$ 5 mil. Cinco vezes o salário mínimo! Sem fazer nada!
Até hoje, os “sangue azul”, afastados do poder há 129 anos, vivem de forma cômoda. Recebem o laudêmio – imposto sobre as transações de imóveis na região do centro histórico de Petrópolis. Em Petrópolis, existem cinco terras aforadas (área de concessão de privilégios), e a principal delas pertence à família real. A cada venda de apartamento no centro da cidade, 2,5% do valor são destinados à nobreza.
Se o nobre paulista recebe a sinecura real não sabemos, porque houve um arranca-rabo na família na década de 1940. Eles se estapearam pelo dinheiro e os nobres de Petrópolis ficaram com a receita do laudêmio. Precisávamos ver, na declaração de bens do parlamentar, se ele declarou a mordomia ou não.
Não é à toa que o modelo exemplar do fariseu real é a economia escravista americana. “Leis progressistas da época visavam garantir que a lei fosse igual para todos”, diz ele, sobre o pais onde estudou e se formou. Exatamente lá, onde as leis definiam que negros não podiam frequentar as mesmas lanchonetes que os brancos, ele diz que “são leis iguais para todos”. Essa é a “igualdade” que ele advoga por aqui.
Quem esfolava escravos no Brasil, quem tinha seus negócios protegidos pelo Tesouro, quem não fazia absolutamente nada, só pode achar que este é o período de glória. Esse sim era o país onde reinava a “paz” social, segundo o príncipe.
A pergunta que se faz é: quem contribuiu para a abertura desse esgoto? A resposta é clara. Quando não se avança, retrocede-se. Nada fica parado. Todos os “administradores” de crise. Todos os que, ao assumirem o poder, não avançaram na conquista de uma economia independente e soberana, que não completaram a construção de uma economia industrial pujante e justa. Todos os que se renderam ao neoliberalismo acabaram propiciando a abertura desse esgoto.
E os vermes que estão surgindo à luz do dia, como este, que escreveu na Folha, não distinguem nada. Eles colocam todos no mesmo balaio. É só ver o que o monarca diz a esse respeito. “Desde 1995, com o governo FHC, que ideias progressistas vêm galgando espaço no poder público. Mas foi no período do governo de Lula, a partir de 2003, até Dilma, em 2016, que a visão progressista se estabelece como hegemônica no Estado, meios de comunicação, universidades e escolas”. Mais um pouco, e o Bragança vai chegar no subversivo Marechal Deodoro e no responsável pela consolidação da República, Floriano Peixoto. Sem falar no alferes “terrorista” de Vila Rica.
SÉRGIO CRUZ