
Em um universo de tamanha fertilidade como o do samba é difícil classificar que este ou aquele sambista é o maior, o melhor, o mais isso ou aquilo, mas, com certeza, Monarco, que nos deixou no sábado (11), aos 88 anos, figura no panteão dos maiores que o nosso país já produziu.
Autor de sambas memoráveis como “Homenagem à Velha-Guarda”, “De Paulo a Paulinho”, “O quitandeiro”, “Vai vadiar”, “Coração em desalinho”, “Portela desde criança”, “Tudo menos amor”, “Glórias do Samba”, entre tantos outros, e um dos maiores intérpretes do gênero, Monarco deixa um legado inestimável à cultura brasileira.
Como afirmou Paulinho da Viola logo após a morte do compositor, “Monarco foi uma voz e uma consciência que ajudou a escrever a história da Portela e do samba por mais de 60 anos. Um grande artista e uma grande figura, com o coração do tamanho de um talento de valor imensurável. Perdemos hoje um grande baluarte”.

Presidente de honra da Portela, líder da Velha Guarda da escola, discípulo de Paulo da Portela, sua obra, intimamente ligada a uma das mais tradicionais Escolas de Samba do Brasil, assim como a própria Portela, extrapola o azul e branco e deixa sua marca definitiva e indelével nessa que é uma das maiores expressões da nossa cultura.
Para o compositor Moacyr Luz, “a morte do Monarco é uma ruptura importantíssima na história do samba. Ele era atuante até hoje, cantava uma hora e meia de um repertório não só dele, como de outros parceiros. Líder da Velha Guarda da Portela. Com ele, esse elo de passado de glória e glória futura da Portela se perde muito. Ele costurou essa coisa que vinha do passado, da fundação da escola, até o dia de hoje. É uma falta que você vai fazer, mestre Monarco”.
É difícil escrever sobre a perda de Monarco sem lembrar de uma entrevista que fiz com ele há cerca de 30 anos, em um bar na entrada do Jacarezinho, comunidade na Zona Norte do Rio de Janeiro, entrevista que foi publicada em uma página inteira da HORA DO POVO.
Em meio às histórias de sua vida, de quando chegou à Portela e aos 17 anos já fazia parte da Ala de Compositores da Escola, das perseguições da polícia aos sambistas, da convivência com Manaceia, Paulo da Portela, Casquinha, e depois com Paulinho da Viola e Zeca Pagodinho – quem mais gravou suas composições -, e tantos outros bambas. Do pai marceneiro, que também era poeta, de quem acreditava ter herdado o talento de compositor, dos primeiros sucessos que estouravam na quadra da Escola e depois ganhavam todos os terreiros de samba Brasil afora, das primeiras gravações, enfim, todo um universo desvendado…
Mas lembro que na ocasião e até hoje, o que mais me impressionou em mais de duas horas de conversa foi o relato vivo de como surgiu “O Quitandeiro”, feito em parceria com Paulo da Portela.
Que bonito ouvir a história real das festas e encontros musicais que aconteciam na casa do Chocolate, da macarronada, “a bóia enfezada”, a receita de “cheiro, tomate e cebola”, a “nega Estela”, os “30 litros de Uca”, que virou um dos sambas mais emblemáticos de todo bom pagode que se preze, e que é tão significativo e revelador da vida, dos costumes e da cultura do nosso povo.
A impressão que ficou para mim daquela tarde, em que Monarco, em sua eterna elegância e simplicidade discorreu sobre sua vida, sua carreira e sua obra, foi mesmo a de estar diante de uma majestade do samba, que segue agora, com seu terno azul e branco, para se juntar ao verde e rosa de Sargento, e fazer festa lá no céu.
ANA LUCIA
Ouça aqui parte do legado de Monarco ao samba e à cultura brasileira: