A decisão pode abrir precedentes para os mais de 11 mil processos contra a Monsanto/Bayer por essa razão
Na segunda sentença contra a Monsanto/Bayer e o pesticida Roundup em menos de um ano, um júri federal em San Francisco, EUA, considerou o produto, cujo princípio ativo é o glifosato, “fator substancial” no câncer de Edwin Hardeman, de 70 anos, que sofre de linfoma não-Hodgkin. O julgamento está prosseguindo em uma segunda fase para deliberar sobre a responsabilidade da Monsanto/Bayer.
A decisão pode abrir precedentes para mais milhares de processos nos EUA de pessoas que sofrem de câncer após manusearem durante anos o Roundup. Já há mais de 11 mil processos contra a Monsanto/Bayer por essa razão. A Bayer, gigante alemã da indústria farmacêutica e química adquiriu a Monsanto em julho de 2018 por US$ 66 bilhões e, junto, a péssima reputação e os milhares de processos.
“O veredicto de hoje reforça o que outro júri descobriu no ano passado e o que cientistas do estado da Califórnia e da Organização Mundial da Saúde concluíram: o glifosato causa câncer nas pessoas”, disse o presidente do Grupo de Trabalho Ambiental Ken Cook em um comunicado. Ele acrescentou que quanto mais processos surjam, maiores serão as evidências “de que o Roundup não é seguro e a empresa tentou encobrir”.
Hardeman foi diagnosticado com linfoma não-Hodgkin (NHL) em 2015, depois de usar o Roundup para matar carvalho venenoso e ervas daninhas em sua propriedade por mais de 20 anos. Em 2016, ele processou a Monsanto, adquirida pela Bayer em 2018.
No ano passado, outro júri em San Francisco havia condenado a corporação a pagar a indenização de US$ 268 milhões ao jardineiro municipal Dwayne Johnson, 46, que sofre também de linfoma não-Hodgkin incurável e com diagnóstico de pouco tempo de vida.
A sentença concluiu que a Monsanto havia agido com “malícia” e que o herbicida era responsável pelo câncer incurável de Johnson. Posteriormente, um juiz reduziu a indenização para US$ 78 milhões. A conclusão da OMS de que o glifosato “provavelmente é carcinogênico” data de 2015.
“É uma grande vitória para todos os requerentes de NHL induzidos pelo Roundup e uma perda devastadora para a Bayer/Monsanto”, afirmou o advogado do jardineiro Johnson, Michael Baum.
Os advogados de Hardeman, em comunicado conjunto, disseram que ele está satisfeito com que o júri tenha “unanimemente” afirmado que o Roundup “causou o linfoma não-Hodgkin”. “Agora podemos nos concentrar na evidência de que a Monsanto não adotou uma abordagem objetiva e responsável para a segurança do Roundup”, assinaram Aimee Wagstaff e Jennifer Moore.
“Em vez disso, fica claro pelas ações da Monsanto que não se importa particularmente se o produto está de fato dando câncer às pessoas, concentrando-se em manipular a opinião pública e solapando quem levanta preocupações genuínas e legítimas sobre o assunto”, acrescentaram. “Estamos ansiosos para apresentar essa evidência ao júri e responsabilizar a Monsanto por sua má conduta”.
O Roundup/Glifosato é o herbicida mais usado no mundo, graças à manipulação genética de sementes (Roundup Ready) para tolerar altas doses do produto. Em decorrência da campanha da Monsanto para uso do Roundup como agente dessecante para secar cultivos e fazer a colheita mais rapidamente, o uso também se estendeu aos cultivos convencionais. A Bayer/Monsanto controla 25% do mercado mundial de pesticidas e 30% das vendas de sementes agrícolas. Nas transgênicas, é quase um monopólio.
Apesar de o marketing da Monsanto asseverar que os cultivos geneticamente modificados iriam reduzir o uso de pesticidas e herbicidas, só nos EUA, entre 1996 e 2011, seu uso aumentou em 243 mil toneladas.
A Monsanto, hoje Bayer, também é acusada de falsificar dados sobre a segurança do Roundup, a ponto de ser usado em parques infantis, pátios de escola, parques municipais e gramados privados. Marketing que foi sentenciado por um tribunal francês como publicidade enganosa.
Além de provocar câncer, o sistema pesticida/sementes geneticamente modificadas da Monsanto é acusado de levar ao desenvolvimento de plantas resistentes ao glifosato e extermínio da biodiversidade, em paralelo à dependência e endividamento de pequenos agricultores.
O dirigente da Coligação Contra os Perigos da Bayer (CBG), Toni Michelmann, denunciou que com a fusão Bayer/Monsanto “a concentração no mercado do agronegócio atinge um novo pico e os elementos chave da cadeia alimentar estão agora nas mãos de um só grupo”.
Michelman previu que a repulsa à Monsanto irá se deslocar para a Bayer: “contra uma política comercial que finge lutar contra a fome, mas aposta sobretudo nas monoculturas de soja e de milho para alimentar a pecuária industrial e que, com os seus pesticidas, coloca em perigo polinizadores como as abelhas, tão importantes para as culturas aráveis. Uma política que leva mais e mais venenos para o campo”.
Repulsa que não é ignorada pela Bayer, que suprimiu a marca maldita – afinal, como fica seu mundialmente conhecido slogan “se é Bayer, é bom”, acoplado ao odiado Monsanto?
Nome que se tornou símbolo do envenenamento ambiental, com até um Dia Mundial de Luta contra a Monsanto, o 23 de maio, e um tribunal internacional de ativistas em 2016 em que a multinacional foi julgada por crimes contra a humanidade.
“A decisão da Bayer de comprar a Monsanto, uma empresa com uma longa história de prevaricação ambiental, pode ficar como uma das piores decisões de negócios já feitas”, afirmou o ambientalista Cook. O dia do julgamento da Bayer e seu herbicida causador de câncer “está se aproximando”, acrescentou. Após a decisão do júri no caso Hardeman, as ações da Bayer caíram 9,6% na Bolsa de Frankfurt.
A.P.