(HP 12/08/2003)
O presidente da filial da General Motors, Walter Wieland, pregou, como publicamos em nossa edição anterior, o fim dos chamados carros populares, aqueles de 1.000 (1.0) cilindradas. Hoje, a alíquota do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) sobre a fabricação desses carros é de 9%, enquanto a dos veículos acima disso (até 3.000 cc) é de 15%, e, mais além, 25%. Wieland quer abolir qualquer diferença, ou seja, qualquer incentivo à fabricação de carros mais populares, e ainda reduzir o IPI geral, ou seja, diminuí-lo para os carros de luxo – setor, precisamente, em que a GM é a maior vendedora no país.
MONOPÓLIO
Disse Wieland que “é muito fácil falar para fazermos carros populares ou o carro do trabalhador. Já temos o carro popular, depois vão querer o semi-popular, o totalmente popular e amanhã vamos acabar fazendo um carro sem motor para os sem-terra”.
Que os empregados das empresas americanas, como a GM, achem que o povo só merece andar em lombo de mula, não é propriamente uma surpresa. O que demanda mais atenção é que 50% das vendas das montadoras são de carros 1.0 – e, nada menos do que 55% da produção da GM é, também, de carros desta categoria, e um terço do seu faturamento vem da venda desses carros. Portanto, será que o sujeito ficou maluco?
Mais ou menos. É claro que seria muito mais racional seguir os conselhos do ministro do Trabalho, Jaques Wagner, que sugeriu às montadoras que a melhor forma delas evitarem demissões era, ao invés de pedirem que o governo reduza o imposto que pagam, abaixar os preços dos veículos, passarem a fabricar carros mais acessíveis à população e, assim, aumentar suas vendas e, conseqüentemente, seus lucros. Daí, a idéia do carro do trabalhador.
Como o leitor pode perceber, uma proposta bastante razoável. Todo mundo sabe perfeitamente que os preços dos carros no Brasil são extorsivos. O mais barato dos supostamente populares está no momento em R$ 14,7 mil, e o correspondente da GM é mais caro ainda: R$ 16,7 mil.
Mas não é assim que Wieland e a GM querem que suas vendas saiam do buraco (em julho, houve uma queda de 31% nas vendas da indústria automobilística americana dentro dos EUA, em relação ao mês anterior – coisa análoga aconteceu com a GM no resto do mundo. Somente em uma região ela colheu diminuição das perdas: a América Latina, cuja principal filial é, naturalmente, a do Brasil). Apesar do ministro Wagner ter feito uma sugestão sensata, monopólios, infelizmente – inclusive para eles mesmos – não são sensatos. Não são feitos para lucrar com concorrência, diminuindo preços para aumentar os compradores. Monopólios exploram preços de monopólio, ou seja, impõem sobrepreços para extrair superlucros.
O interesse da GM, segundo Wieland, é produzir “carros mais potentes” – isto é, mais caros – porque “‘os consumidores dos outros países não gostam de veículos com motor 1.0”. Tratar-se-ia de uma idiossincrasia brasileira, ou, melhor, de uma anomalia.
Isso, como ressaltou um especialista no assunto, Mauro Zilbovicius, professor de engenharia de produção da Politécnica da USP, não é verdade. Simplesmente, as montadoras é que preferem exportar carros mais caros. Preferem – principalmente a GM – vender carros mais caros, ainda que para menos gente.
EXTORSÃO
O professor poderia ter acrescentado, por exemplo, que carros 1.0 fabricados pela Fiat circulam pelas ruas e estradas da Espanha, Polônia, Hungria, República Checa, Índia, e outros países, para não falar, naturalmente, da Itália, e, até mesmo, da França, onde é vendido o Fiat Panda 1.0. Neste último país, a Renault fabrica carros 1.2, o que revela que os brasileiros não são os únicos a preferir carros supostamente ditos de “pouca potência”, até porque ninguém precisa de um fórmula 1, desses que o feliz proprietário precisa comprar um posto de gasolina junto com o carro, para ir ao trabalho ou passear com a família.
Quem não vende carros 1.0 – ou assemelhados – nesses países, ou nos EUA, é a GM, o que nada tem a ver com a preferência dos cidadãos dessas nacionalidades. Tanto assim que um dos maiores sucessos nos EUA, numa época em que a GM, a Ford e a Chrysler só produziam carrões, foi o francês Renault Gordini, carro muito conhecido dos brasileiros – ele e o Dauphine, ambos de 845 cilindradas, eram fabricados no Brasil pela Willys. O Gordini era um excelente carro, que batia invariavelmente o fusca (1.200/1.300 cilindradas) nas corridas da época. E só tinha, frisamos, 845 cc.
ESPECULAÇÃO
Mas a GM quer aumentar os seus lucros não pelo aumento de compradores dos seus carros, e sim às custa do Tesouro, às custas de eliminar qualquer possibilidade de alguém que não seja rico ter um carro, às custas de extorquir os compradores.
Obviamente, e como dissemos na edição anterior, isso está diretamente ligado ao modo como a GM – e outras empresas semelhantes, sobretudo americanas – obtêm a maior parte dos seus lucros: especulando, auferindo juros em cima de papéis públicos, em suma, não pela atividade produtiva, não fabricando e vendendo carros, mas pela agiotagem deslavada. Caso contrário, o insopitável Wieland pensaria melhor antes de querer acabar com a metade do mercado de automóveis do país. Aliás, se seu principal negócio fosse a produção, a GM iria mesmo querer alargar esse mercado, e não restringi-lo. No entanto, Wieland quer vender sobretudo e antes de tudo para os beneficiários da política de juros estúpidos, pois são esses, principalmente, os que têm dinheiro para comprar, a cada ano, um, dois, três, ou sabe-se lá quantos, dos seus carros. Não tem nenhuma importância que ele, de vez em quando – e de forma muito tênue – fale em baixar os juros. Afinal, se os juros estiverem de acordo com o bem-estar da maioria, isto é, se acabar esse cassino especulativo com seus crupiês e comensais, para quem a GM vai vender seus carros de luxo?
CARLOS LOPES