
Na última terça-feira (22), o governo de Tarcísio de Freitas (Republicanos) em São Paulo iniciou o processo de remoção das famílias da Favela do Moinho, a última existente na região central da capital paulista. O território é ocupado há quase 30 anos pelos moradores, que há décadas lutam pela regularização.
De madrugada, o helicóptero da Polícia Militar (PM) despertou os moradores da Favela do Moinho que ainda não estavam concentrados para mais uma manifestação.
Das 1050 famílias que, no cálculo da associação de moradores, vivem na comunidade, quatro saíram voluntariamente durante a manhã, com caminhão de mudança organizado pela Companhia de Desenvolvimento Habitacional Urbano (CDHU), do governo estadual.
PROTESTOS
Em protesto, residentes se postaram na entrada da comunidade para impedir um possível despejo forçado e denunciar estarem sendo coagidos, pela PM ou pela falta de alternativa, a aceitar a proposta de remoção do governo paulista.
Desde sexta-feira (18) viaturas da PM cercam o Moinho e dificultam a entrada de carros e bicicletas. “Favela do Moinho resiste contra o despejo da última favela do centro de SP”, lia-se em faixa esticada ao lado de um boneco em estilo Judas com o rosto do governador Tarcísio.
Atravessada pela linha do trem entre os bairros Campos Elíseos e Bom Retiro, região cobiçada pela especulação imobiliária, a Favela do Moinho existe há cerca de 30 anos e já sofreu diversas investidas para sua retirada. Passou por incêndios, ameaças e violentas operações policiais.
Agora, lideranças comunitárias afirmam que, com medo de ir para a rua sem nada, boa parte da população se vê obrigada a aceitar proposta do governo Tarcísio de transferência para residências subsidiadas pela CDHU. “O que está acontecendo aqui é uma operação de opressão”, descreve Cíntia Bonfim, padeira e moradora da comunidade.
Ao aceitar o acordo a pessoa terá de pagar, ao longo de 30 anos, 20% do seu salário. Apenas 100 unidades habitacionais, no entanto, estão prontas. As outras têm previsão de ter as obras concluídas em dois anos e não estão necessariamente na região central. Para as famílias que terão de esperar, a alternativa é uma bolsa aluguel de R$ 800.
Em nota, o governo de São Paulo informa que “a adesão voluntária da comunidade já passa de 87% do total de famílias: são 719 que iniciaram o processo de adesão, de um total de 821”.
DESCASO
A dona de casa Bárbara Monique dos Santos, de 28 anos, foi uma das primeiras a deixar a favela do Moinho, quando tiveram início as saídas dos moradores em meio ao plano de remoção da comunidade conduzido por Tarcísio de Freitas (Republicanos).
Ela vive com o marido e duas filhas pequenas, uma delas, de seis anos, passou por uma traqueostomia e tem um canal no pescoço para conseguir respirar. Em uma operação da Polícia Militar na última sexta, a menina teve crises severas devido ao gás de pimenta usado pelos agentes.
Bárbara diz que decidiu deixar o local pela repressão constante que os moradores sofrem da PM e pelo medo de não ter reparação alguma. Ela vai se mudar provisoriamente para uma casa de amigos também na região central, ainda perto de um hospital onde a filha passa por tratamento médico.
A mudança definitiva está prevista para o fim de 2026, quando a CDHU prevê entregar um imóvel financiado à família no bairro Cachoeirinha, na zona norte. Até lá, eles terão um auxílio-moradia de R$ 800.
“[A CDHU] chamou a gente em uma quarta-feira. O técnico falou que a gente teria até a sexta da mesma semana para escolher, senão a gente ficaria sem nada”, diz. O cunhado dela, José Carlos da Silva, 34, também afirma que aceitou sair pelo medo da violência policial. “Nós pegamos a carta de crédito por conta das polícias, porque tem polícia direto aqui oprimindo a gente. Jogam gás, e as pessoas não conseguem nem ficar dentro de casa. Para eles, tudo é tráfico, para terem mídia em cima de nós.”
Da mesma forma, aos 74 anos, Josefa Flor é uma das que se despediu, da casa onde viveu por 25 anos. Construiu o barraco no Moinho aos poucos, graças ao seu trabalho “puxando carroça”. Agora vai com os dois netos para Itaquera, bairro na zona leste onde vai pisar pela primeira vez. Encontrou uma casa para alugar por R$ 1.000 por mês. Da aposentadoria de R$ 1.518 que recebe, terá de tirar R$ 200 para completar o valor insuficiente da bolsa aluguel, além dos 20% da parcela do imóvel subsidiado. Sobrarão R$ 1015 para as contas e outros gastos de sobrevivência. “Se a nova moradia fosse de graça, investiria esse dinheiro para eu e meus netos comer”, disse.
Os moradores do Moinho relatam que houve intensificação das operações policiais após o projeto de remoção se concretizar. Contudo, a violência policial contra quem mora ali não é novidade. A principal justificativa dada para a entrada dos agentes armados é o combate ao Primeiro Comando da Capital (PCC), facção à qual supostamente a favela estaria submetida e que faria dela base para o tráfico de drogas na região chamada de Cracolândia, cena aberta de uso de drogas.
ESPAÇO
O governo Tarcísio planeja transformar a comunidade em um parque, além de criar “um polo de desenvolvimento urbano potencializado para a implantação da Estação Bom Retiro”. A área, porém, pertence à União. Para conseguir viabilizar o projeto, é preciso que o governo federal aceite ceder o terreno ao Estado, em processo pleiteado pela Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação (SDUH).
Em nota, o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI), por meio da Secretaria de Patrimônio da União (SPU), disse que está em diálogo permanente com o governo de São Paulo para encontrar uma solução para as mais de 800 famílias que moram na Favela do Moinho. A pasta afirma que as informações disponibilizadas pela gestão Tarcísio não estão claras.
“O governo federal apoia as ações de mudança das famílias que já possuem um novo endereço, como as que estavam programadas para esta terça, desde que essa seja a efetiva vontade das famílias e feitas sem intervenção de força policial”, afirma a secretaria.
“A SPU também aguarda a entrega do detalhamento do projeto a ser implantado na área pelo Governo de SP, a fim de que seja definido o instrumento de destinação a ser utilizado”, diz o órgão federal.
“Somente após esse acordo será possível avançar nos trâmites administrativos para a formalização do contrato de cessão”, conclui.