
Decisão do ministro do Supremo segue manifestação da Procuradoria, que entendeu não haver provas além da delação de Mauro Cid
O ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), determinou arquivamento da investigação contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) por suposta fraude na inserção de dados falsos de vacinação contra a covid-19 no sistema de saúde.
A decisão, publicada nesta sexta-feira (29), atende a pedido da PGR (Procuradoria-Geral da República).
O procurador-geral Paulo Gonet avaliou que não há provas suficientes para sustentar denúncia formal contra o ex-presidente, vez que os elementos se baseiam, segundo o PGR, exclusivamente na delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro.
DECLARAÇÕES SÓ DO COLABORAR
“A legislação proíbe o recebimento de denúncia que se fundamente somente nas declarações do colaborador”, escreveu Moraes, ao concordar com o parecer da PGR.
A decisão também beneficia o deputado federal Gutemberg Reis (MDB-RJ), que era alvo da mesma apuração. Já os demais investigados que não têm foro privilegiado terão seus processos enviados à primeira instância da Justiça.
INDICIAMENTO DE BOLSONARO
Em março de 2023, a PF (Polícia Federal) indiciou Bolsonaro, Cid e Gutemberg pelos crimes de associação criminosa e inserção de dados falsos em sistema público de informação.
Segundo os investigadores, dados ideologicamente falsos sobre a imunização do ex-presidente e da filha dele foram inseridos no sistema oficial do Ministério da Saúde.
De acordo com Gonet, a versão apresentada por Cid na colaboração não foi corroborada por outras testemunhas ou provas materiais, o que inviabilizaria a apresentação da denúncia.
O procurador-geral fez questão de diferenciar o caso da vacinação da investigação sobre a tentativa de golpe de Estado, na qual a delação de Cid foi confirmada por provas independentes obtidas pela PF.
No julgamento desta semana, essa foi uma das linhas de defesa dos acusados, mas foi rejeitada pelos ministros da Primeira Turma do STF.
“A situação destes autos difere substancialmente da estampada na PET 12100 (tentativa de golpe), em que provas convincentes autônomas foram produzidas pela Polícia Federal”, justificou Gonet.
CASO DAS JOIAS AINDA PENDENTE
Após se manifestar sobre os 2 inquéritos — vacinas e golpe —, o Ministério Público ainda precisa se pronunciar sobre as conclusões da investigação que apura o desvio de joias do acervo presidencial, também envolvendo Bolsonaro.
Nos 3 casos, o ex-presidente foi indiciado pela PF.
No inquérito, a PF enquadrou o ex-presidente em 3 crimes no relatório final sobre a venda ilegal de presentes luxuosos recebidos pelo governo brasileiro: associação criminosa, lavagem de dinheiro e peculato.
No documento, enviado a Alexandre de Moraes, os investigadores detalham a cronologia do esquema: o recebimento dos bens por Bolsonaro, o deslocamento e a venda nos Estados Unidos, e a operação deflagrada para recuperar os objetos após o caso entrar na mira da Justiça.
PECULATO
O primeiro delito atribuído pelos investigadores a Bolsonaro é o de peculato — quando agente público se apropria indevidamente de bens públicos. O relatório da PF cita ao menos 2 kits de joias que teriam sido “subtraídos diretamente” pelo ex-capitão com objetivo de vendê-los no exterior.
Um desses conjuntos tinha abotoaduras, anel, rosário islâmico e relógio Rolex de ouro branco. Esse foi entregue ao então presidente durante viagem à Arábia Saudita, em outubro de 2019. O outro kit — composto por relógio Patek Phillipe Calatrava — foi recebido do governo do Bahrein em novembro de 2021.
Também há menção à tentativa de Bolsonaro e dos auxiliares de reaver objetos recebidos em 2021 de autoridades sauditas — colar, par de brinco, anel, relógio da marca Chopard e escultura de cavalo dourado. Estes foram confiscados pela Receita Federal no Aeroporto de Guarulhos (SP).
ATUAÇÃO DA RECEITA
“O crime não se consumou pela atuação profissional e técnica dos servidores da Receita que não aceitaram as pressões e evidenciaram o desvio de finalidade nos atos praticados pelos investigados”, está escrito no relatório.
A apropriação dos itens, sustentou a PF, ocorria com ajuda do Gabinete Adjunto de Documentação Histórica, subordinado à Presidência. O capitão da Marinha Marcelo da Silva Vieira, responsável pelo órgão, teria o objetivo de “legalizar e consumar o desvio das joias”, adotando “interpretação contrária aos princípios da administração pública” sobre presentes oficiais.
Os objetos foram enviados aos EUA por meio de aviões da FAB (Força Aérea Brasileira). Para negociar os bens no exterior, Bolsonaro contou com a ajuda de militares que trabalhavam no Palácio do Planalto, a exemplo do tenente-coronel Mauro Cid e do segundo-tenente do Exército Osmar Crivellati.
ATUAÇÃO DO PAI DE CID
Quem também recebeu a missão de articular a venda dos itens, segundo as investigações, foi o general Mauro Cesar Lourena, pai de Cid. O dinheiro oriundo das negociações era repassado em espécie a Bolsonaro, conforme a PF, e também teria custeado a estadia dele em solo estadunidense, entre dezembro de 2022 e março de 2023.
“Os valores obtidos dessas vendas eram convertidos em dinheiro em espécie e ingressavam no patrimônio pessoal do ex-presidente da República, por meio de pessoas interpostas e sem utilizar o sistema bancário formal, com o objetivo de ocultar a origem, origem, localização e propriedade dos valores”, constam do relatório da PF.
Os gastos de Bolsonaro durante a permanência nos EUA constam do material apreendido pela PF em posse do ex-ajudante de ordens Marcelo Câmara. Antes de deixar o Brasil, na antevéspera da posse de Lula (PT), o ex-capitão transferiu R$ 800 mil da conta no Banco do Brasil para conta no BB Américas.
LAVAGEM DE DINHEIRO
Ao deixar os EUA, Bolsonaro possuía o mesmo valor em conta, indicativo de que teria utilizado apenas dinheiro em espécie para bancar a estadia no exterior. Esse método, concluiu a PF, é “uma das formas mais usuais para reintegrar o ‘dinheiro sujo’ à economia formal, com aparência lícita”. Estaria, portanto, configurado o crime de lavagem de dinheiro, previsto na Lei 9.613/68.
As joias, que foram investigadas pela PF, somam cerca de R$ 6,8 milhões, de acordo com a PF.
Sabe-se que pelo menos 68 mil dólares — cerca de R$ 372 mil em valores atualizados —, em espécie chegaram a Bolsonaro por intermédio do general Lourena Cid, segundo o general relatou em depoimento à PF.
Os repasses ocorreram “de forma fracionada”, de acordo com o militar. Uma parte do valor foi entregue “quando de sua ida à cidade de Nova lorque para um evento da ONU”, em setembro de 2022. A outra, disse o general aos investigadores, quando Bolsonaro esteve na residência dele, em Miami.
ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA
Ao atribuir o crime de associação criminosa a Bolsonaro, a PF argumentou que o ex-presidente tinha “plena ciência” do esquema de venda de joias e presentes, ao menos desde 2019.
Ele teria agido não apenas na coordenação do envio dos itens para o exterior e na tentativa de reaver os objetivos apreendidos pelo Fisco, mas para desviar o foco da investigação e ocultar o dinheiro ilícito.
“Conclui-se que os investigados se associaram para consecução de um fim comum, qual seja, a prática dos crimes de peculato e lavagem de capitais, objetivando o desvio de bens de alto valor patrimonial recebidos em razão do cargo pelo ex-presidente da República e/ou por comitivas do governo brasileiro, que estavam atuando em seu nome, em viagens internacionais, entregues por autoridades estrangeiras, para posteriormente serem vendidos no exterior.”