Aras ficou cinco meses com relatório da PF que identificou articulações entre grupos de seguidores de Bolsonaro que pretendiam atacar a democracia
O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu, na última sexta-feira (4), retirar o sigilo do inquérito dos atos antidemocráticos organizados por grupos fascistas, que corria até então em segredo de Justiça. Moraes manteve o sigilo dos anexos. A investigação foi aberta em 2020, a pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR). Moraes é o relator.
A PF investiga a organização e o financiamento de manifestações que, no ano passado, defendiam que fosse dado um golpe de Estado contra a democracia com o fechamento do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal (STF). As milícias de Bosloanro pediam a prisão de ministros do STF e de parlamentares, além da adoção de um novo AI-5, o ato mais violento e repressor da ditadura.
Na sexta-feira (4), a PGR pediu ao STF o arquivamento do inquérito. A manifestação da PGR ocorreu 5 meses depois que o órgão recebeu da Polícia Federal um relatório apontando a necessidade de se aprofundarem as investigações. A PGR não fez as diligência sugeridas pela PF. O ministro relator solicitou na segunda-feira (7) e aguarda as explicações ds PGR. Moraes não viu mais necessidade de manutenção do sigilo do inquérito.
“No caso dos autos, embora a necessidade de cumprimento das numerosas diligências determinadas exigisse, a princípio, a imposição de sigilo à totalidade dos autos, é certo que, diante do relatório parcial apresentado pela autoridade policial – e com vista à Procuradoria-Geral da República, desde 4/01/2021 – não há necessidade de manutenção da total restrição de publicidade”, escreveu o ministro.
O relatório parcial entregue à PGR em janeiro que ficou 5 meses sem resposta, aponta que há “justa causa” para aprofundamento das investigações, mesmo diante de “lacunas” na apuração. O documento é assinado pela delegada da PF Denisse Ribeiro. Algumas dessas lacunas, segundo ela, ocorreram porque a PF não conseguiu obter provas junto à CPI das Fake News.
As sugestões da PF para aprofundar as investigações:
a) apurar uma suposta articulação para evitar que um sócio do blogueiro bolsonarista Allan dos Santos fosse chamado para depor à CPI das Fake News;
b) conferir se houve direcionamento de verbas do governo federal para sites e canais bolsonaristas;
c) investigar repasses a uma empresa de tecnologista ligada à publicidade do Aliança pelo Brasil (partido que Jair Bolsonaro tentou fundar) e que também prestou serviço para parlamentares governistas;
d) apurar valores repassados por servidores públicos ao blogueiro Allan dos Santos, incluindo uma funcionária do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES);
e) investigar a existência de um braço estrangeiro de financiamento dos atos antidemocráticos, contando com um acordo de cooperação internacional com o Canadá;
f) aprofundar investigações sobre uma possível “rachadinha” em gabinetes de deputados governistas na Câmara dos Deputados, com o redirecionamento das verbas para o financiamento dos atos antidemocráticos.
Os documentos analisados pela Polícia Federal envolvem parlamentares do PSL, grupos fascistas e empresários que apoiam Jair Bolsonaro.
Em duas mensagens reunidas pela PF, Evandro de Araújo Paula, assessor da atual presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, deputada Bia Kicis, do PSL, fala com Sara Giromini, presa em 2020 por participar de atos antidemocráticos e que está em prisão domiciliar:
“Sara, o pessoal de BH queria pegar o treinamento, mas não vão conseguir chegar dia 29. Dias 30 e 1º maio são as datas”.
O assessor se referia ao acampamento que ficou por mais de um mês montado entre abril e maio do ano perto da Praça dos Três Poderes. Um mês depois da mensagem, o grupo fez um protesto de noite contra o Supremo Tribunal Federal carregando tochas e vestindo roupas e máscaras que faziam referência aos movimentos nazista e racista americano Ku Klux Klan.
Segundo a Polícia Federal, as investigações sugerem que o assessor de Bia Kicis é um dos organizadores do acampamento.
A PF também destaca no relatório uma mensagem enviada pelo blogueiro Allan dos Santos ao tenente-coronel Mauro Cid, chefe da Ajudância de Ordens do presidente Jair Bolsonaro.
As mensagens contradizem depoimento prestado pelo blogueiro à Polícia Federal.
N depoimento, Allan dos Santos afirmou ser “crítico” à intervenção militar, mas, na conversa obtida pelos investigadores, ele disse que as Forças Armadas precisariam agir urgentemente:
“Só o povo unido às Forças Armadas pode varrer os inúmeros criminosos que hoje mandam no país. Barroso e Alexandre vão dar um golpe no presidente e acabar com esse país. Sem braço armado, Cid, como defenderei meus filhos?”
Em outra mensagem, o blogueiro diz: “As Forças Armadas precisam entrar urgentemente”.
Um levantamento da Polícia Federal também mostra como o apoio e a divulgação de atos antidemocráticos renderam dinheiro às milícias digitais de Bolsonaro.
Uma conta na internet de apoiadores investigados recebeu quase US$ 500 mil em menos de dois anos por meio da chamada monetização. O pagamento feito por acessos e patrocínios à página.
Os investigadores também encontraram documentos sobre a campanha eleitoral de Bolsonaro em 2018.
O relatório da PF aponta que o empresário bolsonarista Otávio Fakhoury bancou quase R$ 50 mil em material para a campanha. Os gastos não constam na declaração à Justiça Eleitoral. Os investigadores apreenderam com o empresário notas fiscais de duas gráficas que imprimiram milhares de adesivos e panfletos.
A PF localizou ainda uma mensagem do empresário, oferecendo apoio a atos antidemocráticos. No dia 21 de fevereiro do ano passado, Otávio Fakhoury diz:
“Eu vou, vou ajudar a pagar o máximo de caminhões que puder, convocarei todos que eu conhecer! Não vou deixar esses canalhas derrubarem esse governo”.https://tpc.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html
A investigação foi aberta em abril de 2020, depois de ataques ao Supremo, ao Congresso e a favor da reedição do AI-5, o ato mais duro da ditadura militar.
Em um dos protestos, o presidente Bolsonaro discursou em frente ao quartel-general do Exército, em Brasília, mas ele não foi investigado.
A Polícia Federal (PF) verificou também que a conta de Instagram “Bolsonaro News” foi acessada pela rede de wifi do Palácio do Planalto e da casa do presidente Jair Bolsonaro no Rio de Janeiro. O perfil faz parte da rede de contas falsas derrubadas pelo Facebook em junho de 2020. Segundo a PF, os acessos na casa do presidente da República ocorreram em 5 e 6 novembro de 2018. No Palácio do Planalto, o perfil “Bolsonaro News” foi acessado mais de 100 vezes entre novembro de 2018 e maio de 2019.
Antes de decidir sobre o arquivamento ou não do inquérito, Moraes quer saber da PGR as seguintes informações, “de maneira direta e específica”:
1) Quais medidas restritivas de direito impostas aos investigados durante a apuração deveriam ser encerradas, já que a PGR sugere a manutenção de investigações em instâncias inferiores, como nas Justiças Federal e Estadual;
2) Como há dados sigilosos, qual documentação deve seguir para as instâncias inferiores, caso se decida pela continuidade de investigações.
Os parlamentares investigados no inquérito são:
Alê Silva, deputada (PSL-MG)
Aline Sleutjes, deputada (PSL-PR)
Bia Kicis, deputada (PSL-DF)
Carla Zambelli, deputada (PSL-SP)
Caroline de Toni, deputada (PSL-SC)
General Girão, deputado (PSL-RN)
Guga Peixoto, deputado (PSL-SP)
Junio Amaral, deputado (PSL-MG
Os deputados Daniel Silveira (PSL-RJ) e Otoni de Paula (PSC-RJ) também foram investigados, mas ambos estão denunciados ao Supremo com base nesse inquérito. Então, para eles, o arquivamento não se aplica. No caso do senador Arolde de Oliveira (PSD-RJ), que também era investigado, a PGR pediu a extinção da punibilidade, já que ele morreu em outubro do ano passado.
A PF afirmou que encontrou indícios de que apoiadores e parlamentares bolsonaristas discutiram ações para a propagação de discursos de ódio e a favor do rompimento institucional. Mas a PGR não concordou com as novas investigações e pediu o arquivamento sem fazer nenhuma nova diligência.