Segundo o ministro, assunto com o BC seria a aplicação da lei Magnitsky
A informação foi dada em primeira mão por Malu Gaspar, em sua coluna no jornal O Globo, e já repercute amplamente: o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, procurou o presidente do Banco Central (BC), Gabriel Galípolo, para interceder a favor do Banco Master.
Foram, pelo menos, quatro vezes para fazer pressão em favor do Banco Master. Ao menos três dos contatos foram por telefone, mas pelo menos uma vez Moraes se encontrou presencialmente com Galípolo, para conversar sobre os problemas do banco de Daniel Vorcaro.
O blog informou, ainda, que recebeu relatos sobre as conversas por seis fontes diferentes nas últimas três semanas. Uma delas ouviu do próprio ministro sobre o encontro com Galípolo, e as outras cinco souberam dos contatos por integrantes do BC.
Difícil que seis fontes distintas tenham combinado entre si a mesma narrativa, portanto, verossímil que o fato tenha ocorrido, apesar do desmentido do ministro que, em nota, afirmou que procurou a autoridade monetária para tratar dos efeitos sobre da lei Magnitsky (hoje revogados), aplicada à época pelo governo dos Estados Unidos em retaliação à condução da ação penal que julgou e condenou os golpistas do 8 de janeiro, entre os quais Jair Bolsonaro, e às tentativas de regulação das big techs no Brasil – essas megacorporações digitais cujos donos destinaram milhões de dólares à a campanha de Donald Trump.
Após longo silêncio – que não o caracteriza, diante de adversidades -, afirmou o ministro, em nota:
“O Ministro Alexandre de Moraes esclarece que, em virtude da aplicação da Lei Magnistiky, recebeu para reuniões o presidente do Banco Central, a presidente do Banco do Brasil, o Presidente e o vice-presidente Jurídico do Banco Itaú. Além disso, participou de reunião conjunta com os Presidentes da Confederação Nacional das Instituições Financeira, da Febraban, do BTG e os vice-presidentes do Bradesco e Itaú. Em todas as reuniões, foram tratados exclusivamente assuntos específicos sobre as graves consequências da aplicação da referida lei, em especial a possibilidade de manutenção de movimentação bancária, contas correntes, cartões de crédito e débito”, diz a nota.
Após a nota de Moraes, o próprio BC também se manifestou: “O BC confirma que manteve reuniões com o ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, para tratar dos efeitos da aplicação da Lei Magnitsky”, mas não negou que em alguns desses contatos tenha havido por parte do ministro uma intercedência em favor do escritório da mulher, Viviane Barci.
Um fato é incontestável: o escritório encabeçado pela esposa do ministro, localizado em Brasília, tinha um contrato com o Master no valor de R$ 130 milhões, valores que seriam pagos ao longo de 3 anos em parcelas mensais de R$ 3,6 milhões.
Os integrantes do BC que prestaram informações também, dificilmente, teriam algum motivo para falsear a realidade.
Chamou também a atenção uma decisão de outro ministro do STF, Dias Toffoli. O colega de Moraes puxou para si o caso do Banco Master e decretou sigilo absoluto, o que, segundo o blog, fez com que muita gente em Brasília dormisse aliviada, numa ilusão de que a medida teria o condão de conter as revelações que emergiram do inquérito que tramitava na 1ª instância.
Toffoli, aliás, havia embarcado em viagem ao Peru para assistir a uma partida de futebol com o advogado Augusto de Arruda Botelho, coincidentemente, um integrante da defesa de um ex-diretor do Banco Master, fato que o ministro Gilmar Mendes, em sua obsessão em blindar o colega de toga, minimizou ao dizer que não via nada de grave no fato. E acrescentou: “duvido que esse advogado tenha falado alguma coisa que não tenha sido sobre futebol”, no que todos acreditamos, mesmo depois de Toffoli haver decretado o sigilo da totalidade do inquérito após a referida viagem com o defensor de Vorcaro.
Na prática – e de fato – Toffoli paralisou tudo, das oitivas à abertura de novos inquéritos, assim como as perícias no material apreendido pela Polícia Federal (PF) no dia da prisão do dono do Master e dos outros alvos da Operação Compliance Zero.
A partir daí vieram à tona as podridões do esquema que envolvia a compra do Master pelo Banco Regional de Brasília (BRB) e os interesses inconfessos de altas autoridades do Governo do Distrito Federal (GDF) na operação bilionária. Daniel Vorcaro, mesmo solto depois da revelação da fraude, hoje está sendo investigado e submetido a medidas cautelares, como o uso de tornozeleira eletrônica.
Segundo o blog, o ministro teria defendido o banco a Galípolo. As mesmas fontes afirmaram que o próprio Moraes disse gostar de Vorcaro e pediu que o BC apoiasse o negócio junto ao BRB, que comprou produtos de investimento irregulares do Master, epicentro do escândalo.
Pelos relatos, o presidente do BC teria afirmado a Moraes sobre as fraudes, o que teria levado o ministro a recuar em sua pretensão de continuar advogando em favor do Master, diante da dificuldade do negócio ser levado à frente.
FRAUDE PODE CHEGAR A R$ 12 BILHÕES
O dono do Master, Daniel Vorcaro, foi preso em 18 de novembro na Operação Compliance Zero e deixou o presídio no dia 29. A ação apura suspeitas de crimes envolvendo o Master e o BRB, que pretendia comprar a instituição financeira de Vorcaro.
Quando beijou a lona, liquidado extrajudicialmente pelo Banco Central, o Banco Master tinha operações a descoberto de R$ 12 bilhões e só fechava seu caixa diário graças à uma linha de redesconto do BC (uma espécie de caixa extra de empréstimos disponibilizado pela autoridade monetária às instituições que estão momentaneamente com o patrimônio líquido a descoberto — ou seja, fechava o dia no prejuízo com mais dívidas a saldar do que lucros a realizar em suas operações). Tratava-se de um controlador que tramava as saídas mais esdrúxulas possíveis para não se tornar ex-banqueiro.
Nos ardis montados por Vorcaro e por seu principal sócio, Augusto Lima, a ocupação do BRB, maquiada como uma venda do banco privado ao banco público, foi a mais ousada e mambembe das soluções esboçadas. A ruindade da saída terminou por expor a inépcia e as relações contaminadas dos operadores.
O caso estava na Justiça Federal de Brasília, mas agora está no STF. O ministro Dias Toffoli decidiu que os próximos atos da investigação ficarão provisoriamente com o Supremo, após pedido da defesa de Vorcaro.
Diante da repercussão do caso e do constrangimento em geral, veio o apelo sóbrio, maduro e indispensável do presidente do STF, Edson Fachin, para dotar a Suprema Corte e toda magistratura nacional, sobretudo os tribunais superiores, a um novo Código de Conduta, no que foi contestado pelo decano Gilmar Mendes – o mesmo que saiu em defesa de Toffoli e Moraes, mesmo que a investigação sobre o tempestuoso Master esteja ainda começando.
É o Gilmar sendo o Gilmar, como se diz.
NÃO BASTA SER HONESTO, É PRECISO PARECER TAMBÉM
Alexandre de Moraes conquistou, ao longo dos últimos anos, amplo prestígio pelo papel que cumpriu como ministro relator da ação penal da trama golpista, do início do julgamento até o final.
A defesa firme da democracia e dos poderes republicanos foi e continua sendo reconhecida em todo Brasil e em muitas partes do mundo. Isso é inconteste.
No entanto, o crédito conquistado pelo ministro no campo institucional, certamente, não lhe confere poderes para interceder em favor de interesses privados, muito menos familiares, e ele próprio, certamente, sabe disso. Quando o fato é sequenciado pela ação de outro ministro, que embarcara dias antes em voo internacional com o defensor do Master, conferindo sigilo às investigações, acaba se tornando ainda mais grave.
O dr. Ulysses Guimarães, do alto de sua sabedoria, já dizia que não basta ser honesto. É preciso parecer honesto aos olhos da sociedade, principalmente em se tratando de autoridades que se encontram no alto escalão da República.
Como democrata, Moraes deveria refletir sobre o ensinamento de um dos maiores timoneiros da conquista da democracia no país, até porque, em situações como essa, não faltarão inimigos, especialmente os fascistas da extrema-direita, a lhe atacarem, não pelos seus defeitos, mas, no caso, pelas qualidades demonstradas no enfrentamento com eles próprios.
MARCO CAMPANELLA











