(HP 13/07/2012)
O ministro Moreira Franco chegou à perfeição. Em artigo escrito com o secretário de Ações Estratégicas (!?) do seu Ministério, Ricardo Paes de Barros, diz o ministro que “para formular políticas públicas (…) é preciso conhecer detalhadamente a realidade”. Por isso, “baseando-se em estudos criteriosos”, o seu Ministério resolveu proceder a uma “estratificação” da população brasileira: “Por esse critério, o início da classe média se daria quando uma família alcançasse uma renda per capita de R$ 291, com a classe alta iniciando-se quando a renda familiar per capita alcança R$ 1.019” (Valor Econômico, 09/07/2012 – grifo nosso).
Não, leitor, você não leu errado. Para o sr. Moreira Franco, uma família de quatro pessoas com renda total de R$ 1.164 (R$ 291 x 4) – ou seja, menos de dois salários mínimos – é uma típica componente da “nova classe média”.
Logo, os trabalhadores, o povo e os pobres foram abduzidos pela “estratificação” do sr. Franco. Se você acha que eles existem, engano seu, leitor: o ministro, assessorado por “técnicos e conceituados membros de nossa academia” (sic), descobriu que eles não existem. Todo mundo é “classe média”, até o solitário mendigo que mora na esquina – que, certamente, em esmolas, fatura por mês R$ 291 (ou seja, R$ 9,70 por dia) ou mais.
Os “estudos” devem ter sido excessivamente “criteriosos” para chegar a essa besteira. Resta saber por que, em nome da economia de gastos supérfluos, o sr. Mantega ainda não propôs o fechamento do Ministério do sr. Franco, ou que o salário deste alcançasse o fenomenal nível da sua “nova classe média” – ou, talvez, para que a imagem do governo não seja esculhambada, por que a presidente Dilma ainda não descobriu alguém menos criterioso e menos estudioso para assumir a pasta.
Nem vamos falar da “classe alta” com renda familiar per capita de R$ 1.019 – o que faz de uma família (também de quatro pessoas) com renda total de R$ 4.076, uma côrte de opulentos nababos.
Aliás, não cansaremos o leitor com o resto do artigo de Franco & Paes de Barros, porque não há nele nada de muito divertido, apesar da sua evidente imbecilidade.
O motivo é que não é divertido brincar com as muitas e aflitivas necessidades do povo brasileiro. Não é nada engraçado ter compatriotas que ganham muito pouco, como a maioria de nós, que é ainda muito pobre. Quem não tem seriedade para encarar esses problemas não é cômico, mas estúpido.
Nosso povo precisa aumentar o salário e melhorar muito o nível de vida, para satisfazer suas carências materiais e culturais. Para que isso aconteça, é necessário reconhecer que o problema existe. Não deixa de ser impressionante como há elementos que se dedicam a negar algo tão chocante, tão escandaloso, tão monstruoso – e tão urgente.
Se uma renda per capita familiar de R$ 291 já coloca o sujeito na “classe média” – e com menos de dois salários mínimos de renda familiar per capita já está na “classe alta” – supõe-se que este país está, socialmente, no Sétimo Céu. Para que enfrentar os problemas reais?
Não basta o sr. Marcelo Néri, da FGV, inventar uma “nova classe média” que mora nas favelas – e que não passa, entre outras coisas, da miragem privatizante de que, já que se trata de uma “classe média”, é preciso despojá-la de serviços, exatamente os serviços públicos, que devem ser destinados, supõe-se, apenas à indigência. Na verdade, nem a esta.
Para que saúde pública, se um favelado agora é “nova classe média”? Que recorra aos planos de saúde, essa maravilha que não é plano nem saúde, apenas expediente para arrancar dinheiro explorando a angústia dos seres humanos diante da doença – aquela que, como diz o povo, não acomete os postes.
Nada disso é muito diferente (aliás, nada diferente) do brilhante ideário do “tea party” dos EUA ou de qualquer fascistinha de meia-tigela.
A obra do sr. Franco tem, pois, um mérito: em seu alucinado reacionarismo, um pouco à direita daquele governante que anunciou o fim da lepra no país porque o nome mudou para “hanseníase”, jamais ficou tão claro que a “nova classe média” é o sucedâneo da senzala.
C.L.