O juiz Sérgio Moro, que aceitou convite de Bolsonaro para ser ministro da Justiça e da Segurança Pública, disse, em entrevista coletiva, na terça-feira (06/11), que “o presidente eleito inclusive moderou o discurso nas eleições e tem em suas manifestações recentes apresentado esse discurso mais moderado. Não vejo em nenhum momento um risco para a democracia e o Estado de Direito”.
Moro concedeu sua entrevista coletiva sem nenhuma espécie de proibição aos órgãos de imprensa participantes. Durante quase duas horas, respondeu a todas as perguntas que lhe fizeram.
Uma conduta muito diferente de Bolsonaro (v. Folha, Globo, Estadão e outros foram vetados em entrevista de Bolsonaro).
Mas isso nós sabíamos: Moro não é Bolsonaro.
Resta dizer que, infelizmente, Moro está errado sobre Bolsonaro.
Mais ainda quando diz: “Existem alguns receios, ao meu ver, infundados. E a minha presença no governo pode ter um efeito salutar de afastar esses receios infundados, afinal de contas eu sou um juiz, sou um homem de lei, então eu jamais admitiria qualquer solução que fosse fora da lei. Como também o presidente eleito”.
É óbvio que se os receios quanto a Bolsonaro fossem infundados, não haveria necessidade da presença de Moro para afastá-los. Bastaria a conduta do cidadão. Como não são infundados, não será a presença de Moro que irá afastá-los.
O problema é claro: o que fará Moro quando aquilo que chamou de “receios” se tornarem realidade – ou seja, quando se mostrarem fundados?
Pois não há ninguém no país – nem os seguidores de Bolsonaro, nem aqueles que se opõem a Bolsonaro – com a expectativa de que ele tenha se transformado, do dia para a noite, certamente por obra da fada Morgana, em um cavaleiro andante da democracia e dos direitos humanos.
Talvez haja, em alguma parte do nosso território, uma reedição da velhinha de Taubaté – mas, até agora, não encontramos nenhuma.
Moro está, portanto, apenas mostrando sua boa vontade para com Bolsonaro, diante da sua própria aceitação do convite para o Ministério.
É compreensível, mas é perigoso.
Porque não é verdade que Bolsonaro tenha moderado suas posições contra a democracia e contra a Constituição – ou seja, a favor do golpe e da ditadura.
O próprio Moro fala, aliás, apenas em moderação “do discurso”.
A questão é a mesma que ele enfrentou nos processos da Operação Lava Jato – especialmente no processo de Lula: a mentira não é moderação de nada; pelo contrário, é uma agravante, uma radicalização (se assim podemos chamar) da verdadeira posição do sujeito.
Se alguém recorre à mentira para preservar a posição que não pode expor em público, significa que esse alguém ultrapassou o limite extremo de falsificar o que realmente pensa para agarrar-se à mesma posição.
Bolsonaro não se autocriticou de suas declarações a favor do golpe de Estado, a favor da ditadura – e, inclusive, a favor da tortura (“Pau de arara funciona. Eu sou favorável à tortura”).
Muito menos de ter dito – e não foi uma nem duas vezes – que um torturador repulsivo, um covarde e assassino, Brilhante Ustra, era um “herói”.
Durante a campanha eleitoral, que respeito Bolsonaro teve pela verdade?
Aliás, nem pela lei. O inquérito, que corre no âmbito do TSE, é, exatamente, porque sua campanha transgrediu a lei (v. Bolsonaro copia Lula e diz que não tem culpa se pagam sua despesa sem ele saber).
E vamos ao que interessa: a ditadura é inseparável da mentira. Não existe ditador ou candidato a ditador que seja verdadeiro – Mussolini, Hitler, Franco, Salazar eram mentirosos crônicos (e agudos).
Já mencionamos o caso dos golpistas de 1º de abril de 1964, que, bombados pelos EUA, derrubaram o presidente constitucional sob o pretexto de defender a Constituição – e, nove dias após o golpe, rasgaram a mesma Constituição (v. Vitória de Bolsonaro cria grave ameaça à democracia no Brasil).
Portanto, o que Bolsonaro fez foi mentir, quando ficou nítido que sua posição real era inaceitável para a maioria dos eleitores.
A mentira, como já dissemos, não é uma moderação, mas uma renitência no crime ou na intenção de cometer o crime (golpe de Estado, pelas leis brasileiras, é crime, da mesma forma que receber propina também o é).
Além disso, Bolsonaro irá governar com a escória que Moro expôs na Operação Lava Jato – ou, pelo menos, com parte dela, a parte que era aliada do PT, mas não era petista.
Aliás, isso foi verdade já na campanha eleitoral, segundo o próprio Bolsonaro. Por exemplo, disse ele, no dia seguinte ao primeiro turno das eleições: “no tocante ao centrão, creio que grande parte dos parlamentares estavam comigo antes mesmo de começar as eleições, porque vínhamos trabalhando para isso”.
O que é o “centrão”, senão parte da oligarquia política corrupta que Moro combateu e pretende continuar combatendo?
Mas nem é preciso falar muito disso: que candidato os envolvidos na Operação Lava Jato – com exceção, evidentemente, do PT e alguns anexos (Renan, por exemplo) – apoiaram nas recentes eleições?
Moro, como homem inteligente que é, sabe a resposta, como, aliás, todo mundo.
OUTRAS COISAS
Na entrevista coletiva, Moro afirmou, também, algo positivo: que apoiará a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que determina a prisão dos condenados em segunda instância. Disse ele:
“Na posição de ministro da Justiça, irei defender publicamente a posição que o Supremo deve manter esse precedente. Paralelamente, pode se cogitar a apresentação de um projeto de lei para deixar isso mais claro na legislação.”
Isso, claro, é importante para impedir que somente aqueles que não têm dinheiro vão para a cadeia. Sem isso, o combate à corrupção é apenas encenação – ou frustração (v. Por que a prisão após a segunda condenação é legal, justa e necessária).
Quanto ao rebaixamento da maioridade penal para 16 anos em alguns crimes (homicídio e estupro), é difícil ver que vantagem isso pode trazer no combate ao crime, até porque os tipos de crimes citados por Moro estão entre os de mais baixa frequência entre os menores (v. CNJ, Cadastro Nacional de Adolescentes em Conflito com a Lei).
No máximo, essa medida pode servir para que apareçam alguns, tentando estender esse rebaixamento a todas as transgressões, sem falar dos que vão dizer que o rebaixamento da maioridade penal para 16 anos é pouco, etc.
Como se a sociedade não tivesse qualquer responsabilidade por esses jovens (talvez o juiz Moro ainda não tenha percebido o grau de estupidez do meio ao qual adentrou).
Um artigo, publicado em uma revista da nossa Marinha, está muito mais perto de uma abordagem real do problema, ao apontar que 83% dos menores infratores, antes de cometer algum delito, tinham abandonado a escola.
Por alguma razão isso aconteceu.
C.L.
Moro utiliza a TV com se fosse o seu tribunal e persegue não só criminosos