MARCO CAMPANELLA (*)
O depoimento do ministro Sergio Moro na Câmara dos Deputados na última terça-feira (2) foi marcado, mais uma vez, por manifestações evasivas, rodeios e tergiversações, como no Senado Federal, há duas semanas atrás.
Moro encontra-se, visivelmente, numa encruzilhada inescapável: ao mesmo tempo em que diz não se lembrar das mensagens, questiona a autenticidade das mesmas e afirma que não há nada de comprometedor nelas.
Ora, o ministro deve decidir: ou se choca e nega frontalmente o que foi publicado pelo site Intercept Brasil ou admite a veracidade de seu conteúdo.
O ex-juiz não consegue fazer nenhuma das duas coisas, o que é revelador da verdadeira sinuca de bico em que se meteu.
Não desmente as mensagens pois sabe que, no fundo, elas são verdadeiras, ou muito próximas da verdade.
Não as admite abertamente pois também tem consciência que assumiu o papel de chefe do Ministério Público na Operação Lava Jato ao aconselhar os procuradores, sugerir treinamento dos que exibiam fraco desempenho nas oitivas, indicar testemunhas para fortalecer a acusação, distribuir tarefas, entre outras diligências, especialmente nas ações que envolviam figuras com as quais não se identificava no plano político – sinais pronunciados preteritamente nas imagens em que figurava ao lado de tucanos de alta plumagem e, notadamente, agora e desde que aceitou o convite de Bolsonaro para o Ministério da Justiça.
A reforçar essa convicção, notícia recentemente veiculada pelo jornal Correio Braziliense dá conta de que um dos procuradores que estava no mesmo grupo do Telegram garantiu que as conversas são verdadeiras. “Aquelas mensagens que foram publicadas são autênticas”, afirmou.
Outro diálogo, mantido em novembro de 2018, pelos procuradores paulistas Ângelo Augusto Costa e Monique Cheker, indicam as características do então juiz. “Moro é inquisitivo, só manda para o MP quando quer corroborar suas ideias, decide sem pedido do MP (variasssss vezes) e respeitosamente o MPF do PR sempre tolerou isso pelos ótimos resultados alcançados pela lava jato”, afirmou Monique no grupo.
No sistema jurídico brasileiro, da lei maior aos códigos de conduta, os operadores da Justiça devem agir com imparcialidade para garantir o equilíbrio entre as partes, cabendo ao Ministério Público o papel acusatório, competências consolidadas a partir da Constituinte de 1988.
No entanto, à frente da 13ª Vara Federal de Curitiba, Moro violou a Constituição Federal, o instrumento legal emanado do poder popular e político que define, com muita precisão, a órbita de ação da magistratura, devendo ela ser absolutamente independente para julgar com isenção. Mais que isso, o então juiz agrediu o Código de Processo Penal (art. 254), o Código de Ética da Magistratura e a própria Declaração dos Direitos da Pessoa Humana, que assegura a todo cidadão um julgamento justo e a ampla defesa.
Com esse comportamento, prevaricou como juiz e levou o Ministério Público à prevaricação, agindo fora da lei, ou seja, foi um juiz fora da lei.
Quanto à memória seletiva do ministro, é necessária uma observação: não se lembrar de algo corriqueiro, é razoável, mas, não se recordar se cometeu ou não um determinado crime (o de violar a lei e a Constituição), só reforça a convicção de que ultrapassou os limites legais e éticos.
Tentou defender-se dizendo que, em muitas situações, o magistrado pode agir de ofício, ou seja, a revelia das provocações emanadas dos procuradores, mas não foi exatamente isso que aconteceu ao analisar as centenas de mensagens entre ele e, principalmente, o chefe da força-tarefa da Lava Jato, Deltan Dallagnol.
O que vimos foi uma clamorosa relação de cumplicidade (e até intimidade) entre juiz e acusação.
Mas nada disso implica, automaticamente, como todos sabem, mesmo que a Justiça venha a se pronunciar nessa direção, na prejudicialidade ou anulação das sentenças que foram exaradas e confirmadas por instâncias superiores, inclusive, com divergências quanto ao tamanho das penas.
Os fatos envolvendo a Operação Lava Jato são, efetivamente, muito contundentes e evidenciaram um assalto inegável e sem precedentes aos cofres públicos, especialmente à Petrobrás, símbolo de nosso desenvolvimento soberano.
Portanto, são coisas muito diferentes.
Todavia, Moro, como apontaram alguns parlamentares corretamente, ao agir parcialmente, é, hoje, quem mais contribui pela conspurcação e descrédito daquela Operação, mesmo que ele insista em continuar dizendo aos incautos que os seus críticos o criticam porque se opõem à Lava-Jato e às meritórias ações de combate à corrupção, embora saibamos que existam exceções entre esses críticos, por razões óbvias.
No final da audiência na Câmara, o ministro buscou socorro em Mattew Stephenson, professor de Direito da Escola de Harvard, que, em artigo postado no dia 17 de junho, faz “reflexões adicionais sobre os vazamentos da Lava Jato”. Em sua quase mea culpa sobre considerações anteriores, chega à conclusão de que “o incrível escândalo encolheu”.
“Com base nessas conversas (com grupos de brasileiros) e em reflexões posteriores, minhas opiniões sobre a reportagem do Intercept mudaram um pouco, principalmente na direção de pensar que esse “escândalo” é consideravelmente menos escandaloso do que o Intercept noticiou, ou que eu acreditava originalmente”, em resumo, sentenciou o professor, provavelmente, por desconhecimento e distanciamento da realidade nacional.
O que já foi publicado até o momento pelo site é grave, muito grave, esse é o fato, sobretudo partindo de um juiz que, na sequência, aceitou, como bem definiu, modestamente, o senador Randolfe Rodrigues, no Senado, participar do “governo mais desastroso e desastrado de nossa história”, algo que frustrou muitos de seus colegas juízes e procuradores.
Novas revelações, certamente, indicarão, nesse ponto, que a autocrítica do professor de Harvard pode ter sido equivocada e prematura, principalmente na questão destacada pelo ministro em seu depoimento, o do encolhimento do escândalo desvelado pelo Intercept.
Moro, diga ao professor que o que de fato encolhe na realidade brasileira é a sua rua e a de Bolsonaro, como demonstraram os atos do último domingo!
(*) Jornalista, foi editor-chefe do HP.