A decisão dos desembargadores da 4ª turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) de trancar a ação penal para o crime de homicídio aberta em 2016 contra executivos de Vale, Samarco e BHP Billiton em razão do rompimento da barragem do Fundão, em Mariana (MG), foi criticada pelo Ministério Público Federal (MPF) nesta quinta-feira (25). Segundo o MPF, “a questão é que os acusados, cientes dos riscos, preferiram ignorá-los num contexto em que outros fatores, como aumento dos lucros, preponderaram”.
Com a decisão do TRF-1, os acusados não vão mais a júri popular – que julga crimes contra a vida -, e fica mantido o processo somente para os crimes ambientais e de inundação, que são previstos no código penal.
19 pessoas morreram após o rompimento da barragem da Samarco em Mariana.
Na última terça-feira (23), a 4ª turma julgou os habeas de Sérgio Consoli e Guilherme Ferreira, ambos da mineradora BHP Billiton. Em seu voto, o relator Olindo Menezes, afirmou que o MPF narrou um crime de inundação, mas não apontou elementos para configurar homicídio pelo qual os executivos são acusados.
Ele ressaltou que os outros réus estão na mesma situação e o processo deve ser trancado para todos em relação ao crime de homicídio. O voto foi acompanhado pelos desembargadores Cândido Artur Medeiros Ribeiro Filho e Néviton Guedes.
Em reação à decisão TRF-1, a força-tarefa do MPF em Minas Gerais afirmou que “inúmeras provas mostram que inundação, danos ambientais e as mortes de 19 pessoas foram previstas por Vale, Samarco e BHP Billiton, e funcionários de alto escalão denunciados”.
Os procuradores ressaltam que a “acusação de homicídio doloso tinha – e continua tendo – amplo respaldo nas provas dos autos”. “Se o resultado morte adveio de uma conduta dolosa [assunção do risco de causá-las], a cominação legal é de prática de homicídio”.
O MPF afirma entender que “haveria apenas o crime de inundação se o resultado morte não tivesse sido previsto e assumido com a operação do empreendimento dentro de um cenário de risco proibido”.
“Fato é que todos os resultados – desmoronamento, inundação, danos socioambientais e mortes – foram cabalmente previstos pelas empresas, tendo sido registrados em relatórios e atas de reuniões, conforme inclusive prova um documento em especial: relatório interno da Samarco previa, em caso de rompimento da barragem, a possibilidade de causação de até 20 mortes”, argumenta o MPF.
Segundo a procuradoria, essa “previsão mostrou-se assustadoramente correta, já que 19 pessoas perderam a vida em decorrência do rompimento de Fundão”. “A questão é que os acusados, cientes dos riscos, preferiram ignorá-los num contexto em que outros fatores, como aumento dos lucros, preponderaram”.
Os procuradores “lamentam que o julgamento dessa conduta vá ser impedido por uma decisão proferida em sede de habeas corpus, instrumento que não é destinado a analisar provas”. “Essa circunstância sobressai, especialmente num processo que se caracteriza por prova de imensa complexidade, com cerca de 170 volumes de documentação”.
A maior tragédia ambiental do país
A tragédia de Mariana ocorreu no dia 5 de novembro de 2015. No dia 20 de outubro de 2016, 21 pessoas ligadas às três mineradoras foram acusadas pela Procuradoria Geral da República em Minas Gerais pelo crime de homicídio qualificado. A eles também foram imputados crimes ambientais, inundação, desabamento e lesões corporais leves.
A Samarco, Vale e BHP Billiton, responsáveis pela barragem de Fundão, que se rompeu naquele 5 de novembro, causando a maior tragédia ambiental da história do país, respondem juntas por 12 delitos ambientais.
O juiz Jaques de Queiroz Medeiros, da Vara Federal de Ponte Nova, recebeu a denúncia do MPF em novembro de 2016, e pôs todos os acusados no banco dos réus. No entanto, o TRF da 1.ª região absolveu dois da acusação de homicídio qualificado, acolhendo pedidos das defesas, em 2018, em decisões que abriram caminho para que outros habeas corpus fossem impetrados para trancar a ação.
Após os pedidos das defesas dos executivos das mineradoras para que os habeas corpus concedidos pelo trf-1 a outros réus fossem estendidos a eles, o juiz federal Jaques de Queiroz Medeiros decidiu suspender os interrogatórios das testemunhas do processo.
Na prática, a ação não está suspensa, mas as audiências com as testemunhas são os principais passos para o andamento do processo. Após as oitivas das testemunhas de defesa, os réus serão interrogados. Antes da sentença, ainda haverá espaço para a entrega de alegações finais por parte do Ministério Público Federal e dos acusados.
Com a decisão do TRF-1, a ação volta a correr no âmbito penal, mas sem os réus responderem por homicídio.
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