“Nós fizemos a nossa parte. Nós enviamos a nossa parte, com recursos e meios”, disse o presidente
Jair Bolsonaro praticamente abandonou a população do Amazonas à sua própria sorte ao dizer, nesta sexta-feira (15), que não há mais nada a ser feito.
“A gente está sempre fazendo o que tem que fazer, né? Problemas em Manaus. Terrível o problema lá. Agora, nós fizemos a nossa parte. Nós enviamos a nossa parte, com recursos e meios”, disse o presidente. “O ministro da Saúde [Eduardo Pazuello] esteve lá na segunda-feira, providenciou oxigênio, começou o tratamento precoce”, acrescentou.
Todos estão vendo que não há oxigênio. As pessoas continuam a morrer asfixiadas. Não há leitos de UTI suficientes. Os pacientes graves estão sendo transferidos para outros estados, que ofereceram ajuda.
Como pode o presidente dizer que já fez a sua parte? Dizer que já mandou os recursos e que já começou o “tratamento precoce”?
Tratamento precoce é oxigênio. Sem ele, as pessoas internadas ou que esperam internação, morrem. Em Manaus não há oxigênio suficiente e as pessoas estão morrendo. O governo federal não garantiu o abastecimento extra para a ventilação dos pacientes graves. As poucas aeronaves alocadas pelo Planalto para este transporte de oxigênio não estão sendo suficientes.
Falar em “tratamento precoce” com cloroquina e ivermectina – medicamentos que não têm eficácia cientificamente comprovada no combate à doença – no lugar de oxigênio, e numa situação dramática como essa, é um insulto à inteligência do povo de Manaus e do povo brasileiro.
A crise é muito grave, o sistema de saúde de Manaus entrou em colapso e o governo diz que já fez tudo o que pode. Como assim? As pessoas seguem morrendo sem ar. Não é a cloroquina que vai salvá-las. É o oxigênio.
Mas, mesmo assim, ele obrigou a prefeitura de Manaus a distribuir a cloroquina e o vermífugo ivermectina para a população. Fez isso através de um ofício ameaçando punir a prefeitura se não distribuísse as drogas.
Diante da cínica tentativa de Bolsonaro de tirar o corpo fora e deixar o estado abandonado, a Justiça Federal de Manaus foi acionada por cinco órgãos públicos federais e estaduais que afirmaram que a responsabilidade por dar uma solução ao colapso no fornecimento de oxigênio no Amazonas é do governo federal. A ação foi ajuizada por representantes do MPF (Ministério Público Federal), DPU (Defensoria Pública da União), Ministério Público do Estado do Amazonas, Defensoria Pública do Estado do Amazonas e Ministério Público de Contas do Estado do Amazonas.
Na mesma entrevista, cobrado pelo oxigênio que não chega, Bolsonaro desconversou e voltou a falar da cloroquina. Ele citou como exemplo de sucesso da droga o fato de que 200 vizinhos seus terem se contaminado com a Covid-19 e não terem tido a necessidade de irem para o hospital.
É verdade. Mesmo que essas 200 pessoas tivessem tomado água com açúcar, também a esmagadora maioria não iria para o hospital. Pouco mais de 1% dos infectados desenvolvem a forma grave da doença. E são exatamente esses que precisam de oxigênio. São exatamente esses que não estão recebendo o tratamento adequado, por culpa do Planalto.
“No médico você pode receber o tratamento precoce. Se o médico não quiser, procure outro médico. Não tem problema. Repito o tempo todo aqui: no meu prédio, mais de 200 pessoas pegaram a Covid, se trataram com cloroquina e ivermectina, ninguém foi para o hospital”, argumentou.
Não há aviões suficientes para transportar o oxigênio que é necessário para salvar vidas em Manaus. Outros países estão oferecendo ajuda, como foi o caso da Venezuela. É urgente a abertura de hospitais de campanha. Tem que deslocar profissionais para a região. É obvio que falta muito a ser feito.
Mas Bolsonaro insiste que a solução é a cloroquina. “Vocês veem exemplo no país todo. E não tem efeito colateral. Alguns ficam falando: ‘Ah, a ciência’. Calma, rapaz, esses medicamentos, a hidroxicloroquina são 70 anos, não têm efeito colateral. Se não surtir efeito, não vai acontecer nada para ele”, repetiu.
O vice-presidente, Hamilton Mourão, também tentou justificar a inação do governo federal. “O governo está fazendo além do que pode dentro dos meios que a gente dispõe”, disse Mourão. Questionado se não faltou planejamento logístico, o vice-presidente declarou que não era possível prever o colapso no sistema de saúde em Manaus. Ele citou o surgimento de uma nova cepa do vírus.
“Você não tem como prever o que ia acontecer com essa cepa que está ocorrendo em Manaus, totalmente diferente do que tinha acontecido no primeiro semestre”, argumentou. É lógico que havia como prever tudo isso e planejar as ações. Bastava parar com o negacionismo e se preparar para combater o vírus. Nada disso foi feito. Bolsonaro ficou o tempo todo reclamando dos “exageros” da imprensa e dos “excessos” dos governadores.
Agora a estratégia de Bolsonaro é tentar desassociar a imagem do governo federal da repercussão desastrosa do colapso em Manaus. Para isso repete que, por decisão do STF (Supremo Tribunal Federal), o governo federal teria ficado de “mãos atadas” na implementação de medidas de combate à pandemia.
O próprio STF já havia alertado que a União tinha obrigação de conduzir a luta contra o coronavírus e garantir os recursos para isso. Mas, Bolsonaro usa o limite que o STF impôs aos seus arbítrios, para tentar jogar a culpa do caos exclusivamente no governador. Diversos estados se oferecem para ajudar o drama da população amazonense e Bolsonaro diz que já fez tudo e não há mais nada a fazer. Um verdadeiro descalabro.
Não é por acaso que crescem as críticas ao descaso do governo frente ao agravamento da pandemia. Mesmo nas redes sociais e nas bases de Bolsonaro, as críticas ao seu comportamento insano são crescentes. Segundo pesquisa Modalmais/AP Exata, feita no final de dezembro, o número de menções negativas ao seu governo subiu para 73%. As menções positivas caíram para 27% e a confiança despencou a 10,8%. Nunca se falou tanto em impeachment como agora.
Não é à toa também que personalidades políticas e jornalistas estão intensificando as críticas ao comportamento irresponsável do governo. Esse foi o caso do presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), que disse que a crise de Manaus e os atrasos na vacinação são fruto do negacionismo do governo Bolsonaro.
João Doria, governador de São Paulo, do PSDB, também foi na mesma direção e apontou: “o governo Bolsonaro é negacionista e gosta do cheiro da morte”. O apresentador da TV Globo, Willian Bonner, desabafou na quinta-feira. “Estamos nos esgrimando com loucos”, disse ele, durante o Jornal Nacional.