O embaixador russo Vasily Nebenzia rebateu no Conselho de Segurança da ONU como um “teatro do absurdo” as alegações do governo May sobre o ‘caso Skripal’, em que a Rússia foi acusada sem quaisquer provas e antes até da investigação. A reunião de emergência foi convocada a pedido de Moscou, após o laboratório inglês de guerra química de Porton Down – que diz ter ‘identificado o veneno novichok’ – afirmar não ter como estabelecer sua origem.
Declaração que tornou flagrante a mentira do chanceler inglês Boris Johnson na entrevista à rádio alemã Deutsche Welle, quando, perguntado como sabia que o veneno “veio da Rússia”, asseverou que isso lhe fora informado pessoalmente “sem qualquer dúvida” por Porton Down. O que fez um rombo no embuste inglês contra Moscou. “Como as autoridades britânicas se atrevem a declarar com ‘alto grau de probabilidade’ que a Rússia está por trás do incidente de Salisbury, nós também afirmamos ‘com alto grau de probabilidade’ que as agências de inteligência de certos países estão por trás dessa megaprovocação”, afirmou Nebenzia.
Em seu discurso, o diplomata russo se referiu às inúmeras falhas da história apresentada pelo governo May. Os vários “local do crime” anunciados, a inusitada sobrevivência a um ‘ataque químico de grau militar’ para o qual ‘não há antídoto’, tudo isso sem ‘mortos em massa nas imediações e na equipe de atendimento,’ o que se esperaria numa situação assim. Ou os dias que levaram para tirar da praça o contaminado banco em que os Skripal foram achados. “Eu nem sei como comentar isso. É uma espécie de teatro do absurdo. Vocês não poderiam ter uma história falsa melhor?”, indagou Nebenzia.
Numa menção ao gás venenoso VX, que foi patenteado pelo laboratório inglês de Porton Down (depois vendida para os EUA), Nebensia lembrou que o ‘novichok’ não é de patente russa, “apesar do nome obviamente russo”. “Foi um nome inventado no Ocidente para uma linha de substâncias tóxicas, o que não é novidade para especialistas e cientistas. Eles foram desenvolvidos em muitos países, inclusive nos EUA e na Grã-Bretanha”. (Aliás, o nome ‘novichok’ foi popularizado há alguns meses em um episódio de uma série de tevê inglesa).
Quanto às tentativas de Londres de remendar o desastre provocado pelo flagra na mentira de seu chanceler Johnson, dizendo que tinha “mais dados da inteligência”, foram rebatidas pelo embaixador russo, que lembrou “com base na experiência de Tony Blair”, que todos conhecemos, “o valor que têm os dados da inteligência inglesa”. Blair afirmou em 2003 que Sadam estava pronto para ataque químico em “45 minutos” para dar pretexto à invasão ianque. Ele estava mentindo, como confessou anos mais tarde, e foi confirmado no relatório Chilcot do parlamento inglês.
As inconsistências da narrativa apresentada pelo governo May foram cuidadosamente postas em questão pelo embaixador russo. “Por que tivemos que esperar oito anos e [então] decidimos [atacar os Skripals] duas semanas antes das eleições e várias semanas antes da copa do mundo? Por que nós o liberamos do país em primeiro lugar? Por que fazer isso [o suposto ‘ataque a Skripal’] de um modo extremamente público e perigoso?”, indagou Nebenzia.
Conforme destacou Nebenzia, a sobrevivência das vítimas a uma substância apontada como “entre as mais letais do mundo” só poderia ser explicada se “um antídoto lhes tivesse sido administrado imediatamente após a exposição”. Mas as autoridades britânicas, no entanto, insistiram que “nenhum antídoto foi usado, já que nenhum existia em primeiro lugar”. Os Skripals conseguiram “andar por quatro horas após a exposição”, segundo a versão das autoridades britânicas, mas o policial que os encontrou perdeu a consciência imediatamente.
Há também diferentes histórias de como o veneno foi aplicado, segundo as especulações dos jornais ingleses. “Existem muitas versões mas faltam dados e provas. Casa de Skripal, a maçaneta da porta, flores, trigo sarraceno ou, na verdade, [seria] o condimento folha de louro? ”, cutucou Nebenzia.
O embaixador russo também se pronunciou sobre as baixezas com que o governo May tem atuado, e em particular, o chanceler inglês, Boris Johnson (que é conhecido entre os londrinos como ‘BoJo’). “Boris Jonhson, que constantemente proclama sua natureza russófila, produz um absurdo, para usar a melhor palavra que consegui, uma premissa absurda e imoral de que o incidente foi necessário para que Moscou juntasse o povo antes das eleições”, apontou. “Sua comparação da Copa do Mundo de Futebol da Rússia com as Olimpíadas de Berlim de 1936 foi igualmente imoral” , continuou Nebenzia, acrescentando que, ao contrário da União Soviética, uma grande delegação britânica participou desses Jogos.
Nebenzia também perguntou o que aconteceu com os bichos de estimação de Skripal, dois gatos e dois porquinhos da índia – que agora a mídia inglesa diz que foram incinerados após morrerem de fome. “O que aconteceu com esses animais? Por que ninguém menciona isso? Sua condição também é uma peça importante de evidência”. A prima de Yulia Sprikal, Viktoria, teve negado pela embaixada inglesa a concessão de visto para viajar à Grã-Bretanha para visitá-la no hospital. A imprensa russa divulgou telefonema entre as duas, em que Yulia disse que “todos estavam bem e se recuperando”.
O embaixador russo reiterou a proposta de Moscou de uma investigação imparcial e transparente, e resumiu a provocação inglesa em andamento, citando Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll. Comparou a posição de Londres à da Rainha Vermelha do livro, que exigia “primeiro a sentença, a investigação depois”.
A.P.