O tratado INF proíbe mísseis nucleares terrestres com alcance entre 500 km e 5500 km e contribuiu para reduzir as tensões na Europa após sua assinatura pela União Soviética e EUA em 1987
“O mundo se tornará mais perigoso”, afirmou o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, reagindo ao anúncio, pelo governo de Donald Trump, de que irá se retirar do Tratado de Proibição de Mísseis Nucleares Intermediários (INF), assinado em 1987 por Reagan e Gorbachev.
Peskov reiterou que a Rússia continua comprometida com o acordo e acrescentou que Washington ainda não tomou nenhuma medida formal para abandonar o INF, embora o New York Times haja noticiado que a Casa Branca se prepara para a notificação oficial.
Na semana passada, em um comício em Nevada, Trump acusou Moscou de violar o tratado, disse que não inclui a China e que irá se retirar. O tratado proíbe mísseis nucleares terrestres com alcance entre 500 km e 5500 km e contribuiu enormemente para reduzir as tensões no teatro europeu, levando à destruição de 2665 mísseis. Na época, a presença desses mísseis transformava boa parte das capitais europeias, inclusive Berlim ou Moscou, em alvos em torno de oito minutos, o que levou a grandes manifestações pela paz e pelo desarmamento.
Na segunda-feira (22), o conselheiro de Segurança Nacional de Trump, o belicista John Bolton, foi a Moscou para falar sobre a possível saída do Tratado INF e retomar discussões sobre outro tratado de controle de armas nucleares, o New Start. Em declaração ao Sputnik, o vice-chanceler russo, Sergei Ryabkov, advertiu que, se os EUA continuarem a se comportar “desajeitada e grosseiramente” abandonando os acordos de controle de armas, “então não teremos outra escolha senão tomar medidas retaliatórias, inclusive envolvendo tecnologia militar”. “Mas não queremos chegar a este estágio” , acrescentou, insistindo em que o tratado é “significativo para a segurança internacional e a manutenção da estabilidade estratégica”. Ele pediu a Washington “uma abordagem equilibrada e sóbria”.
Em 2001, o governo de W. Bush se retirou unilateralmente do Tratado Anti Míssil (ABM), pedra imprescindível do equilíbrio estratégico da dissuasão nuclear e Trump, desde que chegou à Casa Branca, já retirou os EUA de vários tratados internacionais, até o do clima.
A prorrogação do Tratado New Start, de limite dos mísseis balísticos intercontinentais, cuja duração se encerra em 2021, continua no limbo. Assim, praticamente toda a arquitetura do sistema internacional de prevenção de uma guerra nuclear está sendo erodida aceleradamente por iniciativa de Washington.
A chancelaria russa reiterou que tem cumprido o acordo integralmente e ainda, que quem o desrespeita são os EUA, ao instalar lançadores de Tomahawk MK41, proibidos em terra pelo INF, para disparar os antimísseis agora instalados nas fronteiras da Rússia, na Polônia e na Romênia. A Rússia desenvolveu mísseis de cruzeiro, mas lançados de embarcações e aviões, o que é permitido.
Para os diplomatas russos, Washington persegue “o sonho do mundo unipolar” com tais decisões. “À primeira vista, posso dizer que aparentemente o Tratado INF cria problemas para seguir a linha em direção à dominação total dos EUA na esfera militar”, assinalou Ryabkov. “Este seria um passo muito perigoso”, advertiu, apontando que “despertará séria condenação da comunidade internacional”.
Trump não ocultou o tom de chantagem em seu anúncio sobre a abolição do INF, e sempre culpando os outros pelos rompimentos de acordo que comete. “A menos que a Rússia venha até nós e a China venha até nós, e todos venham até nós, e digam: “vamos todos ficar espertos e nenhum de nós desenvolverá essas armas”, mas se a Rússia está fazendo isso e se a China está fazendo isso e nós seguimos aderindo ao acordo, isso é inaceitável. Portanto, temos uma enorme quantidade de dinheiro para jogar para nossos militares”.
Ao contrário do que diz Trump, a China nada tem a ver com o INF, que foi assinado entre as duas superpotências nucleares, com os demais países nucleares nem de perto chegando ao arsenal russo ou americano, e visando acalmar a situação iminente de risco de guerra nuclear na Europa.
Mas desde o “pivô para a Ásia” de Obama, e consequente ameaça de guerra à China, setores do Pentágono vinham reclamando que os sistemas terrestres de defesa chineses “ameaçavam suas bases e navios no Pacífico” e exigiam o fim do INF. Isto é, dificultavam seus planos de ameaçar e saquear a China.
Nos próprios EUA, há vozes condenando a sabotagem dos acordos internacionais de prevenção de guerra nuclear. Como o senador republicano Rand Paul, que criticou a saída do INF, dizendo que esta era uma boa razão pela qual Bolton “não deveria ter permissão para chegar perto da política externa dos EUA”. Os EUA, afirmou, devem “procurar resolver qualquer problema com este tratado e avançar”, ao invés de abandoná-lo. Ele chamou de “erro imperdoável” a saída desse “acordo histórico”. Outro senador republicano, Bob Corker, disse esperar que o anúncio fosse “apenas uma jogada” de Trump para conseguir outro acordo, a exemplo do que ocorreu com o Nafta. Na quinta-feira (25), a Otan inicia na Noruega suas maiores manobras militares desde o fim da Guerra Fria, que irão até o dia 7 de novembro – a data da Revolução Russa no novo e no velho calendário.
ANTONIO PIMENTA