Enquanto o candidato titular fazia uma gravação tentando manipular o repúdio ao PT em seu proveito – como se o seu entreguismo e subserviência fossem alternativa para alguma coisa nesse país – o vice de Bolsonaro, Hamilton Mourão, desempenhava outra sessão de escoiceamentos, dessa vez em São Paulo.
Disse ele, quanto às declarações de Bolsonaro sobre “fraude eleitoral”, que elas não deviam ser levadas a sério, porque foram ditas por alguém que “praticamente morreu”.
Em seguida, discorreu sobre os problemas sociais, que, segundo ele, existem porque “a família é dissociada”. Em suma, não são os problemas sociais, econômicos e políticos – a miséria, o desemprego, a fome, a falta de atendimento público – que causam o esgarçamento das famílias.
Pelo contrário, disse Mourão, são os “sem pai e avô, mas com mãe e avó” que causam os problemas sociais, porque são “desajustados” – e, por isso, vão para o narcotráfico.
No Brasil, em 2015, existiam 28 milhões, 614 mil e 895 famílias (40% do total) sem pai (cf. IPEA, Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça – 1995 a 2015).
São famílias compostas por trabalhadoras e trabalhadores – mesmo quando estão desempregados.
O número dos que se desviam é relativamente pequeno – não existem, por exemplo, 10 milhões de narcotraficantes no país, nem 5 milhões.
Somente um troglodita como Mourão pode acreditar – se é que acredita, o que, como veremos, é duvidoso – que essas famílias são responsáveis pelos problemas sociais, porque são formadas por “desajustados”.
Aliás, quem é “ajustado”? O Bolsonaro? O vice do Bolsonaro?
Porém, ele encontrou a solução para os problemas sociais: a polícia (“Se polícia age como polícia, é criticada. Direitos humanos são para os humanos direitos”).
Mourão disse, também, que o problema da política externa do Brasil é que “nós nos ligamos com toda a mulambada, do lado de lá e de cá do oceano, na diplomacia Sul-Sul”.
“Mulambada”, portanto, é como Mourão chama – e vê – os africanos e os latino-americanos.
Ele gostaria, por consequência, de se relacionar, preferencialmente, com o pessoal branco do Norte. O que ele não gosta é de gente parecida com o povo brasileiro – africanos, latino-americanos, índios, negros.
No mesmo evento – no Secovi, sindicato do mercado imobiliário – Mourão revelou em que posição ele gostaria de se relacionar com o Norte: defendeu um suposto “livre mercado” – num mundo dominado por monopólios privados; menos impostos para as empresas; menos direitos para os trabalhadores (“implementação da [reforma] trabalhista, que tem gente que é contra”); fim da previdência pública – e, claro, privatização da propriedade do povo.
E, mais: outro “ajuste fiscal”, com mais cortes de gastos públicos, e mais garantias para os rentistas, para os especuladores financeiros (“é preciso projeto para dar segurança ao investidor”).
“Queremos estradas alemãs, não com o padrão da República Centro-Africana”, disse Mourão, revelando outra vez seus problemas com a África – e com o Brasil, pois se existe algo que não falta no país, desde, pelo menos, o governo Juscelino, encerrado há 60 anos, é capacidade para construir boas estradas brasileiras.
Para que precisamos de “estradas alemãs”? Certamente não seria porque a maior parte das famosas “autobahnen” (autoestradas), da Alemanha, foi inaugurada na década de 30 do século passado, por um governante de péssima memória.
Por fim, indagado por um repórter sobre o uso do termo “mulambada”, Mourão disse que só o havia dito “para o auditório ficar satisfeito”.
C.L.
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