A Medida Provisória 914 assinada por Bolsonaro na véspera de Natal que estabelece novas normas para a escolha de reitores em universidades e institutos federais e no Colégio Pedro II, do Rio de Janeiro, foi alvo de repúdio da comunidade acadêmica e de parlamentares.
Apenas em 2020, Bolsonaro deverá encaminhar a nomeação de 24 dirigentes de universidades federais e nove de institutos federais de ensino. Com a MP, o governo pretende interferir nas instituições que se posicionaram contra os ataques bolsonaristas e os cortes na Educação realizados em 2019.
Dentre os principais absurdos da MP, está a possibilidade do Ministério da Educação (MEC) nomear reitores pró-tempore caso não concorde com o processo eleitoral realizado nas instituições. O texto abre caminho para a nomeação de interventores nas universidades federais.
A MP permite que o MEC intervenha nas universidades “na vacância simultânea dos cargos de reitor e vice-reitor; e na impossibilidade de homologação do resultado da votação em razão de irregularidades verificadas no processo de consulta”.
Para o Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (ANDES-SN), “esse tipo de intervenção, ressaltamos, está em curso na Universidade Federal da Grande Dourados e no CEFET-RJ e poderá ampliar-se, bastando para isso que haja judicialização do processo de escolha de reitor(a)”.
“A MP ignora a diversidade de estrutura interna das IES e a democracia interna ao instituir que os campi serão dirigidos por diretores(as)-gerais, que serão escolhido(a)s e nomeado(a)s pelo(a) reitor(a). Do mesmo modo, acaba com eleição direta para a direção das unidades acadêmicas, estabelecendo que o(a)s diretores(as) e os(as) vice-diretores(as) das unidades serão escolhido(a)s e nomeado(a)s pelo reitor(a) para mandato de quatro anos”, destaca a entidade.
SEM URGÊNCIA
A Universidade de Brasília (UnB) destacou em nota que “causa estranhamento o uso desse tipo de dispositivo para um tema que não é urgente”.
A UnB destaca ainda que a regulamentação da autonomia universitária já vem sendo objeto de trabalho adiantado na Câmara dos Deputados, por comissões designadas pelo presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM), as quais têm buscado diálogo com reitores e com a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes).
Para a entidade que congrega os institutos federais de ensino, o Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (Conif), a MP é um retrocesso à democracia e um ataque à autonomia universitária.
“As mudanças impostas ao processo de consulta representam um retrocesso à construção de um procedimento eleitoral historicamente exitoso e bem definido, no qual a paridade entre as categorias (estudantes, professores e técnico-administrativos), a indicação (única) do candidato vencedor e a eleição de diretores-gerais refletem o reconhecimento dos diversos segmentos da comunidade e fortalecem a institucionalidade da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica”, diz a nota do Conif.
A entidade também questiona o uso de medida provisória para tratar do tema, dizendo que “considera indevido o teor de tal MP, visto que há uma legislação vigente e que o tema não atende aos pressupostos de admissibilidade – urgência e relevância – que justifiquem o ato da presidência da República, arranhando, dessa forma, o Estado Democrático de Direito”, disse.
Segundo o Conif, a MP “surge na contramão da democracia, fere a lei de criação dos institutos federais (Lei nº 11.892/2008) e, de forma inadequada, se sobrepõe à autonomia das instituições”. A entidade afirmou que se reunirá em 15 e 16 de janeiro para definir estratégias para reverter a medida no Congresso.
DESRESPEITO AO PARLAMENTO
A coordenadora da Frente Parlamentar Mista pela Valorização das Universidades Federais, a deputada Margarida Salomão (PT-MG) afirmou que vai oficiar o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), para que a MP seja devolvida e não seja apreciada, “em função da ausência de motivos que justifiquem o uso do instrumento neste caso”. Ela também pretende acionar o Supremo Tribunal Federal (STF).
“Em plena véspera do Natal e durante o recesso parlamentar, o governo Bolsonaro editou Medida Provisória que afronta de forma gravíssima a autonomia universitária, ao mudar profundamente o processo de escolha dos reitores das instituições de educação superior. É uma medida grave, adotada de forma antidemocrática e sem nenhum debate com o setor”, publicou em suas redes sociais.
Segundo a deputada, a “iniciativa é imprópria, inadequada, autoritária e, especialmente, inconstitucional. É, além de tudo, um desrespeito à tradição de quase 30 anos que tem resultado, com efeito, na escolha de dirigentes qualificados, fato comprovado pelos excelentes índices de desempenho das universidades, e pelo reconhecimento internacional alcançado. Caso o governo insista neste debate, que o faça da maneira adequada: através de projeto de lei”, disse Margarida.
A deputada federal Alice Portugal (PCdoB-BA) também defendeu que o Congresso devolva a MP que altera o formato de escolha de reitores de instituições federais de ensino.
“Uma forma autocrática, indesejável, que não tem qualquer relevância ou urgência para se caracterizar em forma de medida provisória. A comunidade universitária há muito resolveu os problemas de sua democracia e tem autonomia legal e constitucional para isso”, reagiu Alice em um vídeo publicado em suas redes sociais.
Para a parlamentar baiana, caso seja levada adiante, resultará em “mais um processo de convulsão interna na educação superior brasileira, já tão abalada pelos desatinos de Weintraub. “É uma interferência indevida a autonomia dessas instituições. Por isso somos contra a MP e queremos devolvê-la”, afirma Alice.
O deputado Elias Vaz (PSB-GO) entrou com mandato de segurança junto ao Supremo Tribunal Federal contra a MP 914. Para o deputado, a MP “representa uma afronta à autonomia universitária”.
O deputado federal Ivan Valente (SP), líder do PSOL na Câmara, também apresentou ofício a Davi Alcolumbre exigindo a imediata devolução da Medida Provisória 914. Para o PSOL a MP, “além de incidir em inconstitucionalidade por violação aos requisitos formais para edição de Medida Provisória, viola a autonomia universitária (art. 207 da Constituição Federal)”.
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