O ministro aposentado do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Gilson Dipp, afirmou que a medida provisória (MP) 966, publicada na quinta-feira (14) pelo governo Bolsonaro, é uma medida “autoritária” e “obscura”.
“Essa medida provisória, ela tem endereço certo. Ela quer proteger agentes públicos, em essencial do executivo, e eu diria até do próprio presidente da República, porque é uma medida desnecessária, autoritária, obscura, que visa proteger o agente que tenha praticado um ato com dolo [com intenção]”, disse Dipp em entrevista para o Jornal Nacional da TV Globo. Gilson Dipp também foi corregedor do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
A MP estabelece que os agentes públicos só poderão ser responsabilizados se houver comprovação de “erro grosseiro” ou “dolo” (intenção de cometer uma irregularidade) em ações durante o combate à pandemia do coronavírus.
Mas até o termo “erro grosseiro” na MP é vago e abre espaço para livrar corruptos de punições.
A MP tem força de lei assim que publicada no “Diário Oficial da União”. O texto precisa, contudo, ser aprovado pelo Congresso Nacional para se tornar uma lei em definitivo.
O ex-ministro da Controladoria-Geral da União (CGU), Jorge Hage, declarou que é preciso ter “cautela” em relação ao texto da MP publicada pelo governo.
“É preciso que essa MP 966 seja analisada com muita cautela antes da sua aprovação pelo Congresso porque ela abre, talvez excessivamente, alguns conceitos muito vagos que são adotados do tipo de erro inescusável manifesto”, disse Hage.
Hage sustentou que a MP abre brecha para os corruptos agirem impunemente.
“Porque você acaba desviando para o bolso dos corruptos e dos corruptores o dinheiro que devia estar sendo aplicado na saúde, para preservação da vida das pessoas. Então é preciso ter a medida da flexibilização. E essa MP, na minha opinião, ultrapassou esse limite”, completou Hage.
Entre os especialistas ouvidos pelo JN, a constitucionalista Vera Chemin disse que, indiretamente, Bolsonaro pode estar tentando se proteger com a MP.
“É possível que, indiretamente, ele esteja tentando se proteger sim com a MP. Enquanto não perde o vigor ou é declarada inconstitucional, a MP continua válida e ela está deixando de responsabilizar os agentes públicos pelo que foi feito. E o Bolsonaro é um agente público, ele pode ser responsabilizado penalmente e por crime de responsabilidade pelos atos que comete”, afirmou Chemin.
Para José Luiz Souza de Moraes, procurador do estado na área da saúde, professor de direito constitucional e especialista em Direito do Estado, a MP é inconstitucional. Ele comparou o texto a um “salvo-conduto” para cometimento de irregularidades.
“É inconstitucional e em certos pontos ela é desnecessária. Ela é um salvo-conduto”, afirmou. “É algo que deixa extremamente subjetivo o que é ser descuidado. Exigir esse alto grau de negligência, tem que ser muito indiligente e sem cautela, o que destoa do mandamento constitucional”, completou.
Mérces da Silva Nunes, advogada especialista em Direito Médico, também falou em salvo-conduto. “Isso foi um salvo-conduto para o Brasil inteiro, de forma que a responsabilização do agente público vai ser absolutamente difícil por conta dessa amplitude de base de avaliação. Nunca vai permitir a responsabilização do agente”, afirmou a especialista.