Nesta sexta-feira (6), Bolsonaro anunciou o envio para o Congresso de uma Medida Provisória que cria a “ID Estudantil”, uma MP que, segundo ele, é uma “bomba” para evitar que “certas pessoas promovam o socialismo nas universidades”.
O anúncio da MP que estabelece uma carteira de estudante virtual foi realizado em cerimônia no Palácio do Planalto e contou com a presença do ministro da Educação, Abraham Weintraub, e do proprietário da rede de lojas “Havan”, Luciano Hang. Segundo o governo, quem portar o documento poderá pagar meia entrada em shows, teatro, cinema e eventos culturais.
Como ficou claro no anúncio da MP, o objetivo do governo não é garantir o direito dos estudantes à meia entrada, mas sim, perseguir o movimento estudantil que protesta contra os cortes no orçamento da Educação e da Ciência brasileira.
“Essa lei de hoje, apesar de ser uma bomba, é muito bem vinda, vem do coração. E vai evitar que certas pessoas, em nossas universidades, promovam o socialismo. Socialismo esse que não deu certo em lugar nenhum do mundo, e devemos nos afastar deles”, disse Bolsonaro durante a cerimônia.
O ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, citou diretamente as entidades estudantis. “Instituições como a UNE e outras, impregnadas por uma esquerda… O que nós estamos fazendo hoje é libertar cada jovem, cada estudante. Não pagar dinheiro nem para UNE nem para Ubes, para quem quer que seja. Basta acessar a internet e fazer o cadastro”, afirmou o bolsonarista.
RETALIAÇÃO
Desde que os cortes no orçamento das instituições federais de ensino foram anunciados por Abraham Weintraub, milhões de pessoas foram às ruas nos protestos liderados pelos estudantes.
A MP é considerada pelas entidades como uma tentativa de enfraquecer do movimento estudantil, uma ameaça ao orçamento dos responsáveis pela emissão do documento.
Atualmente é possível emitir o documento através da União Nacional dos Estudantes (UNE), União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes) e Associação Nacional de Pós-graduandos (ANPG), além de entidades municipais filiadas e pelos Diretórios Centrais dos Estudantes (DCEs) e Centros e Diretórios Acadêmicos.
O Documento de Identificação dos Estudantes foi criado com base na Lei da Meia Entrada (Lei 12.933/2013), que garante aos estudantes dos ensinos infantil, fundamental, médio/técnico, graduação e pós-graduação o direito à meia-entrada.
De acordo com o presidente da UNE, Iago Montalvão, a entidade se surpreendeu com a MP, o que considerou fruto de um desvio de prioridades na pasta da educação. “Sabemos que se trata de uma tentativa de retaliação às mobilizações e protestos que ocorrem em todo o país. A educação passa por dificuldades com corte nas bolsas, universidades sem orçamento e o governo se preocupa com coisas que não são a prioridade neste momento”, denunciou.
Iago relembrou a construção da Lei da Meia Entrada, que foi construída a partir de um intenso debate com estudantes, produtores culturais e artistas. “A Lei da Meia Entrada foi aprovada por ampla maioria no Congresso como resultado de um longo debate feito por anos com vários setores da sociedade. Essa MP passa por cima desse acúmulo histórico. Nós vamos nos organizar juridicamente com relação ao tema porque a carteira estudantil foi proposta como garantia de direitos. Todos os Diretórios serão prejudicados em sua autonomia financeira”, comentou.
ÓDIO
Para o presidente da União Municipal dos Estudantes Secundaristas de São Paulo (UMES), Lucas Chen, o objetivo de Bolsonaro “é calar os que se manifestam contra a sua política de retrocesso”.
“Esse ódio contra os que defendem o nosso país é mais uma característica do fascismo que norteia o governo Bolsonaro, persegue todos os que denunciam os seus crimes contra o futuro do nosso povo”, destacou Lucas.
A presidente da União dos Estudantes de Pernambuco (UEP), Manuela Mirella Nunes da Silva, ressalta que o financiamento existe para que sejam organizadas atividades de integração e debates nos Centro Acadêmicos. “Esse decreto pretende desmobilizar o movimento estudantil. A verba é utilizada para realizar projetos diários em todos os Diretórios. Isso serve para criminalizar e desmobilizar o movimento estudantil, mas a UNE existe há 83 anos e não vai acabar”, defende.
A presidente da União Metropolitana dos Estudantes Secundários de Porto Alegre (UMESPA), Vitória Cabreira, também considerou a MP como uma tentativa de perseguição. “Os Estudantes não estão dando paz para esse desgoverno, que está afundando o Brasil. Por isso Bolsonaro está lançando uma MP para tentar acabar com o financiamento da Rede do Movimento estudantil. Isto é retaliação à livre organização”, destacou Vitória.
A presidente da ANPG, Flávia Calé, afirma que se trata de uma “perseguição política, antidemocrática, tomada sem nenhum debate”.
“Diante de tamanha crise econômica, da catástrofe ambiental na Amazônia, de forte calamidade social, com elevadíssimo índice de desemprego, fazendo cair drasticamente a aprovação do governo, qual a urgência do governo em investir recursos que eles dizem que não existem para fazer um certificado digital para estudantes?”, questiona.
A presidente da ANPG destaca que todo o dinheiro arrecadado pela entidade é dividido pela ANPG com as Associações de Pós-Graduandos de cada universidade. “Esse recurso é tratado com absoluta transparência, aprovação das contas nos fóruns da entidade”, defende.
“O movimento estudantil sobreviveu à ditadura, ajudou a conquistar a democracia e jamais vai se render a qualquer projeto de governo tirano em nosso país. Os inimigos da educação e da ciência não conseguirão nos deter”, completa.
Leia a nota das entidades estudantis – UNE, UBES e ANPG
Carteira de Estudante do governo tenta desviar foco de problemas reais da educação, é retaliação aos estudantes, abuso à privacidade e um retrocesso ao direito da meia-entrada.
1 – A criação de uma carteira estudantil pelo Governo Bolsonaro é uma iniciativa demagógica que visa tirar a atenção dos reais problemas da educação e da ciência brasileira. É ainda uma ação autoritária que tem como objetivo retaliar e enfraquecer as entidades estudantis, diante da luta que os estudantes têm realizado contra os cortes na educação. Tal afirmação está evidenciada em diversas manifestações das autoridades governamentais, como o Presidente Bolsonaro que se referiu aos centros acadêmicos como “ninhos de rato”, e afirmou seguidas vezes sua intenção em enfraquecer e perseguir a UNE e os estudantes organizados através desta iniciativa.
2 – É extremamente preocupante as evidências de invasão à privacidade e controle ideológico junto aos estudantes que se apresentam na iniciativa. Nas palavras do Secretário de Educação Superior do MEC foi um erro histórico “se manter distante dos nossos clientes que são os nossos estudantes“ e que “temos que ter uma nova forma de se comunicar com os estudantes”. Em maio deste ano foi pública a tentativa do MEC em acessar os dados sigilosos de estudantes nas bases do INEP, iniciativa que foi negada pela procuradoria federal e que gerou a queda do então presidente do Instituto.
3 – Para Iago Montalvão, presidente da UNE “A prioridade nesse momento deveria ser a retomada nos investimentos em educação, uma vez que a pesquisa brasileira e as universidades federais passam por uma situação extremamente grave. Enquanto isso o governo quer criar novas despesas para atacar as entidades estudantis e impedir a luta dos estudantes contra os cortes.” A UNE reafirma que não aceita intimidação e que não sairá das ruas na defesa da educação e dos estudantes. A expectativa é que a iniciativa anunciada hoje será rejeitada pela sociedade e negada pelo Congresso Nacional.
4- Essa medida contrasta com o discurso adotado no lançamento, como por exemplo a presença caricata do empresário Luciano Hang, dono da rede de lojas Havan, que já foi notificado pelo Ministério Público e processado pela justiça por divulgação de fake news. Além da insinuação de que as entidades estudantis estivessem “promovendo o socialismo” nas universidades, em uma clara tentativa de Bolsonaro criar uma falsa polarização na sociedade.
Sobre a Lei da Meia Entrada
5 – A lei da meia entrada (12933/2013) é resultado de debate realizado entre estudantes, artistas e produtores culturais. Esta legislação foi consolidada após mais de 10 anos de debates no Congresso Nacional, e tem representado uma nova condição para a meia entrada estudantil, garantindo o benefício a quem de fato tem direito, o combate as fraudes e a proteção ao equilíbrio econômico dos produtores culturais.
6 – Na cerimônia de lançamento Jair Bolsonaro mentiu sobre o número de emissões de carteiras e o valor arrecadado pelas entidades estudantis para confundir e enganar a opinião pública brasileira. Desde a sanção da nova lei, a UNE emitiu em média de 150 mil documentos por ano sendo que mais de 20 mil de forma gratuita. Portanto, cerca de 2% do total de estudantes de ensino superior emitiram documentos diretamente com a UNE sendo que a ampla maioria o fez diretamente com seus, Grêmios, Centros, Diretórios Acadêmicos, Associações de Pós Graduandos e Entidades Estaduais. A receita proveniente da emissão de carteiras é fonte de financiamento de toda esta rede de entidades estudantis brasileiras, o que reforça a capacidade de independência e organização destas entidades que estão sendo atacadas.
7 – A UNE, UBES e ANPG já emitem gratuitamente o documento para estudantes de baixa renda sem nenhum custo aos cofres públicos, conforme prevê a Lei 12.933/2013.
8 – A UNE está extremamente preocupada com o retrocesso que poderá ser causado ao próprio direito a meia entrada dos estudantes. Com a aprovação da nova lei (12933/2013) um novo fôlego de seriedade tem sido construído com amplo esforço das entidades estudantis organizadas, que emitem seus documentos hoje padronizados em todo o Brasil e com certificação digital. É lamentável a irresponsabilidade do Governo Federal em propor uma alteração nas regras sobre a meia entrada via Medida Provisória, desrespeitando o Congresso Nacional, causando uma enorme insegurança jurídica e colocando em risco o próprio direito de milhões de estudantes.
São Paulo, 06 de setembro de 2019.
Leia mais: