
Senador Flávio Bolsonaro e a mulher obtiveram financiamento de R$ 3,1 milhões do BRB sem renda que justifique sua liberação. MP-DF decidiu investigar o que teria levado o banco a oferecer a benesse a um político investigado por roubo
O Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios abriu uma investigação sobre a concessão de um empréstimo do Banco de Brasília (BRB) ao senador Flávio Bolsonaro para financiar parte da compra de uma mansão no valor de R$ 6 milhões pelo parlamentar na capital federal. A análise começou a partir de uma representação recebida no último dia 16 pela Ouvidoria do Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios. Os investigadores ainda reúnem elementos sobre o caso.
A mansão fica no Setor de Mansões Dom Bosco, um dos mais valorizados da capital federal. O imóvel tem área total de 2,4 mil metros quadrados. Do valor total do imóvel, R$ 3,1 milhões foram financiados pelo BRB. O pagamento do financiamento será feito em 360 parcelas, a uma taxa de juros de balcão efetivos de 4,85% ao ano e taxa de juros efetivos reduzida de 3,71% ao ano, bem abaixo das taxas de mercado. As parcelas vão ser cerca de R$ 20 mil.

Na explicação dada, na ocasião, pelo senador da rachadinha, que, por coincidência, desviou, neste esquema, segundo o Ministério Público do Rio, R$ 6,1 milhões dos cofres públicos da Assembleia Legislativa do estado, ele contou que, para juntar o dinheiro, vendeu um imóvel na Zona Sul do Rio, mas, até agora, não apresentou a escritura dessa venda. Informou também que vendeu sua participação em uma loja de chocolates. A mesma que o MP-RJ avalia que foi usada para lavar dinheiro roubado.
Em nota, o BRB informou que as taxas de juros do banco estão disponíveis a todos os clientes, conforme análise de risco de crédito. Nenhuma garantia foi dada pelo senador para obter o financiamento. “A concessão de qualquer operação de crédito segue padrões e normas bancárias e se fundamenta em documentos e informações fornecidos pelos clientes e/ou em informações de mercado disponíveis sobre os clientes”, diz o texto da nota.
EMPRÉSTIMO SEM LASTRO
Segundo o BRB, todas as operações de crédito imobiliário na instituição “são submetidas a avaliação e consideram renda individual ou composição de renda, seguindo práticas do mercado bancário brasileiro”. A renda do senador e de sua mulher juntos está na faixa de de R$ 30 mil, já a prestação do financiamento será de R$ 20 mil. Supreendentemente, o BRB não considerou risco a aprovação de um financiamento que compromete dois terços da renda do casal.
O senador é investigado desde 2018 pelo desvio de R$ 6,1 milhões de recursos públicos, num esquema, que ficou conhecido como rachadinha, que consistia em lavagem de dinheiro obtido através da contratação de funcionários fantasmas no gabinete de Flávio Bolsonaro, quando este era deputado estadual. O operador do esquema era Fabrício Queiroz, que recolhia os repasses dos fantasmas e os repassava ao deputado, e demais integrantes da família, além de pagar as contas particulares do parlamentar. Foi Queiroz quem depositou, sem nenhuma explicação plausível, uma quantia de R$ 89 mil, distribuídos em 23 cheques, na conta da primeira-dama, Michelle Bolsonaro.
Entre os funcionários fantasmas que repassavam recursos para o deputado estão a mãe e a ex-mulher do miliciano Adriano da Nóbrega, chefe da milícia de Rio das Pedras e do Escritório do Crime, uma espécie de central de assassinatos por encomenda das milícias do Rio. Raimunda Veras, mãe do pistoleiro, que foi homenageado por Flávio Bolsonaro, e Danielle Mendonça da Costa da Nóbrega, ex-mulher do miliciano, repassavam valores tanto para o deputado quanto para o próprio assassino. Este fato fez com que o MP-RJ suspeitasse de lavagem de dinheiro da milícia através do gabinete de Flávio Bolsonaro.
ABIN PRODUZIU RELATÓRIOS PARA FLÁVIO
Flávio é suspeito também de ter sido beneficiado com o uso irregular da Abin e do GSI (Gabinete de Segurança Institucional da Presidência) para perseguir funcionários da Receita Federal, com o objetivo de anular as provas de seu enriquecimento ilícito. Os dois órgãos produziram relatórios para ajudar a defesa do senador no processo da rachadinha. Nesta quarta-feira (7), o diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Alexandre Ramagem, e o Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República (GSI) disseram que não houve produção de relatórios para orientar a defesa do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ).
Os dois só não explicaram porque a advogada Luciana Pires, que defende Flávio Bolsonaro, em entrevista à revista Época, em dezembro, afirmou que houve os relatórios. Segundo Pires, foi Alexandre Ramagem, diretor da Abin, quem enviou para o celular de Flávio os dois documentos com as orientações. Veio dele a recomendação para que a defesa protocolasse uma petição na Receita Federal solicitando formalmente os documentos que embasassem a suspeita de que o senador foi alvo de uma devassa ilegal por servidores do Fisco.
“Nenhuma orientação do Ramagem o Flávio seguiu ou me pediu para seguir. Eu não tenho contato nenhum com o Ramagem. Ele ia ajudar em quê? Ele não tem a menor ideia do que está acontecendo lá dentro (da Receita), eu tenho mais informação do que ele. Ele sugeriu esse monte de ação que ninguém seguiu nada”, afirmou Pires, em entrevista à coluna. Perguntada se a Abin havia entregue mais do que dois relatórios, respondeu Luciana Pires: “Não, não passou para mim. Se produziu, Flávio não passou para mim. Se foi produzido além desses, ele não passou.”