
A Medida Provisória 905, apresentada pelo governo Bolsonaro, está repleta de cortes de direitos para os trabalhadores, na faixa etária de juventude ou não.
Tentando empurrar dispositivos que já foram rejeitados pelo poder legislativo em MP passada, o governo tenta agora desconsiderar os acidentes de trânsito ocorridos no trajeto até o trabalho como acidentes de trabalho, impedindo que estes trabalhadores tenham acesso ao seguro fornecido pelo Instituto Nacional de Seguro Social (INSS).
Com isso, o trabalhador perde direitos como estabilidade no emprego; aposentadoria por invalidez acidentária; e depósito do FGTS pelo empregador pelo período que estiver afastado.
De acordo com a explicação de ofício circular do dia 18 de novembro, da Secretaria da Previdência (não publicado no Diário Oficial da União), revoga-se a alínea “d” do inciso IV do artigo 21 da Lei 8.213/1991 que equipara os acidentes de trabalho aos acidentes sofridos, ainda que fora do local e horário de trabalho, na prestação de qualquer serviço à empresa. Assim, se um trabalhador sofrer um acidente no percurso a trabalho e precisasse ficar afastado das atividades, tornava-se segurado do INSS.
O ofício se baseia na alínea “b” do inciso XIX do artigo 51 da MP 905, que revoga esse e outros dispositivo que garantem o acesso à seguridade. Com a MP, o trabalhador perderá esse direito e o “impasse” passa a ser “resolvido entre empregado e empresa”, sem a Previdência Pública, aumentando o grau de vulnerabilidade no qual o trabalhador acidentado já está posto.
Bolsonaro já havia tentado aprovar essa medida durante a tramitação da MP 871/2019 que chamou de “pente fino no INSS”, mas foi derrotado no Congresso Nacional. A intenção da MP era dificultar ainda mais os pagamentos, com o argumento de que havia inúmeras irregularidades na concessão de benefícios. “Inúmeras” porque o governo não apresentou quantas eram ou mesmo se existiam. Quando a MP chegou ao Congresso, a base aliada do governo tentou acabar com a classificação de acidentes sofridos no trajeto até o trabalho como acidente de trabalho, sem sucesso.
Baseando-se nos dispositivos aprovados na reforma trabalhista do Governo Temer, em 2017, que acabaram com as chamadas “horas in itinere” (tempo gasto pelo trabalhador no deslocamento de sua casa até o trabalho, que deixou de ser considerado como parte da jornada de trabalho), os acidentes sofridos deixaram de ser responsabilidade do INSS. A ideia foi formalizada no relatório do projeto de conversão da MP em lei, do deputado Paulo Martins (PSC-PR).
A jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho considera esse período como à disposição do empregador, portanto, componente da jornada.
De acordo com o especialista em Direito do Trabalho, Ricardo Calcini, a nova regra não isenta as empresas de responsabilidade civil nos casos de acidente sofrido no caminho para o trabalho. “Afinal, já há consenso na jurisprudência que existe independência entre a responsabilidade previdenciária prevista na Lei nº 8.213/1991, e a responsabilidade do empregador prevista no Código Civil”, explica.
Cortes de verbas para a fiscalização do trabalho
Ao mesmo tempo em que a MP 905 impede que o trabalhador tenha acesso ao seguro saúde fornecido pelo INSS em caso de acidente no trajeto para o trabalho, o governo Bolsonaro pretende cortar as verbas para às fiscalizações das condições de trabalho em até 63%, já no orçamento para 2020. Esse é o primeiro orçamento apresentado pela atual gestão.
O orçamento apresentado prevê R$ 26 milhões para operações de inspeção de segurança e saúde no trabalho, combate ao trabalho escravo e verificações de obrigações trabalhistas, enquanto em 2019 o orçamento era de R$ 70,4 milhões.
Os cortes fazem parte de uma série de medidas adotadas pelo governo para desmontar a legislação trabalhista, retirando garantias importantes do conjunto dos trabalhadores.
Desde o início de seu mandato (até mesmo antes disso), Bolsonaro tem investido contra os direitos trabalhistas, começando pela extinção do Ministério do Trabalho, reduzindo-o à secretaria do Ministério da Economia, as Medidas Provisórias que dificultaram o pagamento das contribuições sindicais e o enfraquecendo às Normas Regulamentadoras do trabalho.
O corte no orçamento, na avaliação do procurador do Trabalho, Márcio Amazonas, mostra essa linha de raciocínio na lógica do governo para enfraquecer os direitos dos trabalhadores, colocando-os numa maior relação de vulnerabilidade laboral.
“Quem já passou por cidades do interior sabe que a fragilidade dessa população é maior, porque não tem auditor do trabalho nessas cidades, não têm núcleo móvel de trabalho escravo. Esses lugares vão virar terra de ninguém”, afirma.