Promotoria identificou que 150 aditivos contratuais concedidos sem análise individual; gestão estadual afastou servidores que denunciaram o caso
O Ministério Público de São Paulo (MPSP) investiga um esquema de pagamentos irregulares no governo do estado de São Paulo que resultou em um prejuízo de cerca de R$ 50 milhões aos cofres públicos, em contratos do programa Melhor Caminho, da Secretaria de Agricultura .
As investigações, no entanto, esbarraram em uma suposta interferência da gestão do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), que teria atuado para conter as apurações e demitido servidores que alertaram sobre o caso .
De acordo com as investigações, as renovações datam do final de 2022, na reta final do governo de Rodrigo Garcia (PSDB), quando 150 aditivos contratuais foram assinados em curto espaço de tempo, beneficiando empresas executoras de obras em estradas rurais .
O relatório interno apontou que os reajustes foram feitos “em bloco”, sem a análise individualizada de cada contrato, e com base em justificativas frágeis, como a pandemia de Covid-19 e a Guerra na Ucrânia – eventos que, em sua maioria, ocorreram antes mesmo da assinatura dos contratos originais .
O então coordenador de Logística Rural, Emílio Nicanor Galan Francês, definiu a situação com uma frase emblemática: “Foi a primeira vez que eu vi o rabo balançar o cavalo” . Em seu depoimento, ele detalhou que “na verdade, não foram as empresas que pediram o reequilíbrio, foi a secretaria, através da coordenadoria de logística rural, que distribuiu um documento” .
No ano seguinte, já sob a gestão Tarcísio, uma apuração interna conduzida pela própria Secretaria de Agricultura, então comandada por Antonio Junqueira, concluiu que os aditivos foram concedidos de forma ilegal.
Contudo, de acordo com o Metrópoles, em meio ao desgaste político gerado pelas denúncias, especialmente em alas do MDB ligadas ao deputado estadual Itamar Borges, que comandou a pasta em 2022, a gestão Tarcísio passou a minar a autoridade de Junqueira na pasta, a começar pela exoneração do então secretário-executivo Marcos Boettcher, seu braço direito.
Contudo, após uma série de ingerências na pasta, Junqueira pediu exoneração no dia 4 de outubro de 2023 e, com sua saída, a gestão Tarcísio passou a defender a lisura dos contratos.
Böttcher, então secretário-executivo e servidor egresso do Tribunal de Contas do Estado (TCE), afirmou em depoimento ao MP-SP que levou o caso ao governador Tarcísio de Freitas. Segundo Böttcher, o governador disse: “Vou dar um conselho para vocês: formalizem tudo e encaminhem para os órgãos de controle externo” .
Apesar do conselho, Böttcher foi demitido semanas depois. Em seu depoimento, ele disse que o então secretário Antônio Junqueira “estava totalmente desconfortável e disse que tinha recebido uma ligação do governador para indicar outro nome” para seu cargo . Junqueira, por sua vez, pediu demissão posteriormente, alegando motivos pessoais .
No lugar deles, assumiu a pasta Guilherme Piai, considerado como pessoal de Tarcísio. Sob sua gestão, a secretaria arquivou a investigação interna e emitiu um novo parecer, em junho de 2024, declarando a regularidade dos contratos. Paralelamente, Piai promoveu a Ricardo Lorenzini, servidor que era chefe de gabinete à época da assinatura dos aditivos e que é apontado pelo MPSP como um dos responsáveis por liberar os pagamentos. Lorenzini hoje é subsecretário de Gestão Corporativa da secretaria. Levando a crer que o governo agiu intencionalmente para acobertar o esquema.
Enquanto isso, o Ministério Público, por meio da Promotoria do Patrimônio Público, seguiu adiante com as investigações. O promotor Ricardo de Barros Leonel identificou que os reequilíbrios foram concedidos com “decisão por atacado”, em um “curtíssimo espaço de tempo” e com “fundamentação padronizada e genérica”, o que “leva à inevitável conclusão de que não foi feita análise individualizada” .
O MPSP já ajuizou 12 ações civis públicas e, em pelo menos duas delas, obteve sucesso em pedidos de bloqueio de bens . Um dos alvos é o próprio subsecretário Ricardo Lorenzini, que teve bens bloqueados no valor de R$ 266 mil em uma das ações . As medidas visam garantir o ressarcimento aos cofres públicos, caso haja condenação .
Para o MP, “o que ocorreu foram desembolsos injustificados por parte da administração pública e recebimentos indevidos por parte da empresa contratada”.
O Centro de Apoio Operacional à Execução (Caex) do MP-SP atestou “não apenas a ilegalidade formal da determinação de reequilíbrio econômico-financeiro do contrato em questão” como também “a impertinência da concessão do reequilíbrio” .