A Medida Provisória 868/18, que altera o marco legal do saneamento básico para facilitar a privatização dos serviços de água, não será levada à votação, conforme decisão de líderes partidários da Câmara dos Deputados, na terça-feira (28).
A retirada de pauta da MP foi considerada uma vitória da mobilização dos trabalhadores do setor, que nos últimos meses fizeram inúmeras manifestações de denúncia dos prejuízos que o projeto poderia causar à população.
Em nota, o Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente do Estado de São Paulo, que representa os trabalhadores da Sabesp e da Cetesp, comemorou a vitória das mobilizações das categorias do setor nas ruas, assim como dos deputados de oposição ao projeto na Câmara dos Deputados.
“O Sintaema esteve presente em todos os mais de 100 dias de luta contra essa MP, mobilizando a categoria em dois grandes atos de rua e diversas atividades com o fórum das entidades, com equipes e caravanas a Brasília, além de liderar a articulação na Câmara e na ALESP (Assembleia Legislativa de SP) contra a privatização do setor”.
Para o presidente da Federação Nacional dos Urbanitários (FNU), Pedro Blois, “esta é uma vitória maiúscula que tivemos porque conseguimos aglutinar todas as entidades e os parlamentares de oposição”.
A vitória também foi comemorada pelo deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) na Câmara: “Essa MP 868 abria caminho para a privatização do saneamento, para restringir ainda mais o acesso à água. Água é um direito vital do nosso povo. E a derrota da MP 868 é fruto de uma mobilização importante da sociedade civil brasileira, dos sindicatos, da associação das empresas de saneamento”. “Essa é uma luta em defesa do saneamento público, do acesso à água. Isso é parte de uma reforma urbana que o brasil precisa desenvolver. E é inevitável a participação do Estado. O Estado tem o papel de alavancar os investimentos para que o direito à vida, ao saneamento e a água seja realidade na vida do nosso povo. Fica a mensagem: a luta vale a pena”, concluiu o deputado.
“Vencemos a batalha, mas a guerra continua”, ressalta o Sintaema, afirmando que a próxima batalha será o PL em regime de urgência, que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, pretende colocar em votação na próxima semana.
MP DO SANEAMENTO E PRIVATIZAÇÕES
A principal mudança que a chamada MP do Saneamento trata é a forma de gestão da água e esgoto, acabando com o modelo de Contrato de Programa, utilizado pelos municípios para contratar empresas estatais, como a Sabesp, por exemplo em São Paulo, para realizar o serviço de saneamento.
Com isso só restariam duas possibilidades aos municípios: administração direta ou licitação, o que abre a porteira para as empresas privadas entrarem no setor. Na avaliação do presidente da Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento (Aesbe), Roberto Cavalcanti, acabar com os Contratos de Programa é o “pior equívoco”. “No fim, o município não terá dinheiro para fazer a administração direta e só vai sobrar a licitação com empresas privadas”, declarou ao Uol.
Junto com essa alteração, o projeto libera a alienação das ações das empresas estatais de saneamento, permitindo que essas empresas sejam privatizadas, tendo como consequência o aumento das tarifas, e a ampliação da exclusão social e da desigualdade.
É o que afirma o ex-Presidente da Empresa Baiana de Águas e Saneamento S.A (Embasa), Abelardo de Oliveira. Para ele, o principal objetivo da MP 868/2018 é tentar viabilizar, de forma inconstitucional, a privatização das empresas de saneamento básico visando atender o pleito da Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (ABCON).
“Os Artigos 8-D; 10-C e 11-B são totalmente inconstitucionais porque ferem a autonomia e a organização dos Municípios e do Distrito Federal. A MPV 868 desestrutura completamente a política de saneamento básico ampliando a exclusão social e as desigualdades regionais. Privatiza o ‘filé’ e deixa o ‘osso’ para os Estados e Municípios. Desfigura e mutila os princípios da gestão associada de serviços públicos e do Contrato de Programa apenas para a área de saneamento básico. Também inviabiliza a prestação regional e destrói o subsídio cruzado praticado pelas companhias estaduais que possibilita que os municípios mais rentáveis financiem os menores e menos rentáveis. Provoca aumento de tarifas e fere de morte as companhias estaduais de saneamento básico, que são responsáveis por 75% da prestação desses serviços, obrigando aos estados e/ou municípios a prestar os serviços dos municípios pequenos e não rentáveis”, pontuou.
A declaração foi feita no Seminário “MP 868 e seus contrapontos”, realizada em março pela Associação dos Engenheiros da Sabesp (AESabesp) em parceria com a APU (Associação dos Profissionais Universitários da Sabesp), com o apoio da ASEC/Cetesb (Associação dos Engenheiros e Especialistas da Cetesb e do Meio Ambiente).
“MOEDA DE TROCA”
De acordo ainda com denúncia da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental – ABES, há um movimento do governo com o objetivo de “trocar” as empresas estaduais de saneamento pelo rombo fiscal gerado nos estados, seja através das concessões, ou propondo venda ou transferência de ações das empresas para “equacionar o déficit fiscal” dos estados com a União.
“O discurso que vem sendo utilizado pelos defensores desta premissa prega pela universalização do saneamento e a preocupação com a população. Nada mais ilusório. O fato é que não se está discutindo uma proposta para melhorar a prestação de serviços de saneamento aos cidadãos, levar mais água tratada, coletar e tratar mais esgoto; o objetivo é pura e simplesmente o equacionamento fiscal dos estados. E as empresas estaduais passaram a ser apenas uma ‘moeda de troca’”, diz a ABES.
Assista ao vídeo do pronunciamento do deputado Orlando Silva (PCdoB)