
O Ministério Público do Rio Grande do Sul (MPRS) ingressou com uma ação civil pública contra a Prefeitura de Porto Alegre, comandada por Sebastião Melo (MDB), responsabilizando a administração municipal pelos impactos da enchente que atingiu a cidade entre 27 de abril e o final de maio de 2024. O episódio, classificado como uma das maiores tragédias urbanas do Estado, é atribuído a falhas no Sistema de Proteção contra Cheias que, segundo os promotores, poderiam ter sido evitadas.
A iniciativa, assinada pelos promotores Carla Carrion Frós, do Núcleo de Proteção dos Direitos das Vítimas (NUVIT), e Cláudio Ari Mello, coordenador do Centro de Apoio Operacional de Defesa da Ordem Urbanística e Questões Fundiárias (CAOURB), busca garantir reparações por “danos morais coletivos e danos materiais e morais individuais homogêneos” aos moradores e empresários afetados. A ação, de número 5085281-97.2025.8.21.0001, foi ajuizada no dia 31 de março.
Na petição, o MP solicita à Justiça a suspensão das ações individuais em curso relacionadas à enchente, com o objetivo de evitar decisões conflitantes. “A decisão pelo ajuizamento de uma ação coletiva tem como objetivos ampliar o acesso à Justiça das vítimas das enchentes; a racionalização da prestação do serviço de Justiça; além de potencializar as chances de que uma única decisão beneficie toda a população, evitando disparidades no tratamento judicial aos casos individuais”, explicou Cláudio Ari Mello.
Para os promotores, os danos provocados pela cheia são resultado direto de omissões reiteradas do poder público municipal. “As falhas no sistema de defesa contra enchentes foram muitas em abril e maio do ano passado. Inúmeros prejuízos tiveram os moradores residentes nos bairros atingidos. Esses danos, não só materiais, mas também morais, devem ser reparados”, afirmou Carla Frós.
O MP pede que a Prefeitura informe, em até cinco dias, os bairros oficialmente abrangidos pelo sistema de proteção contra cheias. Também é requerida a designação de audiência preliminar de conciliação e a produção de provas documentais, testemunhais e periciais.
Um dos principais pontos da ação é o pedido de indenização coletiva no valor de R$ 50 milhões por danos morais causados à população porto-alegrense. O montante, conforme o MP, deverá ser aplicado ao longo de cinco anos em políticas públicas. A proposta é que os recursos sejam destinados a “obras de adaptação climática em Porto Alegre, como (…) parques lineares, parques fluviais, jardins de chuva, corredores ecológicos”.
Além disso, o Ministério Público requer indenizações individuais para habitantes e empreendedores instalados nos bairros que deveriam estar protegidos pelo sistema. Esses valores serão “definidos em execução individual e coletiva”.
Para os autores da ação, a inundação do Lago Guaíba não foi um evento imprevisível. O MP defende que o episódio não ultrapassou a cota de seis metros prevista no projeto de proteção, o que invalida a tese de caso de força maior. “Apesar da elevação histórica do nível da água, não ocorreu a superação da cota do sistema de proteção contra cheias de Porto Alegre, cuja cota de projeto e de execução era – é – de 6,00m. Por conseguinte, a cidade não deveria ter sido inundada. (…) De fato, a causa da inundação no interior da cidade (…) foram as falhas das soluções estruturais que compõem o Sistema de Proteção contra Cheias”.
A omissão do Executivo municipal, segundo o MP, é evidente. “Já a causa das falhas foi um conjunto de omissões cometidas pela Prefeitura Municipal ao longo do tempo, desde que o Município assumiu a administração exclusiva do sistema, entre as quais contam: falta de vigilância, monitoramento e manutenção adequados e suficientes das comportas; falta de vigilância, monitoramento e manutenção adequados e suficientes das casas de bomba; falta de vigilância, monitoramento e manutenção adequados e suficientes dos diques”.
A ação ressalta que Porto Alegre tem um sistema exclusivo de proteção contra cheias, diferentemente de outras regiões afetadas do Estado. “Esse (…) texto produzido pela prefeitura da Capital esclarece que a gestão do sistema de proteção contra cheias foi integralmente municipalizado (…), em 1990. O DEP exerceu essa função até a sua extinção, em 2017, por iniciativa do prefeito municipal daquele período. Na sequência, a operação do sistema foi transferida para o (…) DMAE”.
O documento do MP ainda inclui testemunhos técnicos que reforçam a tese de negligência. “Outros elementos colhidos (…) revelam a inércia da Administração Pública da Capital em relação a evidências e suspeitas de falhas no Sistema de Proteção contra Cheias”. Um deles é o do engenheiro Augusto Renato Ribeiro Damiani: “Além disso, o depoimento prestado pelo engenheiro Augusto Renato Ribeiro Damiani, antigo funcionário do Departamento de Esgotos Pluviais da Prefeitura de Porto Alegre, relata em detalhes a forma negligente com que era tratada a administração do Sistema de Proteção contra Cheias na Prefeitura Municipal”.
Os promotores reforçam que as falhas são consequência direta de decisões tomadas por diferentes administrações municipais, incluindo a atual. “São omissões decorrentes de decisões tomadas por agentes públicos vinculados à prefeitura municipal, incluindo prefeitos municipais, secretários municipais e dirigentes e servidores de órgãos da administração pública municipal direta e indireta. Nenhuma falha do sistema de proteção contra cheias de Porto Alegre apontada acima é extra-humana. Todas as falhas decorreram de omissões de condutas que poderiam e deveriam ter sido adotadas por agentes públicos no cumprimento das funções típicas de seus respectivos cargos”.
Procurada, a Procuradoria-Geral do Município afirmou que a Prefeitura de Porto Alegre ainda não foi formalmente intimada e, por isso, não se manifestará no momento sobre o conteúdo da ação.