O Ministério Público Federal (MPF) enviou um parecer ao Ministério de Direitos Humanos e da Cidadania defendendo a instauração de processo administrativo para reconhecer a condição de anistiado político de João Cândido Felisberto, conhecido como “almirante negro”. Segundo o MPF, Cândido foi alvo de “uma perseguição sem fim” por toda sua vida.
O militar foi líder da Revolta da Chibata, ocorrida em novembro de 1910, no Rio de Janeiro. O movimento tentou acabar com as práticas violentas de castigos corporais da Marinha contra os marinheiros, em sua maioria negros, no contexto do pós-abolição da escravatura.
O MPF coletou elementos para demonstrar que a perseguição a João Cândido não se limitou à Revolta da Chibata, mas estendeu-se por toda a sua vida. João Cândido morreu no dia 6 de dezembro de 1969, em decorrência de um câncer, aos 89 anos, sem receber reconhecimento ou anistia do Estado brasileiro. Ele recebeu apenas uma pequena pensão concedida pela Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul (ALRS).
“A manifestação da coordenadora-geral de Memória e Verdade da Escravidão e do Tráfico Transatlântico de Pessoas Escravizadas, Fernanda Thomaz, elenca uma série de episódios que, ocorridos após 1946, indicam não apenas a omissão prolongada do Estado brasileiro em anistiar o almirante negro, mas também uma atuação proativa em vigiar, perseguir e controlar a vida e o legado de João Cândido”, destacou o procurador Julio José Araujo Junior, que assina o documento.
Com a anistia política, o marinheiro passaria a ter direito às promoções que teria recebido da Marinha se não tivesse sido expulso, em 1912. A decisão também daria direito a uma pensão aos descendentes de João Cândido. Adalberto, filho do Almirante, hoje tem 85 anos. Além da anistia política, o parecer do MPF também solicita a criação de museus sobre sua história.
HISTÓRIA
A Revolta da Chibata foi uma rebelião ocorrida na Marinha brasileira entre 22 e 27 de novembro de 1910, contra os castigos físicos que os militares de baixa patente recebiam. João Cândido se alistou à corporação em 1895, aos 14 anos. Ele criou um comitê clandestino para organizar uma revolta. A ideia era formar grupos nos navios e realizar um motim.
Na época, os marinheiros tiveram suas reivindicações atendidas e a punição com chibatadas foi extinta. Mas, uma semana depois, quase todos foram presos, mortos ou mandados para seringais na Amazônia. Ao ser solto, João Cândido tentou reunir novamente o comitê de marinheiros, mas foi expulso da Marinha.
Tempos depois, ele foi detido no Hospital dos Alienados como louco. Em 1912, tornou-se estivador e vendedor de peixes no mercado da Praça XV, em frente ao porto. João Cândido morreu em 6 de dezembro de 1969, aos 89 anos, em decorrência de um câncer.
Esse é o segundo parecer produzido no inquérito civil público, instaurado pela Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão (PRDC) no Rio de Janeiro. O órgão acompanha medidas de valorização da memória e do legado do almirante negro, para buscar reparação histórica e enfrentar o racismo no país.
O MPF também encaminhou o documento para a Coordenação de Memória e Verdade da Escravidão e do Tráfico Transatlântico de Pessoas Escravizadas do MDHC. E para a Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados, com pedido de apreciação do Projeto de Lei 4046/2021, originalmente PLS 340/2018, que prevê inscrição de João Cândido no panteão dos heróis e heroínas da pátria.
O panteão fica na Praça dos Três Poderes, em Brasília. O pedido do MPF cita a pesquisa de Silvia Capanema, que relata episódios de perseguição ao marinheiro enquanto estava vivo, e depois em relação à memória dele.
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