Órgão pretende aprofundar investigação sobre compra irregular de blindados pela corporação. Relatório da comissão de inquérito, que investigou o atentado de 8 de janeiro, dedica longo trecho ao caso ocorrido sob o governo Bolsonaro, que desviou a finalidade da PRF para seus interesses mesquinhos e eleitorais
Os primeiros desdobramentos, para além da investigação principal, dos atos golpistas de 8 de janeiro, começam a surgir e expor ainda mais o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Eis que o MPF (Ministério Público Federal) no Rio de Janeiro pede, nesta segunda-feira (23), oficialmente, o acesso ao relatório da CPMI (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito) do 8 de janeiro, encerrada na semana passada no Congresso.
A informação foi confirmada à imprensa pelo procurador Eduardo Benones, que conduz investigação sobre o aparelhamento da PRF (Polícia Rodoviária Federal) e irregularidades na licitação de compra de veículos blindados, no governo do ex-chefe do Executivo, quando a corporação era chefiada por Silvinei Vasques, então diretor-geral.
O documento elaborado pela relatora da CPMI, senadora Eliziane Gama (PSD-MA), aponta indícios de irregularidades na aquisição dos chamados “caveirões” — veículos blindados cuja utilização, no Rio de Janeiro, é feita pelo Bope (Batalhão de Operações Especiais) da Polícia Militar, em operações de invasão nas favelas cariocas.
DESVIOS REMONTAM A 2019
Entre as mais de 1.700 páginas do relatório, Eliziane dedica capítulo, de aproximadamente 36 páginas, com irregularidades, captura ideológica da PRF e desvio de finalidade da corporação pelos aliados de Bolsonaro.
O marco temporal das suspeitas levantadas no documento elaborado pela senadora é 2019, primeiro ano do governo Bolsonaro, quando a cúpula bolsonarista da corporação passou a ser favorecida com recursos orçamentários — que chegaram a ser 8 vezes maiores que os recebidos em gestões anteriores.
BLINDADOS COM FALHAS TÉCNICAS
Tais recursos foram direcionados pela cúpula da PRF em pelo menos uma licitação considerada suspeita: a compra de blindados fabricados pela empresa americana Combat Armor, cujo dono tem ligações com Donald Trump, guru de Bolsonaro. Os veículos, porém, apresentam falhas técnicas e, por isso, alguns estão parados em pátios da corporação, sem jamais terem sido usados — em Brasília há 7 desses.
Uma das falhas estruturais é a falta de reforço no assoalho do blindado da PRF. Por serem altos, precisam ter grossa chapa de proteção na parte de baixo para suportar até mesmo detonação de granadas.
Conforme especialistas, esse reforço não faz parte da blindagem padrão — de nível III-A e comumente encontrada no mercado. Assim, é necessário que seja especificada pelo comprador no fechamento do contrato.
Além disso, os blindados da PRF têm tração em apenas 2 rodas, o que, considerado o peso total, restringe a utilização do veículo, sobretudo em terrenos íngremes. Os “caveirões” também aparentam ter mecânica frágil, pois segundo relatos de policiais rodoviários federais, alguns apresentam defeitos após poucos dias de uso.
POSSÍVEIS FRAUDES E INCONSISTÊNCIAS
Todas essas inconsistências motivaram pedido do MPF para a realização de perícia técnica, a fim de averiguar as condições operacionais dos veículos — 14 foram comprados a custo superior a R$ 100 milhões.
“Estamos investigando e discutindo todos os aspectos, como a questão da blindagem e da capacidade operacional dos blindados. Temos razões para suspeitar, a essa altura das investigações, até mesmo de fraude na licitação. Começamos apurando a capacidade técnica dos carros, mas, hoje, levantamos de uma maneira mais macro a licitação como um todo”, explicou o procurador Eduardo Benones.
Sobre os blindados, a PRF informou, por meio de nota, que “a aquisição dos veículos obedeceu a estudos e critérios apontados à época da gestão passada”. Além disso, a corporação analisa a necessidade de tê-lo na frota.
“Após o período de transição na gestão da PRF, no início deste ano, foi formado, por meio de portaria, em abril de 2023, um grupo de trabalho (GT) dentro da Diretoria de Operações para realização de estudos a respeito do efetivo emprego dos blindados. Os veículos estão sob avaliação da nova gestão quanto à sua efetividade e emprego dentro das necessidades e diretrizes operacionais da instituição”, está escrito na nota técnica.
INDICIAMENTOS NA CPMI
Aprovado por 20 votos favoráveis, contra 11, o relatório da senadora Eliziane Gama pediu o indiciamento de 61 pessoas.
Encabeçam a lista, respectivamente, o ex-presidente da República, e o vice-presidente, Walter Souza Braga Netto, general do Exército, ex-ministro da Defesa, e todos os militares bolsonaristas que fizeram parte do governo.
Está na lista, ainda, o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens, e braço direito de Bolsonaro.
M. V.