
Operação da Polícia Militar realizada no domingo (21) no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo (RJ), deixou pelo menos oito pessoas mortas. Na manhã desta segunda-feira (22), moradores e familiares retiraram nove corpos de dentro de um manguezal localizado no bairro do Palmeiras. Moradores dizem que os corpos tem marcas de tortura e classificam a ação como “chacina”.
De acordo com as primeiras informações reveladas pela Polícia Militar do RJ, o final de semana foi marcado por confrontos entre a corporação e traficantes. Porém, áudios que circulam pela internet revelam moradores falando de um suposto revide, pois um PM foi morto neste sábado (20) durante patrulhamento na região.
Pelos menos três homens mortos não tem anotações criminais por tráfico de drogas. Dos oito corpos encontrados por moradores em uma região de mangue na comunidade e levados para o Instituto Médico-Legal (IML), sete já foram reconhecidos por familiares. Desses, quatro eram investigados em inquéritos.
O delegado Bruno Cleuder, titular da Delegacia de Homicídios de Niterói, São Gonçalo, Itaboraí e Maricá (DHNSGI), abriu um inquérito e o Ministério Público Rio, por meio da 2ª Promotoria de Justiça de Investigação Penal Especializada do Núcleo Niterói e São Gonçalo, instaurou um Procedimento Investigatório Criminal para investigar o caso.
As mortes ocorreram um dia após o sargento da PM Leandro Rumbelsperger da Silva, de 40 anos, ser assassinado, durante um patrulhamento no Complexo do Salgueiro. Segundo o tenente-coronel Major Blaz, a grande maioria dos mortos estavam vestidos com roupas ou itens de camuflagem:
“Dizem que tem muito menino morto lá dentro (do mangue). Tem muita gente chorando. Os policiais quando passaram, estava eu e o meu irmão no portão de casa… quando o Caveirão passou, eles falaram ‘valeu, muito obrigado heim’. Tipo, sabendo o que já tinha deixado lá atrás, entendeu? Os corpos”, relatou uma moradora do Complexo do Salgueiro.
Ela relata que as mães estão entrando no mangue para retirar os corpos de seus próprios filhos. “As mães estão entrando dentro do mangue, com o mangue acima do joelho para tentar puxar os corpos. Tem uns que conseguiram sair”, disse.
Em tom de desespero, outro morador relata que há “muito desespero e corpos”. “Eu to aqui dentro e é mó desespero, você não tem noção, é muito corpo, tô aqui dentro (do mangue), é muito corpo”.
Outra moradora afirma que há mais de 20 corpos dentro do mangue. “Tem muita gente morta, tem umas 20 cabeças (pessoas mortas) dentro do mangue. Só saiu sete, oito garotos… muito conhecido da gente morreu, a gente tava no mangue pra ver se consegue tirar, mas todos mortos”.
“Vieram de qualquer maneira e o resultado é esse. Eles deram tiro para todos os lados e chefes de família ficaram em risco. E o resultado é esse: nove corpos e muitos outros que podem estar no mangue”, diz o homem que reclama da falta de estrutura básica da região. “Não existe segurança pública no Rio. Eles tratam a gente com a morte. Aqui não tem nada. O estado não dá condições para a gente sobreviver. Nós somos manipulados pelo governo e eles fazem isso com a gente.Quem vive no bairro diz que “tinham pais de família” entre as vítimas. Mas eles relatam que criminosos também estão entre os mortos. No entanto, moradores destacam que “os bandidos não precisam ser mortos”.
“Tinham pessoas envolvidas com o crime? Tinham. Mas a grande maioria não tem nada a ver com o fato. Muitas pessoas estão desfiguradas. Se eles tivessem a intenção de prender, não teriam feito isso. Quem correu se salvou. Essas mortes aconteceram de ontem para hoje. (Os policiais militares) passaram de sábado para domingo e ontem durante o dia eles saíram e voltaram. Se fosse troca de tiros, os jovens não estariam assim. Eles fizeram uma chacina. Resgatamos os corpos e não achamos nenhuma arma. Morreu um PM em um dia e no outro eles fizeram uma chacina”, diz outro morador.
Uma jovem de 21 anos, manicure e que mora no bairro há cinco anos, diz que o pai, um comerciante de 43 anos, está entre os desaparecidos e feridos dentro do manguezal. Ela conta que falou com o pai por telefone. No entanto, o aparelho do comerciante ficou sem sinal.
“Meu pai é trabalhador e moramos há mais de cinco anos aqui. Ele estava voltando do trabalho por volta de 15h deste domingo. Na hora do tiroteio, meu pai correu para dentro do mangue. Ele diz que ficou no meio do tiroteio. Só estava tentando vir para casa. Disse que outras pessoas estavam dentro do mangue. Estou com medo e creio que ele esteja vivo. Desde ontem, ele manda mensagem. Mas agora de manhã ele perdeu o sinal. Acreditamos que muitas pessoas estejam morta”, lamentou a jovem.
Outra moradora de 27 anos diz que seu cunhado, David Wilson da Silva Oliveira Antunes, de 23 anos, pai de duas meninas, de 4 e 5 anos, estava dentro de casa, quando foi retirado e assassinado. “O meu cunhado é trabalhador. Eles tiraram ele de dentro de casa, mataram ele dentro do mato”, acusa a mulher.
Investigação
A Deputada estadual Renata Souza (Psol) disse, nesta segunda-feira (22), que vai pedir ao Ministério Público do Rio que investigue a ação da Polícia Militar que resultou em pelo menos oito mortes de suspeitos no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, na Região Metropolitana do Rio. Moradores da comunidade retiraram os corpos que estavam em uma área de mangue.
A parlamentar afirma que a operação na comunidade teve tom de retaliação por conta da morte de um policial militar baleado em um dos acessos ao Salgueiro. O sargento Leandro Rumbelsperger da Silva, de 40 anos, era lotado no Grupamento de Ações Táticas do 7º BPM (São Gonçalo) e foi morto durante patrulhamento em um dos acesso à favela. No domingo, uma idosa de 71 anos foi baleada no braço esquerdo.
“É muito preocupante o que aconteceu no Salgueiro. Além de se apresentar um descumprimento da lei que garantiu critérios das operações policiais em plena pandemia, também tem resquício de operação vingança, quando, infelizmente, um policial vem a óbito e há uma operação desregrada e desorganizada, só para deixar corpos no chão. Nesse sentido, nós estamos apresentando uma representação no Ministério Público Estadual. É preciso que haja imediatamente investigação sobre o que aconteceu no Complexo do Salgueiro”, disse a deputada.
Alguns comerciantes denunciaram abusos por parte dos agentes. Em mensagens pelas redes sociais, muitos alegam que policiais invadiram os estabelecimentos para pegar bebidas que estavam nas geladeiras. Nas paredes, escreveram siglas e nomes de lideranças de outras facções, como o nome do miliciano Danilo Dias, o Tandera.