Os trabalhadores chineses resgatados de trabalho análogo à escravidão na obra de construção da fábrica de carros elétricos da montadora chinesa Build Your Dreams (BYD), em Camaçari (BA), realizada pela construtora terceirizada JimJiang Open Engineering, foram vítimas de tráfico internacional de pessoas, afirmou o Ministério Público do Trabalho (MPT).
Segundo o MPT, os 163 trabalhadores chineses resgatados após semanas de fiscalização conjunta foram “vítimas do tráfico internacional para fins de exploração laboral em condição análoga à escravidão”.
A classificação de tráfico internacional e trabalho análogo à escravidão acontece porque o contrato de trabalho previa que os funcionários tinham parte do salário retido e só teriam acesso ao valor integral se cumprissem todo o período estipulado no documento. Se decidissem romper com o contrato antes, cada pessoa teria que arcar com os custos para ficar no Brasil ou emitir passagens de volta à China. Para investigadores, a prática é semelhante à que acontece quando alguém sai de um estado para trabalhar no outro e as condições impostas, na prática, impedem que a pessoa volte para o estado de origem caso queira.
Também pesou para a classificação de tráfico internacional o fato de que os passaportes dos trabalhadores eram retidos ao chegar no Brasil.
Em nota, a BYD informou que colabora com as investigações e que a construtora terceirizada Jinjang Construction Brazil Ltda havia cometido irregularidades e decidiu encerrar o contrato com a empreiteira.
“A BYD reitera seu compromisso com o cumprimento integral da legislação brasileira, em especial no que se refere à proteção dos direitos dos trabalhadores. Por isso, está colaborando com os órgãos competentes desde o primeiro momento e decidiu romper o contrato com a construtora Jinjiang”, afirmou Alexandre Baldy, vice-presidente sênior da BYD Brasil, na nota.
O Ministério Público Federal (MPF) solicitou o compartilhamento das provas colhidas para que sejam adotadas as devidas medidas, e a Defensoria Pública da União (DPU), ao lado da Receita Federal, organiza os trâmites para a emissão de CPF dos trabalhadores para que eles possam receber os pagamentos no Brasil dos valores relativos à rescisão dos contratos e das indenizações.
A emissão do Registro Nacional Migratório (RNM) para os trabalhadores também está sendo conduzida pela Polícia Federal, para que eles possam retornar à China.
Após uma audiência virtual realizada entre as empresas e os órgãos públicos, também ficou acertado a garantia de compra pela contratante das passagens e custeio de até 120 dólares americanos como ajuda de custo para a viagem de volta à China de sete empregados que têm retorno previsto para o dia 1º de janeiro.
No próximo dia 7 acontece uma nova audiência para que seja apresentada uma proposta de termo de ajuste de conduta, para avaliação das empresas investigadas.
Os trabalhadores foram resgatados após uma denúncia anônima de submissão de trabalhadores chineses a jornadas exaustivas, atos de violência e condições de trabalho degradantes, como camas sem colchões, banheiros insuficientes e precários — em um caso, havia apenas um banheiro para 31 trabalhadores —, itens pessoais misturados com alimentos, refeitório sem condições mínimas de higiene, entre outras irregularidades.
Além disso, de acordo com o MPT, também foram constatados indícios de trabalho forçado. Os trabalhadores pagavam caução, tinham 60% dos salários retidos, recebiam apenas 40% em moeda chinesa, enfrentavam ônus excessivo para rescisão contratual e tinham passaportes retidos.
Na terça-feira (23), após o resgate de 163 operários, parte das obras de construção foi interditada pela força-tarefa dos órgãos federais, composta pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), Ministério Público Federal (MPF), Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), Defensoria Pública da União (DPU) e Ministério da Justiça e Segurança Pública.