
Laura, uma mulher negra, de 89 anos, foi submetida a trabalho análogo à escravidão por quase 50 anos por uma família, em Santos, São Paulo.
O caso de cárcere privado e maus tratos foi denunciado por uma vizinha da família à Delegacia de Proteção às Pessoas Idosas em 2020, e chegou ao Ministério Público do Trabalho (MPT) no ano passado.
Logo depois da denúncia, a vítima foi resgatada, e o MPT deu início a uma ação civil pública contra a família. Na ação, o MPT pede que a Justiça condene a família a pagar uma indenização de R$ 1 milhão por danos morais coletivos.
Na denúncia, a vizinha apresentou à polícia uma gravação em que a idosa é xingada de “demônia” e “cretina”.
Após as investigações, descobriu-se que a mulher, que havia perdido a carteira de identidade na década de 70, foi enganada pela família, que prometeu auxiliá-la a tirar um novo documento e foi chamada a trabalhar com a família.
A família, não só não a ajudou a emitir um novo documento, como a manteve submetida a trabalhar sem salário, sob constantes agressões físicas e verbais, e proibida de procurar seus parentes.
Segundo relato do MPT, “quando implorava para que a deixassem procurar seus familiares, respondiam que, se ela fosse, perderia para sempre o abrigo e alimentação que recebia ali”.
“A dita escravidão contemporânea tem cor, raça, e no caso do trabalho doméstico, gênero. São as mulheres negras, em sua maioria nordestinas, vítimas de uma vulnerabilidade social extrema que aceitam o trabalho doméstico, muitas vezes em troca apenas de comida e moradia”, afirma o procurador do MPT Rodrigo Lestrade Pedroso.
Ele diz que não há dúvidas de que Laura foi submetida a trabalho análogo à escravidão, “agravado pela vulnerabilidade de pessoa idosa, extremamente simples, que mal consegue descrever tudo por que passou e tampouco ter consciência da situação de exploração a que foi submetida por mais de 50 anos”.
Uma ação trabalhista na 2ª Vara do Trabalho garantiu à empregada o direito de receber um salário-mínimo e ter um plano de saúde custeado pela família que a explorava.
Mesmo que a ex-patroa de Laura e duas de suas três filhas já tenham falecido, o MPT entende que todos se beneficiavam dos serviços prestados por Laura, e, na ação, pede o bloqueio dos bens de todas as filhas, do inventário das falecidas, assim como bloqueio de bens do marido de uma das filhas, que administrava a pensão e os bens da sogra.
“O fato de os réus não residirem no local da prestação de serviços não afasta o vínculo empregatício, já que os serviços prestados como doméstica e acompanhante eram destinados ao núcleo familiar”, e não apenas à ex-patroa com quem Laura residia, diz o MPT.
A idosa agora vive sob os cuidados da sua família, que não sabia se ela ainda estava viva, já que ela não tinha registro civil. Uma de suas filhas morreu sem reencontrar a mãe e a outra atualmente precisa de cuidados psicológicos devido à revelação do que a mãe sofreu durante todos esses anos.