O Ministério Público Federal e o Ministério Público do Pará recomendaram, na última sexta-feira (23), que a mineradora norueguesa Hydro Alunorte suspenda imediatamente as atividades em uma de suas barragens de rejeitos de beneficiamento de bauxita em Barcarena (PA), após identificar que o vazamento de rejeitos atingiu diversas comunidades na região metropolitana de Belém.
Além disso, os MPs afirmaram que a barragem opera sem licença ambiental, “apenas com um instrumento precário de ‘autorização de testes’ ou ‘comissionamento’”, e que não há um plano de alarme emergencial da empresa para a comunidade caso haja algum rompimento ou desastre.
A norueguesa Norsk Hydro é uma das maiores mineradoras do mundo e controla a maior parte da cadeia do alumínio no Pará. No Estado, ela é dona da Mineração Paragominas S/A , que explora uma mina de bauxita; da refinaria de alumina da Alunorte; da fábrica de alumínio da Albras; e da Companhia de Alumina do Pará, as três no município de Barcarena.
Após insistente denúncia da população, e diversas negativas da mineradora e de fiscalizações da Secretaria de Meio Ambiente do Pará, um laudo do Instituto Evandro Chagas (IEC) constatou o vazamento de rejeitos e a presença de diversos metais pesados, inclusive de chumbo, em rios das comunidades no entorno na barragem.
Para o Governo do Pará, o vazamento ocorreu devido às fortes chuvas do período. Já para o MPF e o MPP, a mineradora é responsável e tem grande histórico de crimes ambientais na região, além de não pagar indenizações aos órgãos ambientais e às famílias afetadas.
DUTO
O laudo do IEC apontou que os rejeitos de bauxita da Hydro transbordaram no dia 17 de fevereiro, após fortes chuvas, e atingiram comunidades no município de Barcarena.
A perícia do Instituto flagrou um duto clandestino da mineradora, que conduzia resíduos poluentes para a mata, contaminando o meio ambiente e chegando às comunidades.
Na sexta-feira (24), o procurador da República Ricardo Negrini afirmou que “sem dúvida nenhuma” os rejeitos foram transmitidos ao meio ambiente. “Essa passagem [de rejeitos] certamente se deu por uma tubulação que foi verificada no local, tubulação que não estava prevista no licenciamento ambiental, e também pode ter se dado por extravasamento das bacias [de resíduos]”, disse Negrini. O procurador afirmou ainda não haver dimensão das consequências do incidente.
HYDRO
A Hydro voltou a negar neste domingo o vazamento de rejeitos, segundo comunicado da empresa “as vistorias internas e externas não constataram provas de transbordo ou vazamento dos depósitos de resíduos de bauxita na Hydro Alunorte”.
Mas, em audiência pública promovida por comissão externa da Câmara dos Deputados, na última sexta-feira (23), o vice-presidente nacional da Hydro Alunorte admitiu a existência de duto clandestino em Barcarena. Na audiência estiveram presentes representantes de 60 comunidades afetadas, além de integrantes da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e da Defensoria Pública.
O deputado Edmilson Rodrigues (Psol-PA), coordenador da comissão, disse que “foi denunciada pela comunidade a saída clandestina de resíduos que não foram levados diretamente para o rio, mas para a mata, em uma tentativa de esconder o problema. Da mata, a lama vermelha vai para o rio, causando sérias doenças na população […] Na audiência, o senhor Sílvio Porto, vice-presidente nacional da Hydro, teve de reconhecer que havia um duto”.
IMPACTOS
Segundo o IEC, as amostras de água coletadas em Barcarena apresentaram números elevados de diversas substâncias nocivas aos seres humanos, como fósforo total, alumínio, nitrato de sódio, chumbo, além da elevação da alcalinidade das águas. Ainda de acordo com laudo, as populações das três principais comunidades afetadas, Bom Futuro, Vila Nova e Burajuba, possuem, em sua maioria, poços artesianos de baixa profundidade em casa, o que facilita a contaminação pelo resíduo.
Entre os principais danos causados pela contaminação estão problemas dermatológicos, respiratórios, neurológicos, cardiovasculares e digestivos.
A presidente da Associação Indígena e Quilombola da Amazônia (Cainquiama), Maria do Socorro Costa da Silva, moradora da Comunidade de Burajuba, com população de 1.400 habitantes, afirmou que “o vazamento das bacias já contamina as comunidades, mas o pior é que os próprios funcionários da Hydro avisaram a gente, agora pela manhã, que se houver ou rompimento dessas bacias, nós, os moradores, teremos de sair às pressas de nossas casas, porque tudo ficará soterrado, sob escombros da lama vermelha”. Entrevistada pelo blog Ver-o-Fato, Maria afirmou que por denunciar a empresa sistematicamente, vem recebendo ameaças de morte.
O pastor evangélico Roberto Costa de Souza, que lidera 6 mil pessoas na comunidade Água Verde, afirma que a contaminação dos rios é sua maior preocupação. “O rio Murucupi, um dos principais da região, está morto. É só uma lama vermelha. A empresa possui três estações de tratamento de esgoto que despejam resíduos nos rios da região”, denuncia.
HISTÓRICO
A Hydro Alunorte é reincidente, já foi multada em 2009 pelo Ibama por vazamento de rejeitos de bauxita no rio Murucupi, na época colocando a população local em risco e gerando mortandade de peixes e destruição significativa da biodiversidade. As multas, que somam R$ 17,1 milhões, não foram pagas até hoje. A empresa recorreu e informou que acompanha os processos.
O procurador da República, Bruno Valente, destacou que “o transbordamento de lama da bacia de rejeitos da Hydro afetou uma série de comunidades em 2009 e até hoje nunca houve uma compensação ou pagamento de multa”.
“O histórico de acidentes ambientais em Barcarena é impressionante, uma média de um por ano”, disse o procurador, que assina uma ação civil pública movida em 2016.
CAMILA SEVERO