Sob a bandeira de “Futuro para o Trabalho”, centenas de milhares se uniram aos manifestantes da capital, vindos de todos os recantos da Itália, no sábado (9), para exigir um “basta à política recessiva” e à falta de empregos “em especial para os jovens”, como afirma a convocatória das centrais sindicais CGIL, CSIL e UIL. No quarto trimestre do ano passado, o PIB caiu 0,2%, depois de uma queda de 0,1% no terceiro trimestre, configurando que a Itália está em recessão técnica.
As centrais sindicais condenaram a sujeição do governo 5 Estrelas-Liga às pressões da Comissão Europeia, que forçou Roma a reduzir os investimentos, para manter o déficit fiscal mais perto da promessa feita pelo governo anterior, de Matteo Renzi, repelido nas urnas. Roma teve de refazer o orçamento três vezes. Também foi Renzi, que se dizia de “centro-esquerda”, que decretou o “Jobs Act” para surrupiar direitos dos trabalhadores e avançou sobre as aposentadorias.
A manifestação se estendeu por vários quilômetros da Piazza della Repubblica até a Piazza San Giovanni, com faixas e cartazes como “tire as mãos das aposentadorias”, “não somos seu caixa eletrônico” e “há uma só raça, a humana”. A “mudança”, slogan da coalizão no poder na Itália, conforme um cartaz com três caras e respectivas legendas: Berlusconi ‘vigarista’, Di Maio ‘cretino’ e Salvini ‘nazista’. Para chegar a Roma foram utilizados dez trens, 1300 ônibus e dois navios.
Segundo as centrais, a estagnação econômica faz o desemprego entre os jovens chegar a 16,7% (o dobro da média europeia) e para o conjunto dos trabalhadores é o terceiro mais elevado da Europa, 9,7%, atrás apenas da Grécia e da Espanha.
O famigerado “Jobs Acts” – o nome em inglês foi uma escolha de Renzi – tornou mais fácil e mais barato demitir e impôs a precariedade nas relações de trabalho. Entre o atual governo e as centrais sindicais, não há como esconder as contradições.
O novo secretário-geral da CGIL, o metalúrgico Mauricio Landini, denunciou os “nós estruturais”, com os quais “este governo, infelizmente, não está lidando, assim como os governos anteriores”. Para ele, essa manifestação “é o começo de uma revolta contra uma situação de paralisia que se aprofundou com a quebradeira de 2008, da qual o país não saiu até hoje”.
Ironizando a origem nas redes do Movimento 5 Estrelas, a secretária-geral da central CISL, Annamaria Furlan, disse que aqui está “a Itália real, trabalhadores em carne e osso, nada a ver com slogans lançados pelo Twitter ou postados no Facebook”.
“Depois de tantos anos de uma crise tremenda, começamos a levantar a cabeça e ter esperança no futuro”, acrescentou, apontando que “a produção industrial cai e só o juro cresce, abatendo os salários e as aposentadorias”. Ela chamou o governo Di Maio-Salvini de “governo virtual”.
O atual governo tornou lei suas duas principais promessas de campanha no terreno social, a chamada “renda cidadã” de 780 euros e a redução da idade mínima de aposentadoria de 67 para 62 anos, desde que atendida a quota 100 (38 anos de contribuição mais 62 anos de idade).
Sem dúvida, é um avanço em uma Europa onde os bancos se lançaram sobre os cofres públicos para se manterem à tona, e mandaram a conta para os trabalhadores em geral e os aposentados em particular.
Mas é insuficiente, na medida em que continua vigente a cláusula que diz que, sob alegações várias, como queda na arrecadação, alta da expectativa de vida, e qualquer outra justificativa que os banqueiros possam achar, é inteiramente legal meter a mão no bolso dos idosos e cortar aposentadorias.
Para as centrais, a “renda mínima” de Di Maio não passa de uma irrisória bolsa básica para os mais pobres, e de curta duração, 18 meses, e cria um pretexto para ataques ao mecanismo do seguro-desemprego. Outra divergência é com o lado B do governo, a xenofobia explícita de Matteo Salvini, o chefão da Liga, e sua perseguição a imigrantes.
No discurso, Landini assinalou que os trabalhadores italianos exigem do governo “um debate para que se transforme a economia com vistas a um futuro melhor para o país”, com a “criação de empregos de qualidade através dos investimentos públicos, apoio ao investimento privado, recursos para infra-estrutura, uma política fiscal justa que não privilegie os estratos mais ricos, fim dos cortes às aposentadorias e, pelo contrário, sua revalorização”. Também “mais recursos para apoio aos jovens e às mulheres que anseiam por acesso ao trabalho”.
A atitude do vice-primeiro-ministro, Luigi De Maio, que, na semana anterior se encontrou com lideranças do movimento Coletes Amarelos da França, mas se recusou a receber uma comissão dos trabalhadores que estavam nas ruas da capital do próprio país, não passou em branco. “Se alguém governa este país e ainda se mostra amigo dos que protestam em outro, eu lhes digo, se vocês têm uma centelha de inteligência, ouçam a nós reunidos aqui nesta praça. É só ver essa incontável multidão mobilizada sob a bandeira comum da defesa do trabalho para saberem que nós somos a mudança”, afirmou.
O Cinco Estrelas deu o troco: “Eles desmantelaram o Estatuto dos Trabalhadores, que deveria ser sua Bíblia, aprovaram a lei Foreiro penalizando milhões de aposentados e congelaram durante anos os salários de todos os servidores públicos”. A declaração reclama que os sindicatos protestam “contra o único governo que se opõe ao abuso de contratos precários” e quer “introduzir o salário mínimo por hora”. Defende a ‘Quota 100’ e assevera que “está investindo bilhões de euros” para reformar o mundo do trabalho e cuidar das pessoas “deixadas para trás”.