Após o Instituto Evandro Chagas, do Ministério da Saúde, ter constatado em laudo o vazamento de resíduos de mineração da bauxita em igarapés e rios da Amazônia, a multinacional norueguesa Hydro, que havia negado o vazamento, confessou o desastre.
Reportagem de Carlos Mendes, do Blog Ver-o-Fato, publicada pelo HP no fim de semana, já antecipava a gravidade do crime ambiental cometido pela multinacional (leia mais).
O Instituto Evandro Chagas localizou um duto clandestino, pelo qual a Hydro despejava resíduos nas águas, em Barcarena, no Pará.
No sábado anterior, moradores de Itupanema denunciaram que sua vila fora alagada por água vermelha.
A lama vermelha, altamente poluente, é o resultado da extração de bauxita – o minério que é matéria prima do alumínio – através do método Bayer, que combina altas temperaturas com uma solução química altamente corrosiva, com alta concentração de soda cáustica (hidróxido de sódio).
O consumo de água contaminada com essa lama vermelha leva a danos neurológicos, cardiovasculares e digestivos.
Na quarta-feira, a Hydro negou qualquer vazamento em Barcarena: “Nas comunidades rurais de Barcarena o chão é de piçarra, material que se usa muito para se pavimentar estradas. Essa terra também possui óxido de ferro, por isso é da coloração vermelha. A chuva alagou a área e por isso que a água ficou com essa cor”, disse à imprensa um representante da multinacional norueguesa.
A versão da empresa, portanto, supunha, para ser acreditada, que os moradores de Barcarena não sabiam diferenciar piçarra – com que conviveram a vida inteira – da lama vermelha tóxica derivada da mineração da bauxita.
Apenas 24 horas depois, essa explicação foi desmascarada como mentirosa, após o laudo e o anúncio do pesquisador Marcelo de Oliveira Lima, do Instituto Evandro Chagas: “Foi constatado que houve vazamento das bacias de rejeitos da bauxita. Fotografamos os efluentes invadindo a área ambiental”.
A água vermelha alagou até o terreno onde a Hydro tem sua sede em Barcarena (ver foto, distribuída pelo Instituto Evandro Chagas, acima). Mesmo assim, a multinacional continuou negando que existisse qualquer problema.
Além de Itupanema, a lama vermelha invadiu as vilas de Bom Futuro, Vila Nova e Burajuba.
“A empresa fez uma ligação clandestina para eliminar os efluentes contaminados que estavam acumulados dentro da fábrica para fora da área industrial, contaminando o meio ambiente e chegando às comunidades”, declarou o cientista do Instituto Evandro Chagas.
Foram encontrados, nas águas dos igarapés, altos índices de sódio, nitrato e alumínio. O PH (índice de acidez ou alcalinidade) da água estava em 10 (o da água pura é sete): “O líquido estava extremamente abrasivo e nocivo aos seres vivos”, relataram os pesquisadores.
Além disso, o nível de chumbo na água é muito alto: “Essa contaminação é nociva às comunidades que utilizam os igarapés e rios em busca de alimento, com a pesca, e também o lazer. Além disso, há a contaminação dos outros seres vivos, inclusive das plantas”.
O Instituto Evandro Chagas recomendou a imediata suspensão da produção: “Se a empresa continuar com a elevada produção, novos vazamentos ocorrerão, sem dúvida alguma, principalmente neste período de chuvas intensas”.
Tal como no desastre da Samarco em Mariana constatou-se, também, “que não há um plano de alarme emergencial da empresa para a comunidade caso haja algum rompimento ou desastre”.
MAIS LAMA DA HYDRO
Na quinta-feira à noite, moradores de Barcarena denunciaram que um caminhão a serviço da Hydro, carregado de detritos tóxicos, tombara na estrada PA-481.
A lama vermelha se espalhou pela rodovia.
“O cheiro de soda cáustica é horrível”, declarou um morador a uma rádio local. “A lama vermelha está invadindo a pista. Tá desesperador aqui!”, disse Bartira Santos, entrevistada pela TV Liberal, que fotografou a catástrofe e as manifestações dos moradores contra a Hydro.
Na sexta-feira, a Hydro, em nota, afirmou que limpara a rodovia – e que ia tomar providências quanto ao acidente do caminhão…
Foram instaurados dois inquéritos pelo Ministério Público do Pará para apurar as denúncias de vazamentos ocorridos em Barcarena. Um inquérito civil foi instaurado pela Promotoria de Justiça de Barcarena e está sendo elaborado a partir de informações colhidas pelos promotores Laércio Guilhermino de Abreu e Daniel Barros.
O segundo inquérito, instaurado pela promotora Eliane Moreira, da 1ª Região Agrária, apura os impactos socioambientais possivelmente provocados pelo vazamento, em especial os que podem ter afetado comunidades rurais e territórios de Barcarena onde vivem ribeirinhos e comunidades tradicionais. As atividades da Hydro Alunorte também serão alvo de investigação durante este procedimento.
FUNDÃO
No dia 5 de novembro de 2015, a barragem do Fundão, no distrito de Bento Rodrigues, em Mariana, rompeu e despejou 62 milhões de metros cúbicos de resíduos tóxicos da mineração de ferro sobre as casas, famílias, rios.
Houve 19 mortos.
Após contaminar o Rio Doce, o lixo tóxico chegou ao mar, atacando a flora e a fauna da área costeira do Espírito Santo.
[Para uma cobertura completa deste desastre, o leitor tem à sua disposição a primeira edição de nosso suplemento especial, “América do Sol”.]
A barragem pertencia à Samarco, uma sociedade da Vale privatizada com a mineradora e petroleira anglo-australiana BHP Billiton.
Apesar da tragédia humana e ecológica, sob os auspícios dos governos Dilma e Temer, tudo terminou com um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), pelo qual a Samarco, a Vale e a BHP continuam explorando as jazidas de Mariana em troca de algumas reparações, a critério de um certo Waack, elevado à presidência da fundação que administra o dinheiro das indenizações, por seu “extenso currículo”: “longo relacionamento com organizações nacionais e internacionais da sociedade civil, entre elas a WWF Brasil, Global Reporting Initiative (GRI), Forest Stewardship Council (FSC), Ethos e o Fundo Brasileiro para a Biodiversidade”.
Quanto aos réus – eram 22, dos quais os principais eram o presidente da Samarco, Ricardo Vescovi de Aragão, e o diretor de operações, Kleber Luiz de Mendonça Terra -, tiveram seus processos suspensos por alegadas questões processuais (aliás, falsas, pois as gravações telefônicas alegadamente ilegais, que motivaram a suspensão, nem mesmo foram usadas no processo).
Isso, apesar da investigação policial, a cargo do delegado Roger Lima Moura, ter comprovado que, na construção da barragem, “para as galerias de drenagem, onde estava previsto brita e rocha, usaram restos de minério fino e estéril. Essa galeria, depois, acabou cedendo. Teve de ser tamponada” (v. Justiça suspende processo contra Samarco e outros réus de Mariana).
É evidente que entregar os nossos recursos – as nossas riquezas minerais, evidentemente, não renováveis – a monopólios privados sedentos de ganhos, somente pode provocar tragédias, como agora em Barcarena, ou, antes, em Mariana.
Por que razão permitir que a Hydro, uma empresa norueguesa, vá devastar o Pará, a Amazônia, para levar a bauxita que pertence ao povo brasileiro?
Ou as nossas riquezas estão sob nosso controle, ou apenas colheremos desastres. Evidentemente, preferimos a primeira opção.