A deputada Tereza Cristina (DEM-MS), conhecida como a “Musa do Veneno”, escolhida para assumir o Ministério da Agricultura no governo de Jair Bolsonaro, afirmou na última quinta-feira (8), que as modificações nas regras sobre agrotóxicos terão “muito espaço” para discussões dentro da pasta.
Durante entrevista concedida em Brasília, após reunião com Bolsonaro, ela foi questionada sobre se as discussões sobre agrotóxicos terão espaço no ministério. Ela respondeu de forma positiva e defendeu o projeto que flexibiliza a Lei dos Agrotóxicos, aprovado por uma comissão especial da Câmara dos Deputados em junho deste ano.
“Com certeza, terá muito espaço de debate ainda. Ele [o projeto] passou na comissão, é um assunto polêmico… A comissão especial trouxe a modernização, é você dar a opção do produtor brasileiro usar as mesmas moléculas que são usadas lá fora através da agilidade, da transparência e da governança”, disse.
Tereza Cristina é presidente da comissão especial da Câmara dos Deputados que aprovou projeto de lei que facilita a liberação dos agrotóxicos cancerígenos, foi anunciada para a pasta na última quarta-feira (7). A “Musa do Veneno”, como é conhecida, chefia a bancada ruralista, onde estão os maiores interessados na mudança na lei para afrouxar a aprovação de agrotóxicos.
A atuação de Tereza Cristina na comissão Especial do agrotóxico foi fundamental para o avanço do Projeto de Lei 6299, que estava parado por conta dos protestos da sociedade, de pesquisadores, ambientalistas e especialistas em saúde. O Projeto substitui o termo “agrotóxico”, que é utilizado atualmente, por “defensivo fitossanitário e produtos de controle ambiental”. Proposto em 2002 pelo então senador Blairo Maggi, o projeto abraçado por Cristina sofreu muita resistência quando voltou a tramitar neste ano. Foram mais de 20 manifestações da comunidade científica, entre elas o Instituto Nacional do Câncer, a Fiocruz e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência.
O projeto muda a norma de aprovação de agrotóxicos. Atualmente para aprovação de um novo agrotóxico no Brasil é preciso uma análise do IBAMA, da ANVISA e do Ministério da Agricultura. Com a aprovação do projeto será criada uma Comissão Técnica Nacional de Fitossanitários (CTNFito), no âmbito apenas do Ministério da Agricultura. A atual regra proíbe o registro de agrotóxicos que revelem características teratogênicas, carcinogênicas, mutagênicas, distúrbios hormonais e danos ao aparelho reprodutor. O art. 22 do projeto determina que só seria proibido o registro de agrotóxicos cancerígeno em caso de “risco inaceitável”. O conceito é considerado subjetivo.
O apelido de “Musa do Veneno”, foi dado para a deputada durante o jantar de comemoração da bancada ruralista em um restaurante à beira do lago Paranoá, em Brasília, para celebrar a vitória na comissão.
De acordo com a Associação Brasileira de Saúde coletiva (Abrasco), 22 dos 50 agrotóxicos utilizados no Brasil são proibidos pela Europa. São vendidos por multinacionais que dominam o mercado brasileiro, como a Syngenta (Suíça), Bayer CropScience (Alemanha), Basf (Alemanha), DuPont (Estados Unidos) e FMC Corp (Estados Unidos), que lucram mais fora de seus países sede. A primeira empresa vende, por exemplo, o pesticida paraquate, banido da União Europeia e considerado “altamente venenoso” pelos Estados Unidos.
Outro ingrediente é o 2,4-D, chamado de “agente laranja”, pulverizado pelo exército norte-americano na Guerra do Vietnã, deixando sequelas em milhares de crianças durante várias gerações. Já o glifosato é um veneno usado em lavouras de milho e pasto apesar de ser considerado cancerígeno pela Organização Mundial da Saúde. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) iniciou a revisão da autorização desses produtos: o paraquate e o glisofato seguem há anos sob análise.
Com o projeto, o Brasil está indo na contramão da regulamentação dos agrotóxicos na União Europeia e nos Estados Unidos. Nesses países a legislação é ainda mais rígida. No Velho Continente, que tem uma legislação única entre os países do bloco, um agrotóxico é liberado por 10 anos pela Autoridade Europeia para Seguridade Alimentar, que depois desse período pode ou não renovar a autorização. Ela se baseia no princípio da precaução, ou seja, nenhuma substância deverá ser aprovada caso haja alguma incerteza científica sobre seu uso. Já nos EUA, a regulamentação dos agrotóxicos passou nos anos 70 das mãos do Departamento de Agricultura para a Agência de Proteção Ambiental, que possui uma equipe de mais de 800 cientistas para analisar os efeitos dos agrotóxicos na saúde dos seres humanos e do meio ambiente.
A nova ministra é presidente do Sindicato Rural de Jaboticabal e membro do conselho consultivo da Coplana, que vende agrotóxicos para seus cooperados em sete cidades do interior de São Paulo. O patrimônio da deputada cresceu quase 500 vezes durante seu primeiro mandato: de R$ 10,3 mil em 2014 para R$ 5,1 milhões neste ano, segundo autodeclaração patrimonial feita ao TSE.
Executivos diretamente ligados aos agrotóxicos são seus maiores financiadores. Celso Grieseang, um dos proprietários da Sementes Tropical, empresa que comercializa fungicidas em parceria com a gigante multinacional Syngenta, está entre seus doadores. Ela jura que atuou de forma “transparente, responsável e correta” na comissão que debateu o projeto dos agrotóxicos – chamados por ela de “defensivos fitossanitários”.
Auxiliares de Bolsonaro disseram que a indicação não tinha sido política. Horas depois, a Frente Parlamentar Agropecuária desmentiu o presidente e sustentou que a indicação foi feita pela bancada ruralista, como diz a nota: “A bancada, após consenso entre parlamentares e entidades representativas da Agropecuária, sugeriu o nome da deputada federal Tereza Cristina (DEM-MS), presidente de FPA, para o Ministério da Agricultura. Jair Bolsonaro aceitou a indicação e confirmou o nome da deputada Tereza Cristina para assumir a pasta”.
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