
Sem recursos, o Museu Nacional, que já foi palácio imperial, localizado na Quinta da Boa Vista, na Zona Norte do Rio, está fazendo uma vaquinha virtual para tentar remontar a reprodução do Maxakalisaurus (um esqueleto de dinossauro conhecido como Dinoprata) a tempo das comemorações de seu bicentenário, no começo de junho.
O Dinoprata foi o primeiro dinossauro de grande porte a ser montado no país, e com seus 13 metros atraiu mais de um milhão de visitantes desde 2006. O dinossauro viveu há mais de 80 milhões de anos, na região onde fica hoje o município de Prata, em Minas Gerais. Sua exibição foi suspensa no fim do ano passado, quando cupins destruíram a estrutura de madeira que fazia a sua sustentação. Agora, parte de suas peças maiores foram colocadas em um canto da sala, enquanto as menores estão guardadas em caixas.
Considerado um dos mais importantes do país, o Museu Nacional está, desde 2014, sem receber na totalidade a verba destinada a sua manutenção, cerca de R$ 520 mil anuais. Até abril deste ano recebeu apenas R$ 54 mil deste montante.
O gabinete do diretor do museu, Alexander Kellner, fica em um cômodo que já serviu de quarto para Dom Pedro I e agora abriga uma enorme infiltração que vai do teto ao chão, o que para ele “reflete o que o museu é: grandeza, com problemas”.
Às vésperas de completar 200 anos, o museu está com 10 de suas 30 salas de exposição fechadas, e menos de 1% do acervo – que contém cerca de 20 milhões de objetos – está exposto. A situação precária explica a queda de público nos últimos anos. Em 2016, o ano de menor público, menos de 118 mil visitantes, a UFRJ ficou sem dinheiro para pagar os terceirizados, o que levou ao fechamento temporário do museu. “Até hoje as pessoas pensam que ele está fechado”, afirma o diretor.
Para o Kellner “o maior acervo é este prédio, um palácio de 200 anos em que morou Dom João VI, Dom Pedro I, onde foi assinada a Independência. A princesa Isabel brincava aqui, no jardim das princesas, que não está aberto ao público porque não tenho condições”.
ABANDONO
A situação do Museu Nacional espelha a realidade da enorme maioria dos museus do país, onde os orçamentos previstos, e já insuficientes, não estão sendo realizados e a situação beira o desastre.
Ao mesmo tempo, o governo federal diz que nunca se investiu tanto. Segundo o último relatório do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), os incentivos fiscais para empresas financiarem salas e exposições atingiram R$ 233,9 milhões, representando 76,1% do total de investimentos neste setor, em 2015. Um crescimento vertiginoso, já que em 2001 estes incentivos foram de R$ 6 milhões. Notem que não estamos falando nos investimentos em cultura via Rouanet, que passam de R$ 1 bilhão, mas a mesma lógica serve.
A grande questão é que esses “incentivos” restringem-se a projetos específicos, com alta visibilidade e lucro imediato. As empresas têm interesse em financiar grandes exposições e, algumas poucas vezes, inaugurações de instalações. A maioria das instituições não se interessa pela manutenção das instalações, nem por atividades acadêmicas e culturais próprias dos museus, que são de longo prazo.
O que quer dizer que do montante total R$ 152,9 milhões, ou algo próximo de 65%, foram destinados para exposições ou apresentações de espetáculos, e apenas 28% ficaram para o patrimônio cultural, em forma de investimentos em recuperação ou preservação.
Outro ponto extremamente importante é que esses incentivos acabam mascarando e agravando o problema dos museus, no sentido em que o poder público começa usar de instrumentos como a Lei Rouanet para a desobrigação de investir nas instituições, afirmando que elas podem andar com as próprias pernas. O que está acontecendo com o Museu Nacional deixa claro o que as instituições que estão fora do mapa de investimento têm que fazer para tentar viabilizar fórmulas alternativas de obter recursos.
Esse modelo de financiamento produz um resultado nefasto. Há muitas parcerias com os museus que estão com boas condições de manutenção e que estão nos grandes centros, e faltam parcerias onde realmente precisa.
Ainda segundo o relatório do Ibram, as captações e investimentos foram feitas 60,5% em São Paulo, 17,1% no Rio de Janeiro e 10,7% em Minas. Enquanto 20 estados não atingiram nem 1%, e 13 destes não obtiveram nem um incentivo.
O resultado é o governo comemorando investimentos, um grande número de museus abandonados, e empresas propagandeando seu incentivo a cultura, enquanto na prática estão trocando impostos por propaganda onde tenham espectadores para assistir.
Não à toa entre os principais “investidores” estão BB, Itaú, GLOBOSAT, Bradesco, Santander, BNDES, e por aí vai.
CAMILA SEVERO