Como identificar os primeiros hominínios?
GABRIEL ROCHA
WALTER NEVES
Núcleo de Popularização dos Conhecimentos sobre Evolução Humana,
Instituto de Estudos Avançados, Universidade de São Paulo.
O registro fóssil é a melhor ferramenta para conhecermos o passado evolutivo da nossa espécie. O que sabemos hoje da evolução humana deve-se, em grande parte, aos inúmeros ossos fossilizados que encontramos no planeta. No entanto, os fósseis não vêm com nome e sobrenome, é preciso identificá-los. Como descobrimos se um fóssil recém encontrado pertence ou não à nossa linhagem?
Para identificar se um fóssil é um hominínio, buscamos por características anatômicas parecidas com as nossas. Se um crânio compartilha mais características conosco do que ele compartilha com outros primatas, ele deve fazer parte da nossa linhagem. Existem algumas características chave, típicas da espécie humana, que usamos nessa identificação, algumas delas são: a bipedia, caninos pequenos e esmalte dentário espesso.
Usamos essas características pois, dentre os monos (chimpanzé, gorila e orangotango), nós humanos somos os únicos que as possuem. Ou seja, somos os únicos que caminham bípedes, têm caninos pequenos e dentes com esmalte espesso. Dessa forma, se encontramos um fóssil com tais características, é bastante provável que ele seja evolutivamente mais próximo de nós do que dos monos.
A Bipedia
Olhando para o esqueleto, temos diferentes formas de saber se um animal caminhava bípede, isto é, sobre duas pernas e com a coluna reta. O primeiro local que podemos olhar é o crânio. A base do crânio apresenta uma abertura chamada forame magno, que é por onde todos os nervos da coluna vertebral entram para se conectar ao cérebro. A posição do forame magno nos informa sobre a posição da coluna. Animais quadrúpedes, como os chimpanzés, que mantém sua coluna em uma inclinação mais horizontal, apresentam o forame magno na parte traseira do crânio. Ao passo que, nós humanos, que mantemos nossa coluna na vertical, temos essa abertura na base do crânio. Assim, nos chimpanzés, os nervos da coluna entram no crânio por trás, enquanto na nossa espécie eles entram no crânio por baixo, permitindo que tenhamos a coluna sempre ereta. Portanto, encontrando um crânio que tenha o forame magno posicionado na sua base, sabemos que trata-se de um animal bípede.
Além do crânio, por ser uma forma de caminhar bastante diferente do que vemos no restante do reino animal, a bipedia deixa marcas no corpo inteiro. Outras pistas que podem nos indicar a bipedia são: fêmur e ossos do pé semelhantes aos nossos, e a bacia mais larga.
Os dentes
Os dentes além de serem extremamente resistentes, tornando-os um dos registros mais comuns de serem encontrados, também são muito informativos. A nossa espécie, diferentemente dos demais primatas, apresenta caninos bastante reduzidos e o esmalte que recobre os dentes mais espesso. Dessa forma, uma maneira útil de procurar pelos nossos ancestrais é procurar por fósseis com caninos pequenos e esmalte espesso.
O primeiro hominínio
Descoberto na África central, o Sahelanthropus tchadensis é uma espécie de primata já extinta que habitou a região por volta de sete milhões de anos atrás. Na época da sua descoberta, os únicos fósseis que conhecemos da espécie eram um crânio altamente distorcido, fragmentos de mandíbula e alguns dentes. Felizmente, como visto anteriormente, essas são regiões muito úteis na busca pelos nossos ancestrais.
O que encontramos no Sahelanthropus tchadensis foi um forame magno posicionado na base do crânio, indicando tratar-se de um animal bípede, dentes com esmalte espesso e caninos levemente reduzidos. Bingo! Encontramos nosso primeiro ancestral!
Essas mesmas características foram muito úteis para encontrar outras espécies que participaram da nossa família evolutiva.
Um pouco mais recente que o Sahelanthropus tchadensis, temos o Orrorin tugenensis, outra espécie extinta que habitou o Quênia há 6 milhões de anos. Infelizmente não encontramos o crânio para essa espécie, mas fomos recompensados com um fêmur altamente semelhante ao nosso, indicando que também trata-se de um animal bípede. Além disso, encontramos alguns dentes com esmalte espesso, confirmando que a espécie faz parte da linhagem hominínia.
Um terceiro caso importante na evolução humana foi a descoberta do Ardipithecus ramidus. Essa espécie foi encontrada na Etiópia e datada em 4.4 milhões de anos. Em comparação com as duas espécies discutidas anteriormente, o Ardipithecus ramidus nos presenteou com um esqueleto quase completo. A partir disso analisamos as características de interesse para saber se o Ardipithecus foi um dos nossos ancestrais. Com relação à bipedia, a espécie apresenta um forame magno na base do crânio e uma bacia larga, ambos indicando que ele caminhava de maneira bípede. Com relação aos dentes, também verificamos esmalte espesso e caninos pequenos, confirmando sua inclusão na nossa linhagem.
Evidentemente não é uma tarefa fácil buscar hominínios nesses períodos mais remotos da evolução humana, nos quais o registro fóssil é bastante pobre e as espécies ainda muito diferentes de nós. Por mais que seja um trabalho complexo, essas são as melhores ferramentas na busca pelos nossos primeiros ancestrais.