Após apoiar o corte de R$ 26,5 bilhões dos recursos destinados às despesas obrigatórias, previstos no projeto do Orçamento de 2021, transferindo-os para emendas parlamentares, o governo Bolsonaro voltou atrás e entrou em conflito com sua base aliada no Congresso Nacional. O ministro da Economia, Paulo Guedes, passou a ameaçar o Legislativo exigindo cortes ainda maiores no orçamento e mais arrocho fiscal.
Ciente de que tanto o governo quanto os deputados estavam cometendo uma evidente ilegalidade, ao retirarem recursos de despesas obrigatórias, Guedes passou a ver no Orçamento de 2021 uma grave ameaça ao teto de gastos. A partir daí, passou a recomendar que o Planalto vetasse de forma parcial o Projeto de Lei do Orçamento (PLO).
Guedes argumentou que Bolsonaro pode sofrer um processo de impeachment por irresponsabilidade fiscal se o texto do Orçamento for sancionado como está. Por outro lado, congressistas da base aliada reagiram afirmando que o ministro está fazendo “terrorismo” fiscal. O que ficou claro em toda essa discussão é que o grande obstáculo a um orçamento que atenda minimamente às necessidades da população brasileira é o famigerado teto de gastos idealizado pelo economista Nelson Barbosa e imposto ao país em 2016.
Outro fato a ser destacado é que a proposta do Orçamento de 2021, enviada ao Congresso Nacional pelo governo, já estava bastante subestimado diante da maior crise sanitária dos últimos 100 anos e da grave recessão que se abateu sobre o país. Para as ações e serviços públicos na área da saúde foram destinados R$ 125 bilhões, menos do que os RS 161 bilhões efetivamente gastos em 2020, ano em que teve início a pandemia da Covid-19. Um valor ainda muito pequeno diante da tragédia que já tirou a vida de 330 mil brasileiros, recurso que foi subestimado pelo negacionismo do governo federal frente à pandemia.
No texto aprovado pelo Congresso, o relator, senador Márcio Bittar (MDB-AC), transferiu o montante de R$ 26,5 bilhões destinados às despesas obrigatórias para as emendas em troca da aprovação da PEC 186/19, agora Emenda Constitucional (EC) 109/21, que impõe mais arrocho fiscal exatamente no momento em que a pandemia e a crise econômica se agravam.
Foram cortados benefícios previdenciários (R$ 13,5 bilhões), abono salarial (R$ 7,4 bilhões) e seguro-desemprego (R$ 2,6 bilhões). Todas estas despesas são obrigatórias – isto quer dizer, que, pela Constituição, não podem ser canceladas, contingenciadas ou adiadas.
Com a aprovação do Orçamento de 2021, Paulo Guedes anunciou que o Executivo precisaria fazer um grande corte nas despesas não obrigatórias para não romper o teto de gastos. Para cumprir o teto, segundo Guedes, será necessário um corte superior a R$ 36 bilhões – 39,1% dos R$ 92 bilhões previstos no projeto inicial do Orçamento para despesas não obrigatórias (discricionárias), que são gastos do governo com investimentos em obras de infraestrutura, pesquisas científicas, por exemplo, e despesas de custeio, como conta de luz, água e internet.
Pelos cálculos da equipe econômica do governo, mesmo se reverter o corte nas despesas obrigatórias, o governo terá que fazer contingenciamentos que atingirão parte das emendas parlamentares e demais despesas discricionárias.
A regra do teto de gastos congelou por 20 anos o crescimento das despesas obrigatórias do governo, limitando seu reajuste ao índice de inflação do ano anterior. Quando estas despesas são superiores à inflação, a regra do teto obriga o governo a cortar despesas discricionárias.
Na base aliada do governo, a notícia das ameaças de Guedes foi entendida como “terrorismo” da parte do ministro. O presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), que é responsável por aceitar ou não pedidos de impeachment, frisou que um pedido de afastamento com base nas mudanças feitas por congressistas na proposta orçamentária seria “apenas mais um na gaveta”. Ou seja, prometeu acobertar as ilegalidades.
Além disso, na quarta-feira (31), Arthur Lira e Marcio Bittar se reuniram com Bolsonaro e Paulo Guedes, a fim de negociar uma alternativa. Bittar acenou que cancelaria R$ 10 bilhões em emendas. No entanto, Guedes achou pouco, disse que não assinará o Orçamento da forma como está e recomendou novamente que Bolsonaro não o sancione.
Sem consenso para superar o imbróglio do Orçamento – que está atrasado há 3 meses – o problema deve prosseguir até a proximidade da data limite para a sanção do Orçamento, que é no dia 22 de abril. Enquanto isso, a população brasileira vive seus piores dias na pandemia de Covid-19, com a economia paralisada e o desemprego batendo nova marca histórica.